Nós, o PIB

Luiz Lara - Foto: Hélio Campos Mello
Luiz Lara – Foto: Hélio Campos Mello

Quando soube, por meio de uma pesquisa do instituto Latinobarómetro, que o Brasil tinha a mais baixa autoestima entre os países do continente, estimulado pelo xará Luiz Gushiken (o ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social, morto em setembro de 2013), Luiz Lara concluiu que era hora de investir em uma campanha que elevasse a altivez do brasileiro. Na linha de criação, seu sócio Jaques Lewkowicz – que em 1994 criou com ele a Lew’Lara – e o publicitário Adriano Gehres tomaram como inspiração a frase de Câmara Cascudo “O melhor do Brasil é o brasileiro” para desenvolver a campanha Sou Brasileiro e Não Desisto Nunca. A ideia era preparar terreno para que a população acreditasse no ciclo de desenvolvimento e inclusão social experimentado pelo País nos últimos dez anos.

Hoje, o Brasil vive momento de turbulência e Lara defende que a melhor forma de reconduzir o País ao caminho virtuoso do crescimento é fazer com que cada cidadão acredite na força de seu papel individual, com uma campanha intitulada “Nós, o PIB”.

A seguir, Lara, que também é sócio das empresas Mood, de marketing promocional, e Corporabr, de reputação corporativa, revela, entre outras impressões, sua resposta para nossa série de reportagens Como Vender Este Produto Chamado Brasil, iniciada na edição 89, com um perfil de Washington Olivetto.

Inclusão pelo consumo
“Sou formado em direito, mas comecei no mercado de propaganda no início dos anos 1980, quando a classe média brasileira era composta por 20 a 30 milhões de pessoas. Hoje, são mais de cem milhões, 40% dos quais incluídos nos últimos anos, com um nível de aspiração muito grande por bens, produtos e serviços, e um nível de informação bem mais elevado e crítico. Bem ou mal, o Brasil faz, hoje, inclusão social pelo consumo. Na década de 1980, enfrentamos o desafio da redemocratização; nos anos 1990, o da estabilização econômica. Dos anos 2000 em diante, conseguimos fazer um grande programa de inclusão social. E isso permitiu um crescimento fundamental para o consumo, que colocou o Brasil em outro patamar. O País se tornou um mercado-chave não só para as grandes empresas nacionais como as globais. Em paralelo, houve uma segmentação sem precedente das mídias. A TV a cabo já está em mais de 19 milhões de domicílios. O brasileiro, como adora comunicação, fica mais de cinco horas por semana conversando nas redes sociais. Nosso povo interage e compartilha espontaneamente e temos agora o desafio de integrar essas novas mídias, porque também houve um aumento de interação das marcas com seus clientes. Vivemos uma época de trocas muito ricas.”

Era da Eficiência
“O grande desafio, depois da era da redemocratização, da era da estabilização econômica e da era da distribuição de renda, é chegarmos a era da eficiência. O consumidor brasileiro amadureceu, entrou no mercado e está demandando mais qualidade de produtos e serviços. Hoje, as marcas estão bem mais expostas. Basta ver, em órgãos como o Reclame Aqui e o Procon, como a reputação de muitas empresas é questionada em cena aberta. As demandas que o consumidor incluído como cidadão tem hoje fazem com que ele seja mais crítico com os bancos, com as operadoras de telefonia, com as companhias aéreas, e seja ele da classe A, B ou C, com a qualidade dos serviços públicos. O brasileiro mudou de vida e não aceita mais ficar três horas dentro de um ônibus, não aceita a baixa qualidade da escola do seu filho, se indigna com a falência da saúde pública e não aceita viver com insegurança. Estamos nos primeiros passos dessa transformação e as manifestações de 2013 tem tudo a ver com isso. O cidadão melhorou de vida, parou de sobreviver e vai exigir cada vez mais.”

Era da Transparência
“A tecnologia tirou do consumidor o papel passivo de ser mero receptor de conteúdo. Hoje, você recebe e produz informações das marcas que gosta. Estamos entrando em uma era de capitalismo de valor compartilhado e viver bem, em meio a todas essas demandas que surgem, vai ser tão ou mais importante do que ganhar dinheiro. Viveremos um novo tempo, pautado pelos valores desse novo capitalismo. A identidade será reconhecida e formada a partir de grupos e a propaganda deixará de ser apenas um instrumento de massa unidirecional, de conquista de mercado, para ser instrumento legítimo da iniciativa privada e da comunicação pública. Algo inexorável. Viveremos a era da transparência, na qual ninguém será absoluto, todos estarão sujeitos e expostos às críticas.”

Propaganda, uma intromissão
“Ao contrário do que dizem, nós não criamos tendência. Nós desenvolvemos gestos que fazem com que o cidadão dê preferência à marca dos nossos clientes. Seduzimos o consumidor pela emoção, pelo humor, mas temos de estar baseados em premissas verdadeiras. A propaganda é uma intromissão na vida das pessoas. Ninguém acorda de manhã e coloca na pauta ‘ver propaganda’. No entanto, mais que anúncios, criamos história, como foi o caso do slogan genial que nosso sócio Lee Clow, da TBWA de Los Angeles, criou para o Steve Jobs, em 1984. Uma campanha memorável, lançada no campeonato americano de futebol com a estreia do bordão ‘think different’ (pense diferente), utilizado até hoje pela Apple. Uma simples frase que retrata o espírito de uma época.”

Lew’Lara e TBWA
“Todas as marcas que passaram pela Lew’Lara saíram maiores do que entraram. A função de uma empresa é criar um cliente, a de uma agência de propaganda é criar, desenvolver, posicionar e potencializar uma marca. Quando nos associamos à TBWA (uma das líderes do mercado americano), em dezembro de 2007, Jaques e eu quisemos perenizar nosso negócio e dar chance, espaço e terreno para os jovens que trabalham conosco. Roubo a energia deles. Temos um grupo com idade média de 30 anos. Sou o ‘tiozão’ da agência.”

Culto à marca
“Hoje, os produtos são cada vez mais semelhantes. Quando eu comecei, a Gradiente lançava um videocassete de sete cabeças e o concorrente demorava seis meses para fazer igual. A tecnologia era um atributo do produto. Hoje, por exemplo, os celulares da Apple, que é nosso cliente, e os da Samsung são muito semelhantes, mas existe um culto à Apple. Isso reflete o quanto o comportamento influencia as escolhas do consumidor. O que faz toda diferença é a marca. A Apple sempre esteve associada a mentes criativas e à eficiência. Nos últimos anos, o consumidor tornou-se protagonista e a comunicação ganhou uma importância ainda maior.”

Acolhimento, pertencimento e reconhecimento
“A interação em tempo real faz com que a gente trate marcas como pessoas. Ao tratar marca como pessoa, você se indigna, se torna fiel à outra e faz com que essa informação chegue a seus amigos. Desde que nasce o ser humano busca três coisas: acolhimento, pertencimento e reconhecimento. Hoje, o pertencimento é fundamental. Você não pensa mais sozinho, você interage e define sua identidade junto com sua tribo. As empresas precisam estar cada vez mais atentas para saber interagir não apenas com as pessoas, mas com seus grupos. A propaganda vai evoluir muito com essa nova troca que há com o consumidor. A marca que souber imprimir maior verdade a suas interações será a preferida.”

O encontro entre PIB e IDH
“Acho que o Brasil está melhorando em muitos aspectos e também na questão do combate à corrupção. Muitas das práticas corruptas que poderiam estar ascendendo estão decrescendo, porque está vindo luz, está havendo mais transparência. Em um primeiro momento, as pessoas podem até ter a sensação de desânimo, mas o País evolui e ninguém passará incólume por isso. É um processo necessário e sou extremamente otimista, pois o Brasil é um dos poucos países do mundo que conseguiu unir o PIB com o IDH e promover inclusão social. Depois da agenda da inclusão, do acesso ao crédito e ao consumo, é hora de construir com a sociedade a agenda da produtividade, com investimentos na educação e eficiência dos serviços públicos e privados.”

Outro mundo dentro da América Latina
“A imagem que precisamos passar lá fora é que, depois de fazer inclusão social, o Brasil é agora um País preocupado em buscar suas melhores práticas na inovação e na eficiência, para deixar de ser um mero exportador de commodities, coisa que, abençoados pela natureza, sempre seremos. O Brasil não é mais Terceiro Mundo, mas continua sendo outro mundo dentro da América Latina. Temos esse mix de português, índio e negro, a mistura de todas as raças e isso fez toda diferença, mas ainda temos desigualdades que precisam ser combatidas.”

Luiz Gushiken, brasileiro, não desistiu nunca
“Como tinha acesso a indicadores que garantiam que a economia do Brasil voltaria a crescer, o Luiz Gushiken anteviu que, a partir de 2004, o País entraria em um ciclo duradouro de desenvolvimento. Houve uma rearrumação interna e o panorama externo era muito favorável ao Brasil. Mesmo assim, ele descobriu em pesquisas feitas pelo Instituto Latinobarómetro que o Brasil era o país da América Latina com maior índice de baixa autoestima. Em sintonia com esse novo tempo, era preciso preparar o espírito e o terreno para o brasileiro confiar mais em si. Luiz era um grande estrategista e me disse: ‘Precisamos fazer um movimento, mas não pode ser uma campanha chapa branca. Temos de conversar com a sociedade para ela acreditar, conversar com os empresários para eles também acreditarem e poder despertar, como diria Delfim Netto, o ‘espírito animal do investidor’. Ele já previa tudo que aconteceu, acreditava nessas mudanças, falava delas até de um jeito meio quixotesco.”

O melhor do Brasil é o brasileiro
“Eu conversei com a ABA – Associação Brasileira de Anunciantes, pois sabia que ela também via a necessidade de estimular as grandes empresas e as grandes organizações a terem uma crença maior no País. Num esforço voluntário junto a ABA, inspirados na frase do Câmara Cascudo ‘O melhor do Brasil é o brasileiro’, Jaques Lewkowicz e Adriano Gehres criaram a campanha ‘Sou brasileiro, não desisto nunca’, com várias personalidades famosas, começando por Ronaldinho e Herbert Vianna e, depois, cidadãos comuns com outros exemplos de superação. Com o apoio da ABA, conseguimos mobilizar inicialmente mais de cem empresas, que adotaram o slogan em seus produtos e serviços. Ao final, mais de mil empresários aderiram à campanha e tivemos uma mídia gratuita estimada em R$ 150 milhões. Naquele momento do País, houve a união de uma liderança política muito forte e uma agenda comum.”

Nós, o PIB
“Hoje, o Brasil precisa da campanha ‘Nós, o PIB’, sugerida pelo Dalto Pastore (ex-presidente da ABAP – Associação Brasileira das Agências de Publicidade) durante a Copa do Mundo. Para mim, a frase do JFK ‘Não pergunte o que seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer por seu país’ reflete como muitos de nós devemos agir em momentos delicados. Eu ouço um desânimo grande de A, B ou C, e pergunto ‘Você vai embora do País?!’. Muitos podem até querer, mas pergunte ao presidente da Procter & Gamble e ao da Unilever se eles vão embora. Pergunte ao presidente da Volkswagen se eles vão fechar as portas e sair do Brasil. Jamais. Temos um grande mercado de consumo, mas teremos de fazer ajustes, pois 2015 será um ano bem difícil. Temos de trabalhar margens e investir em comunicação, pois não podemos deixar de ter tom de voz, se não, a concorrência ocupa nosso mercado. A soma de todos os esforços vai fazer o Brasil atravessar esse período difícil e retomar o rumo. Se olharmos para trás, vivemos momentos muito mais difíceis. Eu cresci em um mercado de trabalho que teve sete moedas na década de 1980. Nos anos 1990, enfrentamos uma inflação brutal. Tivemos um impeachment em 1992, ano em que o País decresceu 1,5 %. Então, vai ser um período difícil, sim, mas nenhuma empresa em sã consciência vai desistir do Brasil. Basta acreditar que nós somos o PIB.”

Como vender o Brasil?
“Eu venderia o País mostrando a pujança do setor privado, mostrando que, mesmo com toda competitividade global, o Brasil, uma democracia em desenvolvimento, atingiu conquistas sociais inigualáveis ao longo das últimas duas décadas. É necessário apostar em campanhas como ‘Nós, o PIB’ e tenho certeza de que a população brasileira vai responder. Ela se mobilizou e deu a resposta quando foi preciso combater a inflação, quando faltou energia elétrica e responde agora, em São Paulo, com a questão da água. Temos um povo extremamente trabalhador e disciplinado, ao contrário do que dizem. Então, o que o Brasil precisa é de uma agenda clara, com pauta na inovação e na eficiência. O consumo é fundamental, mas para continuar crescendo, o País vai ter de encarar esses desafios.”

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Jaques Lewkowicz e a Arte do Bordão 

Foto: Paola Vianna
Foto: Paola Vianna

Você pode até não conhecê-lo, mas cansou de ouvir ou replicar alguns dos slogans criados por Ja­ques Lewkowicz, o Lew da Lew’Lara\TBWA. Fundador da agência, em parceria com Luiz Lara, hoje aos 70 anos, Lewkowicz vêm tirando o pé do acelerador e, recentemente, assumiu o papel de CIO (sigla em inglês para “chefe oficial de inspiração”).

De ascendência judaica, arquiteto de formação, ele marcou a história da propaganda do País a partir dos anos 1970, com slogans bem-humorados, como: “Eu sou você amanhã”, da vodka Orloff; “O fino que satisfaz”, campanha do cigarro Chanceler, que elevou o modelo Pedro Aguinaga ao status de sex symbol; e “Gosto de levar vantagem em tudo. Leve vantagem você também, leve Vila Rica!”, frase entoada pelo ex-jogador Gérson, camisa 8 da Seleção Brasileira de 1970, que culminou no uso popular da polêmica “Lei de Gérson”, análoga ao famigerado “jeitinho brasileiro”.

Em entrevista à Brasileiros, Lewkowicz defendeu que o bom humor é um dos pilares de seu espírito criativo. “Aprendi muito com os judeus do Bom Retiro, onde nasci, pois eles têm um espírito de self-mocking, tiram sarro da própria condição, dos ganhos, das perdas e dos sofrimentos. O humor faz parte da publicidade e fiz dela minha profissão.”

Com mais de 40 anos de carreira, Lewkowicz tem propriedade de sobra para analisar as transformações sofridas pelo mercado publicitário e defende mudanças consideráveis na relação entre agência e cliente: “Não quero fazer apologia do passado, mas, hoje, a propaganda é mais científica, passa por diversas etapas de aprovação. No passado, havia maior credibilidade para com o nosso trabalho. Muitas vezes, você pegava o telefone, ligava para o cliente e contava como era o filme. O cliente confiava no seu trabalho e a propaganda ia para o ar sem ele ao menos chegar a ver”.

Sobre a campanha “Nós, o PIB” proposta pelo amigo Luiz Lara, Lewkowicz concorda que ela é necessária, mas, a exemplo de Washington Olivetto, primeiro personagem da série de reportagens Como Vender Este Produto Chamado Brasil, ele acredita que, antes, é preciso arrumar a casa: “Você já viu alguma campanha vender um produto com problemas? Não, você tem de primeiro consertá-lo, pois, quando é bom, ele se vende sozinho. Com todas as dificuldades que o ‘produto’ Brasil enfrenta atualmente, uma campanha como essa pode ser interpretada por alguns como chapa branca. Mas acho que tudo é uma questão de mobilização”.


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