A brasileira que questiona os buracos negros

Thaisa foi laureada com prêmio Internacional da L’óreal/Unesco em 2015, que reconhece pesquisadores por seus progressos científicos
Thaisa foi laureada com prêmio Internacional da L’óreal/Unesco em 2015, que reconhece pesquisadores por seus progressos científicos

Thaisa Storchi Bergmann tinha 12 anos de idade quando seu pai a ajudou a montar no sótão de casa um laboratório de química. Se no silêncio de seu pequeno quarto, ela via o mundo através do microscópio, cerca de dez anos depois, Thaisa resolveu olhar para cima em busca de respostas.

Há na profissão da astrofísica um certo romantismo da qual ela não esconde. Ao se lembrar da época em que trabalhou no Observatório Inter-Americano de Cerro Tololo, no deserto do Chile, em 1997, a cientista solta um suspiro quase nostálgico: “Os observatórios tão distantes da cidade, aquele céu tão estrelado, tão lindo… Eu adorava”.

A brasileira tem no currículo títulos que fizeram dela referência na astrofísica e uma inspiração para novas mulheres cientistas. Doutora em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a cientista concluiu seu pós-doutorado na Universidade de Maryland e no Instituto do Telescópio Espacial.

Atualmente, é membro titular da Academia Brasileira de Ciências e integra o conselho diretor do Observatório Gemini, que consiste em dois telescópios gêmeos, um localizado na Cordilheira dos Andes e outro no Havaí.

Quando ingressou, em meados dos anos 1970, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Thaisa era uma das poucas meninas a ocupar uma das cadeiras no bacharelado de Física. Hoje, professora titular do Instituto de Física da mesma universidade, Thaisa diz que a proporção de mulheres na graduação que escolheu não mudou muito. “Eu esperava que isso tivesse evoluído, mas pouco mudou”, conta.

Em 2015, a pesquisadora foi laureada com o “L’oréal/Unesco para Mulheres na Ciência”. A cada ano, o prêmio reconhece cinco cientistas mundo afora por suas contribuições e progressos científicos. Thaisa tem dedicado sua vida ao estudo de buracos negros supermassivos e suas interações com as galáxias.

Sua pesquisa ganhou repercussão internacional ainda nos anos 1990, quando ela se tornou a primeira cientista a observar um disco de acreção (disco de gás que se forma ao redor dos buracos negros, quando estes capturam matéria) no núcleo de uma galáxia inativa.

Através de observações, a cientista detectou um disco de gás girando em torno do núcleo de uma galáxia. Esse objeto tinha velocidade superior a dez mil quilômetros por segundo, era compacto e possuía uma massa muito grande. A descoberta inesperada foi a conclusão de que o disco de gás habitava o redor de um buraco negro supermassivo, em uma galáxia na qual um buraco negro não era esperado no seu núcleo, tendo em vista que se tratava de uma galáxia inativa.

Enquanto um buraco negro comum tem cerca de dez vezes a massa do Sol, os supermassivos podem ter bilhões de massas solares. Sua pesquisa foi fundamental para o entendimento de buracos negros supermassivos e a conclusão de que esses objetos do universo provavelmente existem no centro de cada galáxia.

A assinatura de gás que a brasileira encontrou também serviu para identificar outros corpos semelhantes no universo. “Quando comecei a me dar conta de que se tratava de uma grande descoberta e de que poderia ser a assinatura da matéria capturada pelo buraco negro, eu perdi o sono. Comecei a contatar vários pesquisadores para confirmar isso e, quando confirmaram, fiquei em êxtase”, lembra.

Natural de Caxias do Sul (RS), Thaisa chegou, por um breve momento, a desviar-se de sua vocação quando decidiu estudar Arquitetura na UFRGS. Foram poucos meses, entretanto, até ela encontrar o caminho que a levaria para a astrofísica. Hoje, aos 61 anos, a cientista divide seu tempo entre as aulas e orientações dadas na universidade, as pesquisas acadêmicas e congressos mundo afora.

Mãe de três filhos, Thaisa talvez não perceba o quanto sua atuação na ciência serve como exemplo para uma próxima geração de cientistas. Quando pergunto como ela encara esse papel, ela diz se sentir lisonjeada quando garotas curiosas pela sua trajetória a procuram em eventos como a Campus Party, maior evento de tecnologia da América Latina.

Em edição passada, a brasileira foi convidada para falar sobre suas contribuições na astrofísica. Sobre o fascínio com a profissão, Thaisa diz encontrar nela um caminho para respostas sobre o desconhecido, e sua busca se faz com a mesma inquietação de outrora. “Há tanto a se descobrir no universo. A gente se dá conta de que é só uma poeirinha no cosmos, que a Terra é um dos planetas mais insignificantes, que o Sol é uma estrela insignificante dentro dos 200 bilhões que existem na Via Láctea. Quando a gente se coloca nessa perspectiva, quer conhecer o que existe além. É um prazer enorme descobrir uma coisinha, por menor que seja.”


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