Com Ruth Cardoso, famosa como intelectual, Dalinajara Almeida, a Dalina, chegou a cerzir toalhas de linho que estavam no Palácio da Alvorada desde a época de Juscelino Kubitschek. Ou as duas costuravam ou as toalhas se desfaziam. Fora da residência presidencial, poucos sabiam da habilidade da antropóloga e primeira-dama com agulhas e linhas. Com Marisa Letícia, Dalina costumava pescar tucunaré no Lago Paranoá, que margeia o palácio. Depois, elas incluíam o produto da pescaria no cardápio do palácio. À beira do lago, junto com a primeira-dama e sua acompanhante, só ficava Mel, a poodle do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante 16 anos, enquanto duraram os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, Dalina foi figura-chave do Alvorada. Funcionária do Itamaraty, atuando como camareira, ela era passageira frequente do avião presidencial, mas passava despercebida para o resto do País. O cenário mudou quando Ruth morreu. No velório da antropóloga, na Sala São Paulo, na capital paulista, uma comovida Dalina apareceu nas fotografias entre Marisa Letícia, Lula, Fernando Henrique, José Serra, Aécio Neves, Marina Silva, Arlindo Chinaglia e Luciana Cardoso, a filha mais velha de Ruth.
Era junho de 2008, governo Lula, e correu a notícia de que Dalina tinha pedido ao então presidente para comparecer ao velório e, na sequência, ganhou carona no voo repleto de autoridades. Não foi bem assim. A iniciativa foi de Lula. “Quando aconteceu, Lula avisou que eu era a primeira da lista para ir com ele. Eu não ficava falando em dona Ruth o tempo todo, mas ele sabia como eu gostava dela. E quando o governo estava para mudar, dona Ruth falou de meu nome para ele, para trabalhar para dona Marisa”.
A conversa entre dona Ruth e Lula ocorreu no final de 2002. Pouco antes de passar o governo, Fernando Henrique tinha perguntado a Dalina se ela desejava voltar para o Itamaraty. A camareira pediu para continuar no Alvorada, como conta à Brasileiros: “Eu sempre li muito. E tinha lido a história de Lula. Uma pessoa pobre que venceu. Fiquei admirada pela história dele, não pelo PT, que não me meto em política. O meu negócio é a pessoa. E Lula é uma pessoa maravilhosa. Sempre me tratou muito bem. Era minha querida para cá, minha querida para lá. Fiquei muito triste com o que aconteceu. Não pude viajar para o Brasil, mas mandei celebrar missa para dona Marisa na Igreja de Las Mercedes”.
A igreja que Dalina frequenta fica em Assunção, no Paraguai, para onde ela foi transferida há quase cinco anos. A remoção para um país estrangeiro, que planejava pedir desde o começo dos anos 1990, acabou sendo requisitada só após o governo Lula, quando Dalina decidiu interromper seu ciclo no Alvorada. Ciente de que “a idade estava chegando” (68 anos completos em 27 de março), ela começou a se preocupar em juntar dinheiro para arrumar a casa que tem, desde 1979, na cidade de Ceilândia. Lá criou duas sobrinhas, três netos e o filho Jurandir, 41 anos, que tem problemas motores e ainda mora com ela. Sem entrar em detalhes sobre seus rendimentos, ela lembra que só trabalhando no Exterior tem como se capitalizar para a reforma: “Nem sei se vai dar. Minha casa está só Jesus na causa”.
Com o cargo de recepcionista da embaixada, Dalina deve continuar em Assunção até junho. Na volta ao Brasil, planeja visitar os dois presidentes para os quais trabalhou: “Fernando Henrique esteve no Paraguai, na residência do embaixador, e mandou dizer que queria me ver. Foi uma beleza os momentos que tive com ele. Fiquei devendo uma visita em São Paulo. Depois, também quero visitar Lula. Gosto muito das duas famílias”.
Discretíssima, Dalina não fala sobre a rotina no palácio, mas não se contém quando o tema é a poodle de Lula: “A Mel é a minha paixão. Ela só andava no meu colo. Às vezes eu até esquecia o que precisava fazer, para não deixar a Mel sozinha”. A poodle parece mesmo especial. Depois da missa de sétimo dia da mulher em São Bernardo do Campo, Lula recebeu amigos em casa e comentou que daria os papagaios e passarinhos que Marisa Letícia cuidava, porque eles exigem muito trabalho, mas nem pensava em se separar da poodle. “A Mel é minha filha”, disse Lula.
Dalina, por sua vez, conta que jamais imaginou conviver com presidentes e primeiras-damas. Nascida em São Luís do Maranhão, ela chegou a Brasília no começo dos anos 1970, para trabalhar como doméstica. Uma década depois, era ajudante de cozinha na casa do chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro e surgiu a oportunidade de integrar os quadros do Itamaraty. “O salário iria diminuir, eu tinha o meu filho para criar, mas aceitei e foi a melhor coisa que eu fiz”, lembra.
No ministério, ela fazia serviços gerais, e às vezes era deslocada para trabalhar nos chamados apartamentos de trânsito, ocupados por diplomatas que tinham acabado de voltar para o Brasil. Nesse esquema, cuidou do apartamento de trânsito ocupado por Fernando Henrique quando ele foi ministro das Relações Exteriores, no governo Itamar Franco. Depois que ele virou ministro da Fazenda, Dalina voltou para o Itamaraty. Eleito presidente, Fernando Henrique a convocou de novo.
Na primeira vez que entrou no Alvorada, ela chorou de emoção diante da parede dourada que tem inscrita uma frase de Juscelino, durante a primeira visita ao lugar que abrigaria a capital federal, em outubro de 1956. Dalina lembrou como tinha andado pelas ruas de São Luís, a mando de uma madrinha que gostava de Juscelino, comprando todos os jornais que encontrava, na inauguração de Brasília: “Naquela época lá, eu pequena, jamais imaginei que um dia botaria os pés no Palácio da Alvorada. Jamais”.
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