Contando moedas

"Nunca imaginei que passaria por essa situação", diz a surfista Silvana Lima. Foto: Tatiane Rodrigues
“Nunca imaginei que passaria por essa situação”, diz Silvana Lima. Foto: Tatiane Rodrigues

O ideal seria que, ao caminhar pela praia até o local da competição, o único peso que Silvana Lima carregasse fosse o da própria prancha. Mas a surfista brasileira ímpar no Circuito Mundial tem uma conta gorda de gastos para seguir competindo e, sem um patrocinador principal, a falta de verba é difícil de ser ignorada.

O problema poderia ser resolvido facilmente: uma empresa interessada em promover o esporte bancaria as viagens da atleta para os locais das etapas, hospedagem em hotéis, alimentação e os gastos que toda profissional que compete no Circuito precisa ter, em troca da visibilidade e exposição da marca. Mas desde 2011, quando sua patrocinadora encerrou um apoio de oito anos, Silvana não tem o suporte financeiro necessário. “Nunca imaginei que passaria por essa situação. Para mim, as coisas só melhorariam.”

Vice-campeã do mundo em 2008 e 2009, a cearense de 30 anos mora atualmente em Ilhéus, na Bahia, mas garante que a casa serve só para trocar de mala. Tem corpo atlético e tatuado, ombros largos e traços fortes. Os joelhos são os mais castigados pelo tempo. Foram três cirurgias, duas no esquerdo e uma no direito. A segunda operação, realizada em 2012, obrigou a atleta a ficar um ano fora das competições. Quando retornou, sofreu outra lesão da qual não teve tempo para se recuperar completamente, o que fez com que fosse rebaixada à divisão de acesso.

No começo do ano passado, Silvana se viu fora da elite do surfe e sem recursos para financiar sua campanha de volta à “série A” do esporte. Então iniciou um projeto de crowdfunding – Silvana Free – a fim de angariar fundos para seguir trabalhando. No entanto, sua carteira virtual pouco encheu, e a empreitada não vingou. Conseguiu apenas R$ 4,5 mil, o que não bancaria nem a primeira etapa. Mas a divulgação despertou outras formas de apoio. Durante a temporada de competições na Austrália, pessoas que souberam do projeto entraram em contato e ofereceram estadia e carro para usar durante os eventos. “Teve um gringo que pagou toda a minha alimentação, tudo isso foi uma ajuda enorme.”

Determinada a voltar à elite, Silvana teve de apelar para outras formas de ganhar dinheiro após a Austrália. Vendeu o carro e o apartamento que tinha no Rio de Janeiro, o que lhe rendeu uma boa quantia. Quando se mudou para a Bahia, teve a ideia de abrir um canil e colocar o buldogue francês que tinha para cruzar. Vendeu os sete filhotes que nasceram e garantiu o restante de seu financiamento. Os resultados vieram, a surfista venceu duas etapas da divisão de acesso e garantiu a vaga no campeonato mundial de 2015.

Depois de tantas manobras, Silvana voltou a fim de brigar pelo título. Começaram as etapas, chegaram as contas, mas o tão esperado patrocínio não veio. Ela conta hoje com alguns apoiadores que cobrem gastos parciais, como pranchas (Silvana usa cerca de 15 por etapa) e equipamentos.

Além dos treinos diários intensivos de academia, uma de suas paixões é cozinhar. Se o hotel em que vai se hospedar não tem cozinha ela se muda para outro. Com um futuro financeiro incerto, Silvana faz planos pessoais. Mesmo com dificuldades, conseguiu dar uma casa para a mãe e ajuda a mantê-la com os sobrinhos no Ceará. Possui uma casa alugada no mesmo Estado e, quando terminar a carreira, pretende viver de aluguel de imóveis. A atleta vê com positividade um possível futuro patrocinador. “Sei que estou passando por uma fase ruim, mas não vou me vender por pouco. Acredito que um dia vá chegar uma grande marca e fazer parte da minha história”, diz.

Batalha sexista
O sexismo impera nas propagandas de marcas de surfe que se dizem “para mulheres”. As surfistas profissionais são comumente exibidas como modelos, vestindo biquínis e fazendo poses sensuais, enquanto os homens surfistas são tratados como profissionais do esporte. A surfista considera que a propaganda é machista. “Poderia pegar uma modelo para fazer esse trabalho e deixar a surfista como profissional. Isso atrapalha a atleta”, afirmou Silvana.

Todos os sete surfistas brasileiros que competem no Circuito Mundial têm suporte financeiro de diversas marcas, além de receberem premiações maiores nas etapas. A quantia dada ao vencedor de cada etapa no masculino é de R$ 300 mil, enquanto no feminino é de R$ 180 mil. Pelos cálculos de Silvana, é necessário desembolsar os mesmos R$ 180 mil para cobrir os gastos anuais. Se vencer uma etapa, a atleta já garante o financiamento do ano inteiro.

Para Silvana, as surfistas têm dificuldade de se encaixar no mercado. “No Circuito Mundial, há cinco meninas sem patrocínio. As que têm a gente acha que ganham milhões, mas na verdade não ganham nada.” Recentemente, a surfista norte-americana Coco Ho disse em entrevista que as mulheres não merecem tanto quanto os homens no surfe – o que Silvana discorda com veemência. “A gente (homens e mulheres) faz as mesmas viagens, pega o mesmo voo, fica no mesmo hotel e pega as mesmas ondas. Por que não mereceríamos o mesmo?”, questiona.


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