Fundação Abrinq: políticos usam redução da maioridade penal como bandeira

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“Os parlamentares utilizam a proposta de redução da maioridade penal como bandeira política. E isso não se restringe a partidos conservadores.”A afirmação é de Heloísa Oliveira, 59 anos, que está desde 2010 à frente da Fundação Abrinq, representante da organização Save The Children no Brasil, que defende os direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescentes em busca do cumprimento das metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU).

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Heloísa é formada em Ciências Econômicas pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e tem MBA para Executivos e Especialização em Governança Corporativa pela Universidade de São Paulo (USP).

A administradora executiva considera a proposta de redução da maioridade penal inconstitucional e afirma que, caso a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da redução for aprovada na Câmara dos Deputados, haverá um agravamento no problema da superpopulação carcerária do Brasil.

Ela critica também a gestão da lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), aprovada em 2012 e que prevê a execução de medidas socioeducativas para jovens e adolescentes no Brasil. Segundo Heloísa, há um problema estrutural na gestão do sistema, dividida entre município, Estado e União, e que não privilegia uma visão integral do adolescente. A gestora da Fundação Abrinq considera assustadora a quantidade de jovens que morrem sob a tutela do Estado enquanto cumprem pena nas unidades de internação. Heloísa concedeu a seguinte entrevista à Brasileiros

Brasileiros – Quais as principais conquistas da Fundação Abrinq?
Heloísa Oliveira:
Na área de defesa dos direitos temos algumas conquistas do movimento social em conjunto. Por exemplo, a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) no ano passado foi uma conquista do movimento social da educação que trabalhou muito para aprovar um plano que tivesse metas significativas. Outra foi a aprovação da lei contra castigos corporais. A lei do Sinase também foi uma conquista da qual participamos. Atuamos diariamente para melhorar os textos das leis, garantir que leis importantes sejam aprovadas e impedir que outras que caracterizam retrocesso não sejam aprovadas.

Como a senhora enxerga o quadro em que os parlamentares tentam impôr a PEC da redução da maioridade penal?
É complexo sob o ponto de vista do estado de direito das crianças e adolescentes, dos próprios tratados internacionais de direitos da ONU (Organização das Nações Unidas) do qual o Brasil é signatário, que preveem que não haja retrocessos em direitos. Isso abre uma porta perigosa para abrir outros retrocessos, como por exemplo a da idade de trabalho para o Brasil, que hoje é de 16 anos. A gente tem percebido que isso (proposta da redução da maioridade) é um argumento eleitoral muito forte. Vi propaganda de partidos dizendo que “são pela ordem”, que defendem a redução da maioridade, e de uma certa forma ficamos sem saber o que é causa e efeito. Eles defendem isso porque a sociedade quer ou a sociedade acaba se convencendo de que essa é uma solução dada à propaganda? Percebo que a sociedade quer uma resposta para a violência. Nesse sentido entendo e respeito a opinião.

É possível atribuir esse movimento a favor da redução à ala conservadora do Congresso?
Acho que não é uma coisa restrita a partidos conservadores. É claro que eles, na sua maioria, apoiam essa bandeira, mas há outros parlamentares que também defendem a redução cujo objetivo é visivelmente uma questão eleitoreira. Há, ainda, outros casos. Talvez por estarem tão desinformados quanto a sociedade, porque às vezes a gente pensa que o representante do Congresso Nacional tem um nível de discernimento acima do nosso, mas nem sempre isso é verdade. 

Se a proposta da redução da maioridade penal for aprovada vai haver um aumento no número da população carcerária no Brasil. Isso é algo viável hoje?
A gente já tem uma superpopulação carcerária no Brasil que é um problema. Se eu não tenho uma redução do número de crimes, que tem crescido assim como o encarceramento no Brasil, e vou levar uma clientela nova, os adolescentes, a tendência é ter problema para acumular tudo isso. Terão de ser feitas escolhas de qual criminoso vão soltar em algum momento. Ou colocá-los em condições sub-humanas, num local que comporta 40 pessoas coloca-se 90, 100, e se proporcionam aquelas rebeliões horrorosas que a gente vê em vários Estados do Brasil, que acontecem em decorrência de não haver um sistema carcerário civilizado. A tendência é isso se agravar, se essa lei for aprovada. 

Estamos falando de um número pequeno de adolescentes. As pessoas falam como se isso fosse um grande problema do País, quase uma epidemia nacional, e não é. Temos hoje no sistema socioeducativo brasileiro cerca de 23 mil adolescentes. Nossa população carcerária passa de 500 mil. Então não é um número absurdo, mas uma decisão em sentido equivocado.

Os direitos da criança e do adolescente seriam feridos nessa conjuntura?
Existe uma polêmica, embora eu ache que caso a lei for aprovada devem encaminhar para o Supremo, que é a questão de constitucionalidade. A Constituição diz que você não pode fazer nenhuma emenda em direitos fundamentais. A grande dúvida é que, quando se fala disso, ela se refere principalmente ao artigo 5º, que se refere aos direitos fundamentais. Esse direito de que só é considerado penalmente imputável se for maior de idade está no artigo 228, mas ele é um direito fundamental. O nosso entendimento é que é inconstitucional você emendar esse artigo. Mas os deputados da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) entenderam que é constitucional. Na hipótese de isso avançar, esses questionamento irá ao Supremo. É uma discussão jurídica que acho que ainda vai longe.

Foto: Divulgação
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A senhora acha que a PEC tem chances de ser aprovada?
Pelo clima política do momento, na Câmara tem mais chance de passar. No Senado esses mesmos partidos que defendem eleitoreiramente essa mudança como proposta de solução para a redução de violência, como é vendido, também estão representados. Talvez não com a mesma força, ímpeto e rapidez da Câmara, mas há hoje um clima mais favorável para a aprovação do que havia há alguns anos.  

A lei do Sinase de 2012 já propunha medidas socioeducativas que os jovens e adolescentes deveriam cumprir. Como ela funciona?
A gestão do sistema socioeducativo é dividida. As medidas de meio aberto são geridas pelo município, e a União é responsável pela regulamentação do plano nacional por meio do Ministério do Desenvolvimento Social. As medidas de internação são de responsabilidade do Estado e a regulamentação do plano nacional cabe à Secretaria de Direitos Humanos. Como sistema, ele deve funcionar de forma integrada e intersetorial. A gente sabe que no nosso sistema federativo, quando se tem essa responsabilidade dividida entre município e Estado, há dificuldade no cumprimento. 

E essas medidas estão sendo colocadas em prática da maneira adequada?
O maior problema da implementação do Sistema Nacional Socioeducativo é o fato de ele não ter uma gestão integrada, de forma que houvesse um acompanhamento do adolescente que cumpre medida de meio aberto e que ele falasse com o sistema do Estado. Não digo que a gestão de um tem que ficar com um ou o outro, mas deveria haver essa ligação. Um Estado enorme como São Paulo tem 500 municípios com adolescentes que cometem ato infracional e são acompanhados pelos Centros de Referência de Assistência Social (Craes) do município. Então, um dia um menino comete ato infracional e o juiz decide que ele vai ser internado e vai para a tutela do Estado. Quando ele sai, deveria ter com um acompanhamento que voltaria para o município. Mas todo o sistema de acompanhamento ficou no Estado. Então ele volta para o município e a ficha de acompanhamento individual na maioria dos casos não está interligada.

Então o problema foi na estruturação?
Isso é um problema de ordem prática. A gestão compartimentada do sistema não privilegia uma visão integral do adolescente. Passou-se um ano e meio que a lei foi implementada e ainda estava sendo definido o Plano Nacional do Sinase. Recentemente, o município de São Paulo estava fazendo uma consulta pública para fazer o Plano Municipal do Sistema Socioeducativo, quase três anos e meio depois. Então posso dizer que essa lei não funcionou? Para dizer que ela não funcionou tem de ser implementada primeiro. Ela não é implementada na sua integridade na maioria dos Estados brasileiros.

A gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) defende o aumento da pena máxima para jovens que cometem crimes hediondos de três para oito anos. Qual a relação do tempo do cumprimento de uma pena com o fato de o jovem realmente sair da Fundação Casa ciente do crime que cometeu?
Não é uma relação, essa coisa de quantos anos são suficientes não vai definir. O que define é o acompanhamento do jovem. Existe um documento de acompanhamento individual que dá uma orientação do comportamento dele para o juiz. Se você pensar que o limite da pena é de três anos, um adolescente que está no sistema pode ficar até nove anos, na verdade. Ele pode ter internação, semiliberdade e liberdade assistida, cada um durando três anos. Isso não é um parâmetro que você tem com o sistema de adultos. O adulto que comete roubo ou furto tem uma pena. E se ele cumprir um sexto da pena e tiver bom comportamento ele vai sair. Então na prática, dependendo da natureza do delito, um adulto sai antes de três anos.

Há uma confusão entre impunidade e imputabilidade. Imputabilidade é ser julgado de forma igual ao adulto. Na verdade o adolescente é julgado de forma diferente, porque três anos na vida de uma pessoa de 15 anos é diferente de três anos na vida de um adulto. Três anos é um tempo adequado se feito da maneira correta. O processo de reeducação envolve reencaminhamento, profissionalização, escolarização, e deve assumir o papel de corrigir os rumos da vida daquele adolescente.

Dentre os argumentos apresentados pela Fundação Abrinq contra a redução da maioridade penal está o alto número de mortes que ocorrem dentro da Fundação Casa.
A quantidade de jovens que morrem sob a tutela do Estado é uma coisa absolutamente estarrecedora. Há dois anos eu estava em Recife e foram analisar naquele dia a situação de um adolescente que estava no sistema socioeducativo em uma unidade da cidade. Pela segunda vez, ele tinha roubado um celular e foi internado. Um grupo mais “experiente” lá do sistema tentou violentá-lo, ele resistiu e o mataram. Se esse jovem após roubar o primeiro celular tivesse sido encaminhado de forma correta, com medida socioeducativa de meio aberto, e orientação da família, do conselho tutelar e com o devido acompanhamento, isso não aconteceria. 

A senhora acha que as instituições estão cumprindo o papel de reintegrar o jovem à sociedade?
Na sua maioria, não. Por isso que o sistema socioeducativo já existia. Essa lei aprovada em 2012 vem exatamente porque se sabia que ele precisava ser organizado. Só que três anos depois ainda não foi organizado. Quem tinha que atuar com mais efetividade nessa área são as Secretarias de Educação, provendo educação de qualidade e sempre que possível em tempo integral.

A maior parte dos adolescentes que cumprem a medida de privação de liberdade não frequentavam a escola quando cometeram o crime. Como a questão social influencia nesse quesito?
Normalmente esses adolescentes carregam uma história que não começou ali na hora do crime. É história de desrespeito aos direitos deles em primeiro lugar. Se você quiser um perfil dos adolescentes do sistema socioeducativo, eles na sua maioria são de famílias pobres, de periferia e de maioria negra. Existe uma ligação muito grande entre a vulnerabilidade social e o cometimento desses atos infracionais. A questão da escola é muito mais grave. Mais de 50% dos que estavam no sistema deixaram a escola entre 13 anos e 14 anos e cometeram o primeiro crime entre 15 anos e 16 anos, ou seja, eles já estavam fora da escola há mais de um ano quando cometeram infrações. Isso significa que eles foram primeiro abandonado pela escola, pela família. A gente não sabe bem a estrutura familiar desses adolescentes. Já vi mães dizerem que não sabem mais o que fazer com o filho, porque eles estavam usando drogas muito cedo e a mãe perde o controle sobre eles. Em outros casos, são famílias trabalhadoras que precisam sair durante o dia, o filho vai para a escolar, só que em meio período. Ele fica na escola de manhã e à tarde na rua, sem nenhuma supervisão. Isso não é um caso, é a maioria.


Comentários

4 respostas para “Fundação Abrinq: políticos usam redução da maioridade penal como bandeira”

  1. NÃO VÃO TRANSFORMAR O PAÍS EM UM CEMITÉRIO, PARA EDUCAR MEIA DÚZIA DE DELINQUENTES!

  2. E SOU A FAVOR DA REDUÇÃO MAIORIDADE PENAL!

  3. A esquerda retrógrada como sempre atrasando o país. Fora Dilma e leve o pt, psdb e pmdb juntos! E criminalizem o marxismo-leninismo!

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