Herenice Santos Cruz gosta de ser chamada de Nice Pequena ou apenas Pequena, nome que recebeu três meses antes de sair de uma unidade da Febem, atual Fundação Casa. A educadora Valeria Di Pietro foi quem a rebatizou, por causa de seu tipo físico miúdo. Foi Valeria também quem a ajudou a olhar a vida de outra maneira.
Em junho de 2001, aos 16 anos, ela não se lembra do dia, a polícia chegou à casa alugada onde morava com a irmã, um ano mais velha, no bairro Jardim das Orquídeas, em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo, que serviu de cativeiro para dois reféns de um sequestro. O crime tinha sido planejado por um amigo delas, na época com 21 anos. Na casa, a polícia encontrou drogas, cocaína e maconha, e armas, um revólver calibre 38 e uma espingarda 12mm. As meninas responderam por sequestro, tráfico de drogas, porte de armas e formação de quadrilha. O amigo, além desses crimes, foi responsável por mais um: corrupção de menores. Ele foi preso e cumpriu 14 anos de pena. Ganhou a liberdade no começo deste ano. Elas foram encaminhadas para uma unidade da Febem que ficava no Brás, zona norte de São Paulo. Pequena ficou dez meses como interna da casa. A irmã, um ano. “Eu não sequestrei ninguém, também não usei muita droga, só maconha, mas pouco. De qualquer maneira, aceitei e permiti que tudo aquilo acontecesse.”
Na Febem, Pequena seguia com rigor as regras – acordava e dormia no horário, ajudava na cozinha, aprendia bordado – e se preocupava com o futuro. “Não sabia fazer nada e não gostava de nada. Meu único trabalho tinha sido em um lava rápido.” Até que Valeria chegou à unidade para fazer teatro com os internos. A peça escolhida era uma readaptação de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. “Nunca fui funcionária da Casa, mas, entre idas e vindas, fiquei 15 anos com os meninos.”
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Especial: Redução da Maioridade Penal – Somos Contra!
Prestes a reconquistar a liberdade, Pequena foi chamada para participar da peça, em substituição à irmã, que era “muito agitada” e perdeu a chance de entrar para o grupo. Mas ela não queria. “Achava que aquilo não era pra mim, nunca tinha tido contato com teatro, cultura nenhuma. Mal falava o português.” Mas se sentiu pressionada e foi. Tímida e desconfiada, como Valeria a descreve.
O espetáculo foi apresentado e logo depois Pequena deixou a unidade. Desse dia ela não se esquece: 9 de maio de 2002. “Fazia tudo o que falavam porque tinha medo de apanhar. Conheci meninas que sofreram agressão. Eu não. Mas fui várias vezes humilhada por funcionários. Mesmo assim, foi lá na unidade que tive a oportunidade da minha vida. Por isso sou contra a redução da maioridade penal. Se eu fosse maior de idade naquela época, teria ficado anos presa, como o meu amigo que acabou de sair da cadeia. Ainda falo com ele, que diz estar arrependido, me pede desculpas por tudo. Eu entrei de gaiata nessa história, não tinha passagem pela polícia, nada disso, mas entrei. Não fui enganada. Cometi um erro e paguei por isso. Mas tive sorte porque conheci Valeria e com ela aprendi muita coisa. Até o meu português melhorou. Se eu tivesse ficado naquela situação, poderia estar morta. Na cadeia, acho que teria me tornado criminosa mesmo.”
Antes da Febem
Filha caçula do segundo casamento da mãe, costureira, que já tinha outros quatro filhos, e pai marceneiro, Pequena, nascida em Aracaju, Sergipe, chegou a São Paulo, no Jardim das Orquídeas, com os pais e a irmã. “Nunca tive muito contato com os meus meios-irmãos. Minha infância foi conturbada porque meu pai bebia e batia na minha mãe, só nela, nunca na gente.”
Aos 14 anos, Pequena engravidou de um rapaz de 19 anos, seu vizinho. Os dois foram morar juntos e, quando o filho tinha 2 meses, o pai da criança, que era vigia noturno, foi assassinado a tiros. “Nunca soube como aconteceu de verdade. Foi uma grande tristeza.” Diante da situação, Pequena decidiu morar com a irmã. “Éramos duas adolescentes sem estrutura, sem conhecimento de nada. Durante o dia, eu ficava com meu filho. À noite, minha mãe cuidava. Era farra direto. Minha irmã é expansiva, falante, diferente de mim. Quando fazia amizade, logo trazia pra dentro de casa. Não estou dizendo que foi culpa dela, mas era assim.”
Durante os dez meses em que passou na Febem, Pequena viu o filho nos dias de visita, quando sua mãe o levava até a unidade do Brás. “Eles são unha e carne até hoje. Teve um tempo que meu filho chamava a avó de mãe. Eu tinha um pouco de ciúme da minha mãe, precisei trabalhar isso na minha cabeça e na deles também. Meu filho sabe de toda a minha história. Ele tem 14 anos, está estudando, quer começar a trabalhar e adora futebol.”
Pequena sentiu, ao sair da Febem, o baque de encarar a vida sem perspectiva, sem dinheiro e sem muita moral. “Minha mãe nunca me julgou, mas também não pôde me apoiar. E é sempre mais difícil arrumar emprego na minha condição.” Poucas semanas depois, ela voltou à unidade para visitar as amigas. Reencontrou o pessoal do teatro. Valeria estava lá. Soube que eles, àquela altura, eram um grupo teatral com nome e tudo. O Religare nasceu dentro da Febem, com Valeria à frente do projeto, que incluía também atividades de circo, música e dança. Pequena pediu para integrar o grupo e foi imediatamente aceita.
Valeria Di Pietro atuou profissionalmente como atriz, diretora, dramaturga e educadora. Foi vencedora do Prêmio Culturação de Melhor Atriz Coadjuvante de 1996 com a peça O Amor Venceu, adaptação de Renato Modesto, baseada em texto de Zibia Gasparetto, e trabalhou com Paulo Goulart em Sete Vidas, espetáculo dirigido por Bárbara Bruno. Foi também vencedora do Prêmio Vento Forte por sua dedicação ao teatro. Seu trabalho na FEBEM, ela diz, foi pura paixão. “Fizemos coisas incríveis juntos. Naquela época, dávamos muito murro em ponta de faca para sermos entendidas pelos próprios funcionários da unidade, que não compreendiam o que a gente fazia. Muitos diziam: ‘Meu filho não tem aula de teatro, de circo, e esses bandidinhos têm’. Para início de conversa, até os piores infratores devem ter uma chance”, afirma Valeria.
Ela conta que a primeira fase do projeto em torno de Dom Quixote reuniu 150 jovens que cumpriam medida socioeducativa. Na seguinte, foram 40, parte em medida socioeducativa, parte de ex-internos, como Pequena. Outras peças foram montadas. Pequena fez vários papéis. Para ganhar a vida, também trabalhou como recepcionista em escritórios e em uma lan house, além de uma experiência como cuidadora. Refez a vida afetiva com Roberto, que conheceu no Religare, com quem tem duas filhas, 7 e 4 anos. Recentemente, eles se separaram. Ele foi morar no Paraná com os pais. Ela, hoje com 29 anos, continua no Jardim das Orquídeas e está à procura de um emprego: “Pode ser qualquer coisa”. Mas o sonho de Pequena é ser atriz.
Vice-presidente do Instituto Histórico Cultural de Mongaguá, no litoral paulista, Valeria se “aposentou” da Febem quando virou Fundação Casa. Hoje ela vive em um dos 50 apartamentos do Palacete dos Artistas, inaugurado em dezembro do ano passado. Trata-se de um conjunto habitacional da Prefeitura de São Paulo, no Centro, para artistas com 60 anos ou mais. O prédio de 1910, que foi sede do Hotel Cineasta, foi restaurado. Para ocupar um dos imóveis, os artistas pagam uma “locação social” – 10% da renda familiar que declararem.
Mesmo afastada dos projetos na FEBEM, Valeria mantém contato com muitos dos internos daquela época. Pequena é uma delas. “Sou totalmente contra a redução da maioridade penal porque sou testemunha de que erros podem ser reparados”, afirma a artista. O Religare continua existindo, agora na mão de Pequena e outros ex-internos. Tem funcionado na Casa da Memória de Itaquera.
Maioridade penal, o debate
Há pelo menos duas décadas, discute-se o assunto no Brasil. Vários projetos de lei e propostas de emenda constitucional já foram apresentados ao Congresso, mas não tiveram sucesso. No entanto, em episódio inédito, a tramitação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos e tem 38 propostas anexadas, foi admitida, no final de março, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Essa comissão tem a atribuição de fazer um juízo prévio de constitucionalidade, o que significa que ela decide se a questão pode ou não tramitar pelo Congresso. Como deu sinal verde, a proposta agora está sendo analisada por uma comissão especial da Câmara, que tem até julho para fazer um relatório para votação em plenário. Se aprovada, a discussão seguirá para o Senado. Como se trata de uma PEC, a presidenta Dilma Rousseff, que já se manifestou contrária ao assunto, não poderá vetar a medida. Assim, caso a PEC passe pelo Congresso, jovens infratores de 16 anos passarão a dividir celas com criminosos de todos os gêneros. De acordo com o artigo 228 da Constituição Federal, atualmente são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial. A ideia da PEC é mudar esse trecho para “são penalmente inimputáveis os menores de 16 anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Se isso de fato acontecer, a proposta poderá voltar ao debate, caso algum partido, organização ou entidade entrar com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, gesto que integrantes do PT, como os deputados federais Paulo Teixeira e Maria do Rosário, já prometeram fazer.
“A situação é grave porque em todas as circunstâncias anteriores a CCJ impediu o procedimento da PEC ou de projetos de lei, entendendo que ferem uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada. Mas agora não vetou”, afirma o jurista Oscar Vilhena. “O Congresso pode cometer a irracionalidade de aprová-la, mas entendo que o Supremo Tribunal Federal deve impedir porque a proposta é flagrantemente inconstitucional.”
O também jurista Dalmo Dallari concorda. Para ele, “a idade mínima de responsabilidade é fixada na Constituição e isso é direito fundamental da pessoa, e cláusula pétrea não pode ser alterada, mesmo por emenda constitucional”. Dallari acredita que não há chance de a PEC ser aprovada no Congresso. “Tenho esperança de que haja um mínimo de boa informação e bom senso entre os parlamentares para não forçar uma decisão claramente contra a Constituição, que, sabe-se, será derrubada no Supremo Tribunal.”
Paulo Sérgio Pinheiro, diplomata da ONU com mais de quatro décadas de atuação no monitoramento e mediação de conflitos nacionais e internacionais, afirma que “essa aberração só foi possível porque temos uma das piores Câmaras e um dos piores Congressos eleitos no País, depois da redemocratização”. Ele é um dos entrevistados da série que discute a redução da maioridade penal, lançada no site da Brasileiros em 2 de abril, três dias depois da aprovação da PEC 171 pela CCJ (leia a entrevista com ele na íntegra e com outros especialistas em brasileiros.com.br/4PCpl).
Contrário à medida, Pinheiro explica: “Nos países mais desenvolvidos, onde o tratamento dos adolescentes em conflito com a lei é melhor que na América do Sul, a tendência é evitar que eles entrem no sistema penal e sejam criminalizados como adultos porque as prisões sequer funcionam em termos da reabilitação e da reinserção social de adultos. No Brasil, que já é a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos, se observarmos a situação de superlotação do sistema penitenciário, onde estão essas pessoas e não cabem 300 mil, evidentemente, a proposta de redução da maioridade penal não vai atender o principal interesse da população, que é ter menos criminosos atuando em nossa sociedade”.
José Jesus Filho, que trabalhou 19 anos na Pastoral Carcerária de São Paulo e hoje é doutorando da Fundação Getúlio Vargas, onde investiga as transformações penitenciárias no Estado, afirma que, se aprovada a PEC, haverá um inchaço ainda maior do sistema penitenciário, provocando um colapso. “Esse é um processo autoritário, mais um componente no conjunto de violações dos direitos humanos.” Para ele, a
Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, estão sendo ignorados e violados. “As cadeias privatizadas são verdadeiras caixas de depósitos humanos”, acrescenta.
Em abril, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por meio do Núcleo Especializado de Situação Carcerária, divulgou relatório em que aponta superlotação de 400% em prisões estaduais. As inspeções mostram ainda que as instalações são precárias: faltam colchões e as cozinhas são “incompatíveis com as normas de higiene”. Em audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário Brasileiro, na Câmara dos Deputados, o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, Renato Campos de Vitto, disse que o sistema não tem condições de internar adolescentes. Para ele, se a maioridade penal for reduzida, haverá um aprofundamento do déficit de vagas, que hoje é de 216,4 mil.
Enquanto parlamentares discutem a questão, pesquisas de opinião apontam que a população, neste momento, quer a redução da maioridade penal. De acordo com o Datafolha de abril, 87% dos brasileiros é favorável à PEC 171. Entre esses, segundo o levantamento, 74% defendem a diminuição para todos os tipos de crime. Na comissão da Câmara que analisa o tema, 14 dos 27 deputados defendem a mudança somente para jovens de 16 e 17 anos que cometerem crimes hediondos, como homicídio qualificado, latrocínio, estupro e sequestro.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, crimes patrimoniais, como furto e roubo (42,9% do total), e envolvimento com o tráfico de drogas (27%) constituem a maioria dos delitos praticados por menores que se encontram em instituições assistenciais do Estado. Ainda segundo o órgão, 9% dos menores internados que cumprem medida socioeducativa cometeram homicídio, 2,7% tentativa de homicídio e 2,2% latrocínio. Os dados são referentes a 2012.
Os números
Na América do Sul, apenas Guiana e Suriname punem jovens como quer a PEC 171/93. Apesar do debate, o Brasil é considerado modelo positivo na América Latina pelo UNICEF, por ter sido um dos pioneiros no estabelecimento entre maioridade e responsabilidade penal, que indica qual a idade com que adolescentes podem responder por atos infracionais – a partir dos 12 anos no Brasil, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, aprovado em 1990.
Para a socióloga Jacqueline Sinhoretto, professora da Universidade Federal de São Carlos e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da mesma universidade, o debate precisa ser analisado também à luz da violência policial cometida contra os jovens. Coautora da pesquisa Desigualdade Racial e Segurança Pública em São Paulo – Letalidade Policial e Prisões em Flagrante, ela afirma que os jovens são mais vítimas do que autores de crimes. O levantamento analisou 734 processos de mortes em decorrência da ação policial entre 2009 e 2011, no Estado de São Paulo.
“Os dados indicam que há maior letalidade policial sobre a população negra. Ao calcularmos as taxas de mortos por cem mil habitantes, dentro de cada grupo cor/raça, é possível observar que foram mortos três vezes mais negros entre 15 e 29 anos do que brancos. O que dá para dizer que existe um racismo institucional na segurança pública.”
O também sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo Mapa da Violência do ano passado, que analisa casos até 2012, reafirma esse dado em nível nacional. De acordo com o documento, os homicídios no País atingem principalmente jovens negros do sexo masculino, moradores de periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos.
De acordo com a pesquisa, em 2012 os números já apontavam esse cenário: 30 mil homicídios de jovens entre 15 e 29 anos. Desses, 23 mil eram negros. Fazendo a conta: 1.900 jovens negros mortos por mês, 63 por dia ou mais de dois a cada hora. O retrato dos jovens brasileiros também não é animador pela ótica do UNICEF. Relatório divulgado ano passado informa que o Brasil ocupa o segundo lugar em ranking mundial em número absoluto de homicídios contra pessoas entre 10 e 19 anos, somando mais de 11 mil mortes em 2012. O País está atrás apenas da Nigéria, no continente africano. Em número proporcional à população, esse mesmo retrato melhora pouco: sexta posição, com 17 mortes para cada cem mil jovens, atrás de El Salvador e Guatemala, na América Central; Venezuela, na América do Sul; Haiti, no Caribe; e em Lesoto, na África.
“Se jogarmos esses jovens na cadeia, eles vão se tornar muito violentos e, provavelmente, irão aprofundar essa condição de infrator da lei. Um dos indicadores, por exemplo, mostra que a redução da maioridade penal vai triplicar a reincidência porque essa é a taxa atual dos infratores do sistema prisional comum. Isso já é muito grave. A reincidência dos jovens internados hoje é de 20%, enquanto a de adultos criminosos supera os 70%”, afirma Rogério Sottili, secretário-adjunto de Direitos Humanos da cidade de São Paulo.
O caso Champinha
Em novembro de 2003, o brutal assassinato dos estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé chocou o Brasil e reacendeu, já naquela época, o debate em torno da maioridade penal. Liana tinha 16 anos e Felipe, 19, quando foram torturados e mortos em uma zona rural de Embu-Guaçu, na região metropolitana de São Paulo, por cinco criminosos: Paulo César da Silva Marques, conhecido como Pernambucano, Antônio Caetano, Antônio Matias, Agnaldo Pires e Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, o único menor do grupo, com 16 anos.
À época do crime, o advogado Ari Friedenbach, pai de Liana, se manifestou a favor da redução da maioridade penal. Ao longo dos anos, manteve sua opinião com algumas ressalvas. Para ele, jovens entre 16 e 18 anos que cometem crimes considerados hediondos devem ser responsabilizados criminalmente, mas encarcerados em unidades prisionais distintas das penitenciárias para adultos e com normas de conduta mais rígidas do que as praticadas na Fundação Casa. Friendenbach acredita ainda que a pena a ser aplicada deve ser a metade da que seria para um adulto.
“Minha proposta não é tratar todo mundo da mesma maneira, até porque, se isso acontecer, vão querer levar para o presídio o moleque de 16 que entrar no cinema com RG falso. Muita gente hoje me pergunta se eu esqueci a minha filha. Não. Mas minha proposta é ser rígido com quem precisa de rigidez.” Friedenbach, 54, hoje é vereador de São Paulo pelo PROS. É sua primeira legislatura pública – foi eleito com mais de 22 mil votos em 2012. “Não é possível levar a discussão de forma rasa, com base no ser a favor ou contra. Existem caminhos que podem ser mais efetivos.”
Os criminosos do caso Liana e Felipe foram condenados em 2006. Champinha passou por diversas unidades da FEBEM, antes de ser internado na Unidade Experimental de Saúde da Vila Maria, onde está até hoje. O laudo definitivo atestou que ele sofre de um transtorno orgânico de personalidade, o que significa a baixíssima probabilidade de sua recuperação. Aos 28 anos, ainda é considerado perigoso para a sociedade. Em março, o Supremo Tribunal Federal negou recurso em sua defesa, que pedia a sua liberdade para que continuasse tratamento em regime ambulatorial. Pela decisão da Justiça, Champinha não sairá nunca mais da Vila Maria.
A proposta de Friedenbach vai ao encontro das opiniões do deputado Laerte Bessa (PR-DF), relator da comissão que agora analisa a redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Recentemente, ele disse que “sabe distinguir entre um jovem de alta periculosidade de outro” e a sociedade estaria “fazendo tempestade em copo d’água” em torno da questão.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também se posicionou diante do debate. Ele não quer a redução da maioridade penal, mas propõe a ampliação do tempo máximo de internação para os jovens que praticarem crimes hediondos – dos atuais três para oito anos.
Não há como negar: a criminalidade é alta no Brasil e é justo que a sociedade cobre do Estado respostas eficientes para o problema. No entanto, em vez de tentar mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente, suprimindo direitos de forma inconstitucional, o debate deveria avançar no sentido de ampliar políticas públicas para a infância e juventude e de diminuir da desigualdade social e a violência contra os jovens. Como afirma Wesley Vieira, que está no grupo Religare há mais de dez anos, aquele criado na FEBEM por Valeria Di Pietro e do qual Nice Pequena faz parte: “O que reduz a criminalidade é educação, e não punição”.
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