“Estamos diante de uma falha do sistema”, diz juiz sobre redução

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“Estamos diante de uma manifestação de injustiça estrutural e de uma falha de todo o sistema político, estatal, jurídico e social em promover justiça”. É o que afirma o juiz da 4ª Vara Federal de Porto Alegre, Roger Raupp Rios, sobre o debate da maioridade penal brasileira à Brasileiros nesta quarta-feira (15).

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rios é conselheiro do International Council of Human Rights Policy (ICHRP), professor do Centro Universitário Ritter dos Reis e especialista na área do Direito Público.  Segundo ele, a previsão constitucional dos 18 anos é uma garantia dos direitos de liberdade e de igualdade, pois protege os cidadãos de sanções penais até certa idade considerando as fases de desenvolvimento e de amadurecimento dos indivíduos.

Para o juiz, o tema da redução da maioridade penal não pode ser invocado como “panaceia” para males relacionados à violência e à insegurança na sociedade brasileira. Rios ainda afirma que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a comprovação legislativa e institucional de que atos ilícitos praticados por adolescentes não ficam impunes. Leia a entrevista completa. Leia a seguir:

Brasileiros – Como o senhor vê o nível da discussão com a sociedade brasileira sobre a redução da maioridade penal?
Roger Raupp Rios: Essas questões de grande impacto social, político, jurídico e moral devem ser discutidas do modo mais amplo, objetivo e racional. É o que deve acontecer com a maioridade penal, tema que não pode ser invocado como panaceia para males relacionados à violência e à insegurança na sociedade brasileira nem como medida fundamental ou central nas políticas de segurança pública. A meu ver, o debate tem sido feito de modo apressado e imerso em dados e argumentos pouco ou nada discutidos, o que compromete esse processo deliberativo.

Do ponto de vista jurídico, é viável que a redução da maioridade seja  aprovada no Brasil?
Do ponto de vista jurídico constitucional, a meu juízo, a previsão constitucional dos 18 anos é uma garantia fundamental relacionada, no mínimo, aos direitos de liberdade e de igualdade. De liberdade, porque protege a liberdade dos cidadãos até certa idade de sanções especificamente penais o que, diga-se, não significa irresponsabilidade ou ausência de sanções. De igualdade, porque considera as fases de desenvolvimento e de amadurecimento dos indivíduos, tratando-os conforme esses momentos de vida.

A estipulação da maioridade penal para 18 anos é considerada uma cláusula pétrea da lei? Isso impediria que a PEC fosse aprovada caso avançasse para o STF?
Como referi na questão anterior, estamos diante de tema tipicamente de direito fundamental. Sendo assim, este marco etário configuraria verdadeira proteção de direitos fundamentais, que, como se sabe, não pode ser abolida ou diminuída nem por emenda constitucional.

Qual o papel do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no debate?
O Estatuto da Criança e do Adolescente é um elemento essencial. Ele não trata somente das medidas de proteção e cuidado para o adequado desenvolvimento de adolescentes, que não pode ser negligenciado, e cuja não aplicação compromete qualquer medida repressiva, que seria fora do contexto. Trata também de estabelecer sanções para adolescentes que cometerem atos infracionais. O ECA, de fato, é a comprovação legislativa e institucional de que atos ilícitos praticados por adolescentes não ficam impunes.

Qual a tendência internacional da idade mínima para se punir um infrator?
As pesquisas legislativas indicam que, de modo amplo e geral, os países que tem idades de responsabilidade penal mais baixas tem revisado suas leis, de modo a fixar em 18 anos ou bem próximo disso. Os dados científicos atualizados, fornecidos pela Youth Justice Board, demonstram isso claramente.

Alguns entrevistados da nossa série argumentam que, como a maioria dos adolescentes internados em instituições socioeducativas se envolveram com o tráfico, seria preciso discutir a criminalização das drogas. Como vê esse debate?
Trata-se de outro debate, complexo em seus termos e história, relativo à criminalização das drogas. Como leigo interessado no tema, as informações trazidas pela literatura especializada, mundo afora, inclusive por importantes líderes mundiais, dão conta da falência do modelo penal criminalizador das drogas em geral. Diante disso, deveríamos pensar seriamente em realizar esse debate de modo objetivo e imparcial, sob pena de insistirmos em soluções ineficazes que só aumentam os problemas, em vez de apontar soluções.

O perfil médio do adolescente em conflito com a lei, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea, é de um homem, entre 16 e 18 anos, negro, fora da escola, sem trabalho e vivendo em uma família considerada “extremamente pobre”. A justiça social falha com os jovens infratores?
A descrição desse perfil médio, fruto da pesquisa mencionada, chama muito a atenção e é mais um sério argumento contra a redução da idade penal. De fato, esses números mostram que os efeitos práticos de tal medida seria mais uma situação de discriminação institucional contra jovens negros, oriundos de estratos da população empobrecidos. Se estamos diante de discriminação institucional, evidentemente estamos diante de uma manifestação de injustiça estrutural, de falha de todo o sistema político, estatal, jurídico e social em promover justiça e combater injustiça.

Há um caminho de diálogo com as pessoas que são contrárias à proposta de reduzir a maioridade?
Numa democracia, o diálogo e a tolerância são princípios fundamentais e modos de viver indispensáveis. O que é necessário é que, além de abertura, haja condições institucionais de enunciar dados, informações, ideias, de modo igualitário e objetivo, sem cairmos em populismos penais repressivos, nem em reações passionais.

Nesse sentido, o caminho a ser seguido é a melhoria das instituições sociais (em especial os meios de comunicação) e a disposição para ouvir. Esse é o caminho, nessa e em outras questões importantes e decisivas para o futuro do País.

O debate em torno da maioridade penal está ancorado numa suposta associação desse problema com o aumento da violência. Já foi bastante argumentado que diminuir a idade penal, no entanto, não vai mudar a situação. Assim, qual seria a melhor solução para este problema?
Os especialistas, os estudiosos, aquelas pessoas que vivem concretamente essa realidade são unânimes em salientar a importância de implementar efetivamente o ECA, o que significa melhores de condições de vida, em especial educação, saúde, inserção na sociedade e oportunidade de trabalho digno.

De outro modo, estaremos correndo o sério risco, para não falar a certeza, de simplesmente aumentarmos a espiral da violência, nas suas causas e entranhas sociais e institucionais.