A primeira coisa que se nota ao adentrar no gabinete do vereador Ari Friedenbach, 54, do Partido Republicano da Ordem Social (PROS), é uma farta quantidade de folhetos protestando a falta de segurança na cidade de São Paulo. “Violência Contra a Mulher”, aparece escrito em um pequeno cartaz rosa, ao lado de outro, amarelo, que denuncia a “Violência Contra Crianças”. Em um papel maior, em formato de pasta e com seu nome escrito em destaque, aparece, finalmente, a frase da campanha que o levou à Câmara dos Vereadores em 2012: “Pelo direito de viver sem medo”.
É a primeira legislatura pública de Ari desde que a sua filha, a estudante Liana Friedenbach, de 16 anos, foi morta junto com o namorado, o também estudante Felipe Caffé, de 19, em um sítio próximo à estrada do Belvederenão, em Embu-Guaçú, região metropolitana de São Paulo. Eleito com pouco mais de 22 mil votos, ele admite que está em divergência com a maioria da classe média paulistana, camada onde se encontra a maior parte do seu eleitorado. “Não se pode levar a discussão de forma tão rasa, com base no ser a favor ou contra. Existem outros caminhos que podem ser mais efetivos e não tratar todo mundo da mesma forma”, explica ele.
Friedenbach é contra a proposta de redução da maioridade penal debatida na Câmara dos Deputados, mas tem uma sugestão até mais rígida do que a que está em discussão na sociedade brasileira: jovens entre 16 e 18 anos que cometerem crimes considerados hediondos – sequestros, homicídios, latrocínios, estupros ou roubo mediante o uso de violência ou a mão armada – deverão ser responsabilizados criminalmente e encarcerados em unidades prisionais distintas das penitenciárias, mas com normas de conduta mais rígidas do que as da Fundação Casa. Ainda nestes casos, a pena aplicada deve ser a metade da que seria para um adulto, ou seja, se um criminoso comum fosse condenado a 20 anos de prisão por um assassinato, um jovem dessa idade pegaria dez anos e seria em uma dessas unidades. No mês passado, Ari recebeu a reportagem de Brasileiros em seu gabinete, na Câmara dos Vereadores de São Paulo, e concedeu a seguinte entrevista:
O senhor é contra a redução da maioridade penal, mas não contra a responsabilização de menores que praticam crimes hediondos. Qual seria a diferenciação das duas propostas?
Ari Friedenbach: Tem algumas importantes. Para o caso de menores que cometem crimes hediondos – sequestros, homicídios, latrocínios, estupros ou roubo mediante o uso de violência ou a mão armada – eu defendo a responsabilização independente da idade, mas levando em conta o ato praticado. Assim, se o menor tem 14 anos, 15 anos, e comete um homicídio, por exemplo, ele deve ter uma punição mais rigorosa, deve responder criminalmente de forma proporcional à idade e em uma unidade prisional. Ainda estou realizando estudos com outros advogados, psiquiatras e outros especialistas para propor uma pena que seja proporcional, algo como metade da pena que seria dada a um cidadão adulto que cometer o mesmo crime. Agora, é importante salientar que esse menor condenado cumpriria a sua pena em unidades prisionais administradas pela Fundação Casa, não colocá-lo no sistema prisional comum, que é caótico, como querem os defensores da redução da maioridade penal para 16 anos. As penitenciárias hoje têm uma taxa de reincidência de 70%, enquanto a Fundação Casa tem 20%. Esse menor seria tratado em um ambiente com mais rigor, como um presídio, mas teria os mesmos requerimentos que são adotados pela fundação, com aulas escolares, cursos profissionalizantes, atendimento médico, práticas de esportes, tudo com a decência e o bom trabalho que vem sendo feito pela Fundação Casa. O segundo grande diferencial da minha proposta é que os jovens de 16 a 18 anos vão passar a responder criminalmente e os entre 14 a 16 que cometerem crimes hediondos continuarão respondendo pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, com um prazo máximo de internação de três anos, algo que não acontece hoje, em que eles ficam, no máximo, um ano internados, por causa da lotação das unidades e por causa dos casos em que a imprensa não divulga. Dessa forma, jovens de 16 anos que cometerem pequenas infrações – roubar uma bicicleta ou um pote de maionese, por exemplo – continuarão sendo atendidos pela Fundação Casa, com prazo máximo de três anos e todas as regras que valem hoje. Eu tenho dito que é muito importante não acreditarmos em propostas eleitoreiras, como a do governador do Estado Geraldo Alckmin, que levou para Brasília uma proposta de aumento do prazo máximo de internação para dez anos. Esse aumento para dez anos é o mesmo que os três anos de hoje que não chegam, na verdade, nem em um ano de internação. Não adianta colocar no papel um aumento sendo que o que está escrito na lei de hoje não acontece na prática. Precisamos ter uma pena clara para o menor que comete hediondo. Não é chegar para esse menor e falar: “você pode ficar até dez anos preso”. O ideal é: “a pena para o seu crime é ficar dez anos preso”. Assim, o menor ficaria na Fundação Casa até cumprir os 18 anos e, então, seria transferido para o sistema prisional comum. É continuar tratando da mesma forma quem comete infrações até os 18 anos, e tratar com mais rigor quem, nesta faixa etária, cometer algo mais grave.
Teria uma idade mínima para responder criminalmente nessa sua proposta?
Uma coisa que eu repudio é ouvir que “daqui a pouco vão prender crianças de oito anos”. Mas calma aí: crianças de oito anos não cometem crimes. Não conseguem sequer segurar uma arma na mão. Acho que a regra de hoje, de um mínimo de 12 anos, é válida. Não vejo motivos para alterar. O que a gente precisa mudar são questões simples da legislação que não serão transformadas apenas se reduzir a maioridade penal. A primeira é: acho importante a manutenção da ficha limpa para o menor que sai da Fundação Casa, para ele poder ter uma estrutura menor, poder se inserir no mercado de trabalho sem grandes empecilhos, mas desde que ele não cometa outro crime depois dos 18 anos. Se isso acontecer, o juiz tem a obrigação de puxar a ficha dele, saber se teve passagens na Fundação Casa, por que passou por lá e, então, não considerá-lo réu primário. Ou seja, ele perderia esse benefício importante que a Justiça concede se, depois de cumprida a maioridade penal, cometer outro crime. Outra mudança que faria diferença é aumentar em, no mínimo, o dobro da pena de um infrator maior de idade que tiver a ajuda ou admitir que usou um menor para cometer um crime. Assim, o criminoso não vai querer a companhia do menor, porque a situação dele é que vai se agravar.
Haverá um final nessa discussão?
Haverá quando isso chegar ao Supremo Tribunal Federal, que vai considerá-la cláusula pétrea, ou seja, teria que escrever uma nova Constituição para alterá-la, não bastaria uma emenda constitucional. Entendo que a proposta da redução da maioridade pena é inconstitucional, ainda que exista uma discussão jurídica enorme sobre se é ou não.
A proposta, então, é levar meninos que cometerem crimes hediondos para unidades prisionais administradas pela Fundação Casa.
Unidades prisionais com mais rigor para jovens até 18 anos, porém sendo da Fundação Casa. Se por acaso, quando esse jovem atingir os 18 e ainda tiver pena para cumprir, pode ser transferido para o sistema prisional comum. Antes disso, jamais.
É um ponto de vista do senhor que mudou?
Eu defendi a redução da maioridade penal nos quatro, cinco primeiros meses após o crime que foi cometido com a minha filha, em 2003. Depois, de onze anos para cá, defendo essa mesma posição. Na verdade, desde que adotei essa postura que venho refletindo sobre a questão de condenação de menores, proporcionalidade. Uma coisa é poder votar aos 16 anos e outra é cometer um crime. A consciência política não tem relação com a consciência dos atos. Quero entrar com uma proposta que tenha embasamento psiquiátrico e jurídico. Venho melhorando o meu projeto…
Melhorando nesses 11 anos?
Exato. Desde esse período que eu defendo a responsabilização. O que mudou hoje é que tenho uma ideia mais embasada e melhor construída referente a isso. É o que estou dizendo: não pode penalizar criminalmente todos os menores de 16 anos, porque a grande maioria deles cometem atos infracionais de menor gravidade e que, portanto, permite uma maior oportunidade de ressocialização. Eu acrescentaria mais duas coisas importantes nesse debate: um é que não adianta internar um menor na Fundação Casa ou, no caso da redução da maioridade penal, prendê-lo numa penitenciária, se não trabalhar com a família dele também. O que vai acontecer é que, quando ele sair, vai retornar para aquele ambiente onde o pai pode ser um alcoólatra, a mãe trabalha o dia inteiro fora de casa, essas coisas. É preciso mudar a realidade dessas famílias, não apenas o jovem. A outra – e que eu não vi ninguém refletindo a respeito – é que se reduzir a maioridade penal vai puxar outras permissões para menores também, como comprar bebidas alcoólicas e dirigir, que também pode resultar em morte no trânsito, por exemplo.
Em que momento o senhor mudou esse ponto de vista mudou? Obviamente que esses meses após o crime foram carregados de emoção, em que não há espaço para refletir.
Houve uma indução em um primeiro momento, no calor da emoção, para a minha defesa da redução da maioridade penal. Até alguns políticos que defendem essa ideia me usaram, naquela época, para ser o porta-voz deles. Fui para Brasília e tudo. Eu, particularmente, nunca fui defensor dessas ideias malucas de pena de morte ou coisas do tipo, mas me rendi ao calor da emoção naquele momento. Depois, como advogado, com uma formação cultural decente, moral e ética, passei a me aprofundar no tema. Eu era advogado cível, nunca tinha me interessado por direito criminal. Passei a estudar para saber o que eu estava falando e, então, construí esse projeto diferenciado que visa punir de forma dura quem merece uma punição dura. Não é tratar todo mundo da mesma maneira, até porque se isso acontecer vão querer levar o moleque de 16 que entrar no cinema com RG falso para um presídio. Muita gente hoje me aborda e diz: “você esqueceu a sua filha” ou “você ficou bonzinho”. Não fiquei bonzinho. Aliás, minha proposta é até mais rígida, mas com quem ter que ser mais rígido. Não quero tratar todos da mesma maneira. Não é que o menor de 18 anos que está na Fundação Casa não está sendo punido, porque você falar para um menino desses que ele vai ficar três anos trancado é uma perda de tempo da vida dele enorme. Falar isso para mim, que tenho 55 anos, é uma coisa. Falar para um menino de 15 é outra totalmente diferente. Para eles, três anos é uma vida.
Em um artigo recente no site Brasil Post, o senhor criticou o funcionamento da Fundação Casa…
Mas depois eu fui conhecer a Fundação Casa. Hoje, o padrão é de unidades para até 56 internos, com alguma superlotação em certos locais, mas nada comparado ao sistema carcerário, e que conseguiu diminuir muito o número de rebeliões. O atendimento se tornou personalizado, especialmente no interior, onde a Fundação Casa firma parcerias com ONGs das regiões para cursos profissionalizantes, atendimento dentário, psicológicos e médicos, além de estrutura para aulas e cursos, como o de padaria, por exemplo. Os dormitórios são decentes, com camas equipadas com colchões e travesseiros e ainda existem quadras de esportes. O atendimento, enfim, melhorou muito em comparação com o que eram anos atrás. Eu diria que foi uma transformação radical. Se você lembrar-se da unidade do Tatuapé, onde ocorriam rebeliões diárias, hoje elas acontecem com uma frequência muito menor.
Eu ia citar uma recente entrevista publicada no site de Brasileiros em que o antropólogo Fábio Mallart, que conviveu nessa instituição por seis anos, concluiu, em uma pesquisa científica, que não há diferença no funcionamento da fundação e das penitenciárias comuns. Ou seja, a redução já está operando em São Paulo.
Eu contesto essa pesquisa. Primeiro porque eu conheci as unidades. É claro que são celas, tem trancas, essas coisas, porque o objetivo é manter os jovens fechados. Agora, é um tratamento diferente do que era há alguns anos atrás, quando ele talvez tenha feito o estudo. Claro que há coisas para melhorar, mas a situação não é como ele está dizendo. A própria presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, disse recentemente que nenhum jovem fica mais do que um ano internado. No máximo é um ano, mas, com seis meses, os meninos são liberados. O controle, nesse aspecto, é relacionado até com a falta de vagas ou para evitar superlotação. Redução da maioridade penal é longe disso, em que os jovens serão condenados há 20 anos e vão para a penitenciária comum. O funcionamento da Fundação Casa é totalmente diferente da prisão. Claro que, no aspecto estético, é aquela coisa: muro alto, caixotão, celas, porque o objetivo não é deixá-los soltos, mas não há como dizer isso. Acredito que chega a ser tendencioso afirmar uma coisa dessas.
O senhor acredita que a Fundação Casa está apta para receber esses jovens?
Acho que precisa de mais unidades, porque está começando a ter o problema da superlotação. Estão liberando os meninos até mais cedo por causa disso. Mas o tratamento melhorou muito em comparação com o que era a FEBEM. Repito: há muito que melhorar, mas perto do que já foi um dia, a melhora é muito grande, enquanto o sistema carcerário piorou e hoje vive uma realidade caótica.
Champinha está internado em uma Unidade Experimental de Saúde – depois de ser atestada a sua condição de portador de distúrbios psicológicos – onde vai ficar para sempre. O senhor acompanha a pena dele ou tem contato com a família?
Nunca tive nenhum contato com a família. Vi a mãe dele uma vez quando encontraram os corpos da Liana e do Felipe, ainda na delegacia, e só.
Mas essa distância é uma vontade do senhor, deles, mútua…?
Eu não quero vê-lo. Não vai me fazer bem e não vai me acrescentar nada. Não tem o que dialogar com um lixo desses. Não me faz diferença. Meu acompanhamento é via imprensa, via informações que eu recebo. Para mim, é mais importante pensar em um futuro melhor, porque a minha filha já está morta. Nada vai mudar essa realidade. O que me preocupa é a gente aprovar uma lei que teremos que mudar daqui dois anos, quando a população, que hoje está gritando para reduzir a maioridade penal, compreender que foi um erro. Ou então, aquele outro grupo de pessoas que não quer que mude nada. Tem que ser feito algo: melhorar a situação familiar, social e, no caso do jovem que está estuprando e matando, punir com rigor. Não é fazer o jogo do “bonzinho”, que não quer fazer nada, ou do “malzinho”, que quer prisão perpétua, mas sim procurar caminhos adequados para punir de forma diferente pessoas diferentes. Criminosos são criminosos se têm 14 anos ou se têm 44. É simples. A pena, no sentido jurídico, tem o objetivo de punir e ressocializar. Hoje, os presídios punem e não ressocializam.
Eu abordei o tema do Champinha, na verdade, para saber a opinião do senhor sobre a medida que foi tomada com ele.
Absolutamente correta. Eu não sou um revanchista e muito menos um maluco que quer pena de morte. Jamais pedi isso na minha vida. Achei que foi um caminho jurídico adequado dentro do que a nossa lei permite. O grande problema que nasceu com o caso do Champinha foi que perceberam que há uma omissão muito grave no Estatuto da Criança e do Adolescente no sentido do que fazer com jovens psicopatas ou sociopatas. Essa omissão da lei faz com que psicopatas que não poderiam ser colocados em liberdade e que matam uma menina de classe média são liberados da punição depois de alguns anos. Se a lei fosse clara, ele teria sido retirado da sociedade, teria sido colocado no manicômio do Tremembé, como foi o caso do maníaco do parque. Não tem o que fazer com essas pessoas. É uma questão técnica, médica, porque um psicopata vai ser psicopata pra sempre. Não tem cura. O que aconteceu no caso do Champinha é que, como pela lei ele teria que ser colocado em liberdade no período máximo de três anos, o Estado entrou com uma ação se colocando como um tutor dele. O Champinha está interditado civilmente, não preso. O Estado toma conta dele para que ele não volte a cometer crimes, tanto que a unidade em que ele está é de gerência da Secretaria de Saúde, e ele vai ficar lá para sempre.
O senhor citou a classe média, da qual faz parte, e que se coloca à frente desse debate como defensora da redução. Qual é a reação comum dessa camada à sua proposta?
A classe média está com medo da violência crescente em São Paulo. A gente vive numa cidade de extrema violência. Acho que não apenas a classe média, mas a baixa também está preocupada, porque as pessoas dessas camadas estão de saco cheio da violência e, quando vão assistir aos programas popularescos da televisão, tem aquela pergunta: “você é a favor ou contra reduzir a maioridade penal?”. Não se pode levar a discussão de forma tão rasa, com base no ser a favor ou contra. Existem outros caminhos que podem ser mais efetivos e não tratar todo mundo da mesma forma. Esse clamor popular não pode ser tratado como é hoje, em que o político quer agradar o eleitor dele e fica replicando o discurso. O papel dos políticos é mostrar que existem outros caminhos que podem ser seguidos. É nossa obrigação explicar isso para a população.
Como o senhor viu a atuação da imprensa à época da morte de Liana e agora? Mudou algo na forma de enxergar esse trabalho?
São duas situações diferentes. Quando aconteceu o crime, toda a imprensa foi extremamente respeitosa, educada e decente comigo. Mais do que isso, a imprensa teve um papel decisivo no caso quando pressionou as autoridades para solucioná-lo. Tanto que demorou apenas 11 dias para a polícia prender todo mundo que estava envolvido no crime. Hoje eu vejo poucos jornalistas tratando do assunto de forma séria e ponderada, enquanto a maioria acha que tem que sair matando todo mundo para resolver o problema.
São os popularescos.
Exato. Acho que a imprensa tem uma responsabilidade muito grande como formadora de opinião e não pode tratar desse tema de forma irresponsável, como está sendo hoje. Falta aprofundar o debate. As pessoas precisam pensar em opções, porque senão vamos aprovar uma lei que precisará ser mudada daqui alguns anos. Precisamos discutir, sugerir e propor ideias para que a lei, quando for mudada, dure pelo menos uns 20 anos. Não dá pra ficar trocando lei toda hora.
Sociologicamente, o crime se explica por uma série de fatores. O mais comum deles é a desigualdade social, que no Brasil é gritante. Esse é também o argumento de quem é contra a redução da maioridade penal e é o que mostram algumas pesquisas sobre a população da Fundação Casa e das penitenciárias: pobre, negra e advinda das periferias, onde o Estado é quase inexistente. O próprio Champinha veio de uma família pobre, é negro e, assim, faz parte dessa estatística. O senhor concorda com esses argumentos?
A família do Champinha é miserável. Concordo plenamente que a desigualdade social é um fator potencializador de crimes, mas não é a totalidade das pessoas. Se fosse assim, a gente não poderia ir à zona leste de São Paulo, por exemplo. Acredito que 99% das pessoas que vivem em regiões periféricas são de bem, trabalhadoras, que muitas vezes têm mais ética do que as que estão nas ditas elites. A questão da desigualdade é gravíssima na nossa sociedade e eu, ainda que tenha sido eleito vereador por uma parte dessa elite, faço trabalhos enormes nessas regiões, até porque há esse olhar de que, minimizando a miséria da periferia, diminuímos a violência que a elite sofre. Há dois olhares importantes: um é de longo prazo, que é a presença maior do Estado. As pessoas precisam ter uma vida mais decente, com qualidade de vida, tendo o filho em uma escola minimamente razoável, tendo um atendimento de qualidade nos hospitais, e esses investimentos não são possíveis em um ano. É um trabalho de décadas. É o caminho único para uma sociedade mais justa. Por outro lado – e paralelamente à educação -, em curto prazo, quem é criminoso precisa ser punido para prevenir a sociedade. O jovem que comete um pequeno ato infracional não precisa ser considerado um criminoso, mas é necessário ressocializá-lo para que ele não se torne um criminoso lá na frente. A ideia é tratar para que quem esteja roubando uma bicicleta hoje não coloque uma arma na sua cabeça amanhã.
O senhor entrou em contato com vítimas posteriores de crimes de menores?
Eu tenho mantido contado com inúmeras famílias vítimas de violência desde que a Liana morreu. Tenho encontrado muita resistência delas em relação à minha proposta, porque elas também querem a redução da maioridade penal. São outras visões que são simplistas, não têm profundidade para discutir outras propostas que não seja redução, redução, redução. Tenho sérias divergências com grande parte dessas pessoas. A maioria delas usa o argumento que eu lhe disse: “você esqueceu a morte da sua filha”. Eu não esqueci e não perdoei. A minha proposta é muito mais dura, mas com quem tem que ser punido de forma mais dura. A redução vai penalizar de forma grave quem comete pequenos atos infracionais que, em alguns casos, sequer são passíveis de internação. Tem gente que fica com esse calor da emoção da morte de uma pessoa próxima a vida toda. Reduzir a maioridade penal é uma proposta que não se sustenta.
E com a família do Felipe Caffé?
Nunca mais tive contato. Na época do julgamento dos acusados eles também queriam a redução da maioridade penal, mas não tive mais notícias deles.
O senhor perdeu a eleição para deputado federal quando se candidatou, mas ganhou para vereador. Quer ser parlamentar nacional ainda?
Eu preciso ser deputado. Não é uma questão de vontade. Acho que a minha proposta é de âmbito federal. Hoje estou como vereador, cuidando desse assunto em nosso município, mas tenho ideia de ser deputado federal por causa da amplitude da minha proposta.
O senhor tem alguma posição no espectro ideológico?
Tenho uma formação de esquerda na juventude. Sou judeu e, nesse período da minha vida, participei de um movimento juvenil judaico à esquerda, mas hoje, sem essa coisa de ser de esquerda ou direita, tenho uma visão preocupada da desigualdade social. Procuro fazer um trabalho forte na periferia, ainda que meu eleitorado esteja na classe A, B e C. Quero ser um vereador do município e não do distrito, como sugere a proposta do voto distrital. Meu trabalho na cidade é muito amplo e voltado para o social. Se não melhorar a periferia, o cara vai vir te matar aqui no centro.
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