Museu Marítimo “atraca” no Boulevard Olímpico no Rio

Museu Marítimo_Projeto arquitetônico_Vista aérea
Um “porta-aviões” de chapa de metal e vidro vai ancorar no Boulevard Olímpico e se integrar à reurbanização da área portuária do Rio de Janeiro, que nos últimos anos devolveu à cidade a bela paisagem do seu centro histórico. A promessa é da Marinha brasileira, que vai construir o primeiro Museu Marítimo do Brasil, um país com 8.500 quilômetros de litoral e cerca de 4,5 milhões de quilômetros quadrados de mar territorial, sem um único museu do gênero.

O Museu Marítimo (MuMA), que deverá ficar pronto em 2021, se incorpora ao patrimônio histórico cultural de seu entorno, onde estão a Ilha Fiscal, o Museu do Amanhã, a Igreja da Candelária, a Casa França-Brasil, o CCBB, o Museu Naval, o Museu Histórico Nacional e o Museu de Arte do Rio (MAR). O projeto lembra um porta-avião e o minimalismo estético da forma entra em diálogo com a transformação operada na região, repleta de equipamentos culturais. Um calçadão à beira-mar ajardinado, de quatro quilômetros e meio, interliga todos os museus vizinhos e, para quem não quiser ir a pé, um VLT (bonde local) percorre todo o trajeto.

Em localização privilegiada, em frente à Casa França-Brasil, o MuMA será erguido sobre o antigo píer da Alfândega, construído em 1877. O almirante José Carlos Mathias, diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, explica que os pilares do histórico trapiche estão sendo reforçados. “Uma parte já foi reformada e o restante será feito neste processo de revitalização.”
A casa atual sobre o píer data de 1996 e já passou por várias modificações, não é uma construção tombada pelo Patrimônio Histórico, por isso pode ser demolida para dar lugar ao museu. O local já foi a doca da Alfândega, base para guindastes hidráulicos, ponto para embarque e desembarque de mercadorias e, depois, foi transformado em Espaço Cultural da Marinha.

O MuMA reunirá tudo relativo ao mar, desde navegação, pesquisa, pesca, portos, indústria naval até faróis. Os arquitetos Paulo e Bernardo Jacobsen, pai e filho, assinam o projeto. Os dois, junto com Thiago Bernardes, também são os autores da construção do Museu de Arte do Rio, (MAR). Paulo Jacobsen explica que a Marinha pediu ao escritório que desenvolvesse um estudo para um prédio que levasse em conta as circunstâncias do píer. “Fizemos um projeto em que o acesso ao museu se dá por uma rampa que sobe sobre o edifício e se transforma em mirante. Esse acesso é livre ao público, que pode circular livremente pelo museu, auditório, e se quiser visitar as exposições deverá descer a rampa que o conduzirá, suavemente, para as salas expositivas, permanentes ou temporárias; no museu não há elevadores.”

Ao caminhar ao longo dos 280 metros do MuMA, o visitante estará cercado por água em três lados do prédio e terá a sensação tanto de estar no convés quanto no interior de um porta-aviões. A parte mais alta atinge quase 12 metros, com a dimensão de 280 x 11,80 m, somando 6.516 metros quadrados em seus dois andares. Toda materialidade empregada é simples, aparentemente descuidada, com metal de grande dimensão vindo de refugos da Marinha naval e vidros. “A fachada será executada com aço corten já oxidado, utilizado pelos navios, que se autoenferruja e protege o material de cor alaranjada. A cobertura do museu segue o mesmo calçamento da orla, com o mesmo urbanismo”, explica Paulo Jacobsen.

Bernardo comenta que, como ainda existem pilares de madeira em restauro, a construção será muito leve. “O projeto ainda não passou pelo Iphan, mas estamos otimistas porque no caso do Museu de Arte do Mar, do qual fomos os arquitetos responsáveis, não tivemos problemas.” O almirante Mathias lembra que a Marinha não realizou um concurso público “porque um grupo interno já havia esboçado um estudo sobre a concepção de um museu marítimo, só não sabíamos como fazê-lo”. Daí a ideia de chamar os arquitetos Jacobsen para estudar o conceito e desenvolver a parte técnica. “O projeto brotou como algo que nós já imaginávamos e apresentamos para a Marinha, que gostou da ideia.” O almirante Mathias fala em um custo de cerca de R$ 45 milhões a
R$ 50 milhões.

Até recentemente havia aqui nesta zona central um viaduto, o Perimetral, que escondia a paisagem e deixava o bairro muito feio, lembra o almirante Mathias. “Já tínhamos a ideia de fazer um museu marítimo e, com a revitalização dessa região, decidimos colocar nosso projeto em prática. No Brasil existem só museus navais, mas há diferença entre os dois. O Museu Marítimo é mais abrangente do que os museus navais de conteúdo militar, ou museus oceanográficos, que se atêm à vida biológica dos oceanos e áreas costeiras.” Margaret de Moraes, responsável pelo estudo museográfico do MuMA, complementa que o museu vai dialogar com as instituições vizinhas, como o MAR e o Museu do Amanhã. “Como já faz o Centro Cultural Banco do Brasil com o Museu Naval, por exemplo.”

Projeto arquitetônico: Espaço expositivo terá a Galeota de Dom João VI
Projeto arquitetônico: Espaço expositivo terá a Galeota de Dom João VI

No MuMA haverá, além das exposições temporárias, um núcleo educacional muito forte, diz Margareth. “Vamos ter todos os parâmetros que existem nos museus contemporâneos internacionais: espaço de reserva técnica para receber obras de outras instituições, espaço para o educativo, café, restaurante, auditório, enfim, um equipamento à altura da visitação.” O Centro Cultural da Marinha, que funciona ao lado do píer, estava fechado desde 2014 devido à revitalização da região e à demolição da Perimetral. “Depois que tudo ficou pronto, o Espaço Cultural pôde retomar os passeios de barco à Ilha das Cobras e à Ilha Fiscal e a visitação ao submarino-museu Riachuelo e ao navio-museu Bauru, entre outras embarcações. Com o barco-escola Sagres aportado no local, durante as Olimpíadas, chegou-se a 96 mil visitantes”, afirma Margareth.

Quanto ao acervo inicial, o Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha possui raridades, como a Galeota de Dom João VI, documentos náuticos, livros raros e objetos variados. Ainda se espera a contribuição dos museus navais de Belém, Natal, Florianópolis, Salvador e outros mais. A museóloga tem expectativa de que o Museu Naval e museus estrangeiros também contribuam. A Marinha conta com o acervo de empresas de navegação como a Transpetro, a comunidade marítima que pode ceder parte de sua coleção em regime de comodato. Como diz o almirante Mathias, “diversas companhias de navegação querem preservar sua história”.

Margareth ressalta que a Marinha tem um acervo diferenciado, mas com lacunas. Por isso, deverá ser estudada uma política de aquisição. “A formação de uma coleção custa uma fortuna. No entanto, além de parceiros, temos cartografia religiosa e marítima importantes com as quais podemos fazer exposições temáticas expressivas.” O Museu Marítimo, garante a museóloga, “terá também uma pegada na ciência, tecnologia e arte, e para isso convidamos Evandro Lessa, curador do MAR, para integrar a equipe de estudo”. Margareth lembra que um museu tem que estar afinado com uma questão muito importante: “Os museus são territórios da não conformidade, da não neutralidade”. Ela argumenta que, neste momento de tantos conflitos sociais, os museus têm que trabalhar com essa questão. “Por isso que eu acho que esse museu não deve se ater somente à história, mas deve ser um misto de outros segmentos.”

Margareth garante que o Museu Marítimo terá intercâmbio com os museus ao redor, “mas falar disso agora é precipitado”. O almirante Mathias deixa claro que o MuMA vai interagir com os museus vizinhos, mas que não pretende ser um museu de arte.


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