Dez anos à frente da Fundação Casa fizeram com que a procuradora Berenice Gianella, 51 anos, alcançasse a capacidade de rir até das piores lembranças de seu trabalho na instituição socioeducativa paulista. Nas quase duas horas em que atendeu a reportagem de Brasileiros em seu gabinete, no prédio administrativo da entidade, no centro de São Paulo, foi sempre em meio a ligeiras gargalhadas que ela revelou traços perversos dos processos que envolvem adolescentes em conflito com a lei no Estado, como a falta de critérios de juízes em punir adolescentes com penas maiores do que adultos receberiam se tivessem praticado o mesmo delito.
Tem juízes que tem tabelinha para decidir. Então, se praticou roubo não sai com menos de um ano. Se praticou tráfico de drogas não sai com menos de um ano e meio. […] Às vezes, temos jovens que sequer deveriam estar internados.
Formada em Direito pela Universidade de São Paulo, em 1985, e funcionária pública dois anos depois de pegar o diploma, Berenice já passou por diversas instâncias do sistema prisional paulista: foi secretária-adjunta da Secretaria de Administração Penitenciária, diretora-executiva da Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso (Funap) e corregedora do sistema penitenciário estadual, de onde saiu para assumir a Fundação Casa quando a instituição sequer tinha esse nome. “O governador [Geraldo Alckmin, do PSDB] estava procurando alguém para assumir o cargo. Recebeu várias sugestões e fez várias entrevistas, mas se convenceu em me colocar na administração quando descobriu que eu era maratonista. Ele me disse: ‘Se você aguenta correr 42 quilômetros, vai aguentar cuidar da Fundação’”, conta ela, novamente rindo.
Entre críticas à Justiça, à opinião pública favorável à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil e admitindo certos erros da entidade – como a violência de funcionários, Berenice concedeu a seguinte entrevista à Brasileiros:
Quais foram as principais diferenças notadas do sistema prisional para o dos adolescentes quando a senhora mudou de área?
Uma questão que chama atenção é o número. Tem muito mais adulto preso do que adolescente, o que confirma a impressão – que, aliás, eu já tinha – que menores praticam menos crimes do que os mais velhos. Mas creio que a grande diferença está no fato de que os menores constituem uma população diferente. O jovem é imaturo e inconsequente. Às vezes temos uma unidade que não está dando trabalho e, de repente, acontece uma rebelião por causa de um desentendimento pequeno. Esse período de turbulência que qualquer adolescente vive é, no meu entendimento, potencializado quando se está privado de liberdade. A vida do adolescente guia-se muito pela descoberta de coisas novas, pela vontade de pertencimento a um grupo social, pela vontade de ter, de fazer, de conhecer, e o fato de ele estar privado de liberdade, por melhor que seja o atendimento dele, potencializa essa inconstância, o que faz com que o dia-a-dia da Fundação Casa seja mais difícil do que cotidiano do sistema prisional. Por outro lado, a recuperação do adolescente é sempre mais viável, mais possível e mais rápida do que a de um adulto, exatamente porque ele está nesse momento de mudança e de transformação.
Quem defende a redução da maioridade penal argumenta, entre outras coisas, que os jovens se transformaram nos últimos tempos. A senhora percebeu essa mudança nos dez anos que lidou com menores em situação de conflito com a lei?
O jovem mudou, sim. Ele não é o mesmo de 30 anos atrás porque tem mais acesso à informação. Agora, toda essa transformação não faz com que ele amadureça mais rapidamente. A ciência mostra que o amadurecimento do cérebro acontece até os 20 anos. Ou seja, até essa idade o cérebro ainda está em processo de amadurecimento. Por isso que é possível perceber que os jovens, de uma maneira geral, não apenas os internos da Fundação Casa, querem tudo para ontem, não conseguem esperar as coisas, agem por impulsividade e sem prever as consequências dos atos. Eles sabem mexer na internet, leem jornais, fazem um monte de coisa, mas são imaturos. Isso não mudou. Se a maioria dos países trabalha com 18 anos como mínimo de idade penal, há de existir uma razão. O mundo mudou para todo mundo, não apenas para os brasileiros.
A senhora disse recentemente que a Fundação Casa chega, às vezes, a prender mais os jovens do que o sistema penitenciário. Manteve essa opinião?
É isso que as pessoas têm certa dificuldade de entender: a pena está estabelecida no Código Penal. Roubo, por exemplo, tem pena de quatro a oito anos de prisão. O juiz tem uma sistemática que está prevista na lei de como vai aplicar a pena. Normalmente, todos os adultos que praticam roubo recebem a mesma pena ou penas muito parecidas. O adolescente não: o juiz determina a internação na sentença e pede um relatório de acompanhamento do menino feito por uma equipe multiprofissional de seis em seis meses, no máximo. Pode ser que esse adolescente demore a ser ressocializado. A gente tem casos de furto em que os meninos ficaram um ano e meio internados. Eu duvido que tenha algum adulto punido com esse mesmo rigor, até porque furto nem gera pena no Brasil. Existem alguns casos de jovens que, ou são internados em situações que adultos não seriam sequer presos se tivessem praticado o mesmo delito, ou de jovens que acabam ficando mais tempo internados do que um adulto, porque o critério não é aquela pena pré-estabelecida na lei, mas o tempo de recuperação. Dano ao patrimônio, por exemplo: você pode pegar os 230 mil presos do Estado de São Paulo e não vai achar um preso por esse delito, mas aqui temos meninos internados por dano ao patrimônio.
A Justiça juvenil responde mais rapidamente que a dos adultos?
Sim. É raro quando pegamos o caso de um adolescente que cometeu um homicídio e ele está solto. Ele responde ao processo internado, ao contrário do adulto, que muitas vezes só vai ser preso dentro de oito, dez anos depois, quando ele finalmente é julgado. Nós tivemos um caso recentemente no interior onde houve um pedido de vaga para 20 meninos. Falei: “Não é possível: 20 meninos de uma vez? O que eles fizeram?”. Fomos ver e eles tinham depredado uma escola e ameaçado a professora. Disse para o juiz: “Pelo amor de Deus! Prende quem ameaçou a professora, mas os que depredaram a escola?. E alguns ficaram 30 dias na Fundação Casa aguardando julgamento para, depois, saírem em liberdade assistida, prova de que a prisão deles era desnecessária.
Dá para dizer, então, que quando um jovem depreda um patrimônio público e é internado e o mesmo não acontece com o adulto, a lei está funcionando mais para os menores do que para os mais velhos?
O que é totalmente o contrário do argumento de que os jovens são menos punidos. É por isso que eu digo que as pessoas desconhecem o sistema. Na lei penal que vale para os adultos há uma série de medidas cautelares que podem substituir a prisão: usar tornozeleira ou pagar fiança, por exemplo. Para o adolescente, se o juiz achar que precisa ficar internado, ele vai deixar o menino na Fundação Casa. O advogado pode entrar com habeas corpus, mas leva dois meses para ser julgado no tribunal. Enquanto isso, o adolescente fica internado pelo menos por 45 dias. Tanto que temos um número grande de jovens que fica internado provisoriamente por 40 ou 45 dias e depois sai em liberdade assistida, o que significa que o crime praticado não deveria gerar a internação.
E altera totalmente a vida do adolescente, porque ele passa pela experiência de ter sido privado de liberdade.
Totalmente. Por melhor que a gente trate o adolescente, ele está privado de liberdade. Nós procuramos ter um atendimento adequado e, claro, tem funcionários que fazem o que não se deve fazer, que batem, que xingam. A Fundação Casa não é a Suécia, não é a Suíça, é o Brasil com a população que existe no Brasil e com todos os defeitos que a nossa sociedade possui. Qualquer jovem que você perguntar, vai dizer que está preso, não internado.
Os últimos dados de violência do Brasil mostram que os Estados do Nordeste tendem a ser mais violentos do que os de outras regiões. Como se explica o maior número de internos adolescentes estar no Sudeste e quase 50% só em São Paulo?
Acho que existe um rigor do sistema judiciário de São Paulo, porque, se você olhar as estatísticas da Fundação Casa, vai notar que os crimes hediondos correspondem a 2,8%, 3% dos jovens internos. O roubo representa 43% da nossa população. Há ainda uma gama de 39% de jovens que está internada por tráfico de drogas. Esse delito, segundo a lei, quando é praticado pela primeira ou segunda vez, não deve gerar internação e, no entanto, tem muitos jovens de primeira passagem internados na Fundação. Isso não ocorre na cidade de São Paulo, porque os juízes daqui não costumam internar por tráfico. No interior do Estado tem muito juiz internando por tráfico. E quando eu falo tráfico, não estou dizendo que o menino é o dono da biqueira, estou dizendo que ele é, no máximo, o “aviãozinho”. Para mim, há um excesso de punição, especialmente se considerarmos o tráfico ou esses crimes menores. Tem muito jovem aqui por furto, por dano ou por desacato. O Congresso está discutindo a possibilidade de desacato à autoridade nem ser mais crime, e estamos internando meninos por causa disso.
Nesse caso da maior punição paulista, podemos agregar a análise já conhecida de que nossa Justiça está muito amparada no caráter pessoal dos juízes. A aplicação da lei depende muito de fatores subjetivos?
O Estatuto da Criança e do Adolescente tem esse mérito: o fato de o juiz poder decidir de acordo com decisões subjetivas do adolescente. Ele vai analisar todas as circunstâncias para decidir, como saber se aquele menino está na escola, se ele tem família, se é a primeira passagem, etc. Ele pode até decidir por não internar mesmo sendo um ato grave o que foi praticado. Por outro lado, isso que é muito bom pode ser muito ruim, porque o mesmo ato pode dar, para um rapaz branco e de boa família uma liberdade assistida e, para um negro da periferia, uma internação. É óbvio que, para todo mundo que analisa o fato, essas circunstâncias são sempre mais favoráveis para um adolescente de uma classe social privilegiada do que a outra. Este papel relevante que se dá ao juiz é muito bem utilizado por vários deles que tomam cuidado com essas situações, mas eles também são seres humanos, com suas convicções pessoais e com a pressão que sofrem da sociedade, que pode aumentar dependendo do tamanho da cidade onde estão. Temos unidades no interior em que o juiz fala: “Aqui ninguém sai com menos de um ano e meio. Seja qual for o crime”. E ele deixa o menino um ano e meio lá conosco. Não adianta a nossa equipe mostrar que ele evoluiu, passou no vestibulinho da Etec e precisa sair pra estudar. O juiz não deixa sair.
O adolescente volta pra casa sendo o arrimo da família. Ele era o traficante que dava comida para os irmãos. Ele volta para casa e encontra todo mundo passando fome porque faz oito meses que ele está preso. Não tem dinheiro. O que ele vai fazer?
É mais um problema ou mais uma qualidade da nossa lei?
Na infância e juventude isso é mais marcante. O juiz determina a internação e pronto. Tem juízes que tem tabelinha para decidir. Então, se praticou roubo não sai com menos de um ano. Se praticou tráfico de drogas não sai com menos de um ano e meio. Como temos um banco de dados com todos os meninos que passaram pela Fundação Casa, a gente consegue detectar em cada comarca o tempo médio de internação. Aí você vê claramente que aquele juiz que é mais rigoroso tem um tempo médio de internação muito maior. Isso faz com que ele perca o princípio da individualidade, porque ele já põe na cabeça dele que com menos de um ano ninguém vai sair, sendo que, às vezes, temos jovens que sequer deveriam estar internados.
A senhora é a favor de um direito juvenil?
Sou contra. Acho que precisamos trabalhar com capacitação melhor de juízes e promotores que decidem casos de infância e juventude. Tem muita gente que atua nessa área e não conhece ou não tem uma vivência. O juiz dessa área precisa ter um entendimento das outras dimensões do atendimento, ou seja, precisa saber do atendimento pedagógico e conhecer da rede do município.
Já teve algum caso absurdo de juiz que ignorou completamente os relatórios?
A gente já teve de tudo: casos em que a equipe da Fundação Casa propõe soltar o jovem, que o promotor concorda que solte e o juiz diz que não é pra sair e, da mesma forma, o contrário também existe: a equipe dizer que o menino não está maduro ainda para voltar e o juiz soltar. É muito relativo. Depende do envolvimento que o juiz tem com o processo, se ele conhece bem a unidade, enfim. É realmente… [balança a cabeça].
Ou seja, dá pra dizer que, apesar de ser a Fundação Casa que assume a custódia desses adolescentes em situação de conflito com a lei, a decisão dos casos depende da Justiça Comum, que julga as penas de adultos também.
Mas ainda bem que é assim, porque senão eles iam me prender dizendo que eu solto bandidos na rua todos os dias [risos]. O sistema prisional é completamente matemático, dependendo do tempo de pena que o preso já cumpriu e se ele não tem faltas disciplinares. A Justiça juvenil não é assim: ela trabalha com a questão subjetiva. Por isso que você precisa tomar muito cuidado quando avalia um laudo. “Ah, o juiz soltou o menino que matou o Victor Hugo Deppman…”. Mas calma aí: precisamos conhecer quem é esse menino, qual é o processo, qual foi o atendimento que ele teve, essas coisas. Um leigo pode achar que dois anos de internação é pouco, mas quem acompanhou o caso pode achar que aquilo foi suficiente para ele mudar de vida. Não sou fábrica de fazer menino bonitinho. O menino sai daqui e volta para a comunidade que ele morava, com o pai preso, a mãe presa… Nós tivemos um caso nessa semana em que o menino estava no regime de semiliberdade e pediu ao diretor da unidade para voltar para a unidade sábado à noite. O diretor perguntou: “Mas por que você quer voltar hoje?”. E o menino respondeu: “É que na minha casa não tem cama para dormir e aqui tem”. A equipe da unidade foi fazer uma visita e viu que a mãe mora numa casa com quatro camas para dez pessoas. Eles dormem em revezamento nas camas. O menino foi visitar a família no sábado e voltou à noite para dormir na cama da Fundação. É um jovem internado por tráfico de drogas. Por que será que ele entrou no crime? Será que esse jovem, por melhor que a gente atenda, não vai voltar a praticar delinquências? A transformação não depende da Fundação Casa. Nossa obrigação é procurar assistência social para tentar melhorar a vida de quem foi internado.
Essa obrigação é do Estado.
É. A gente pode apenas acionar essas outras políticas. Sempre digo aos nossos funcionários: metade da reincidência é culpa nossa e a outra metade é da sociedade. Depende muito da situação. O adolescente volta pra casa sendo o arrimo da família. Ele era o traficante que dava comida para os irmãos. Ele volta para casa e encontra todo mundo passando fome porque faz oito meses que ele está preso. Não tem dinheiro. O que ele vai fazer? Ele pode até tentar arrumar um emprego, mas ele tem 17 anos. Daí 96% dos jovens internados na Fundação Casa têm defasagem escolar, ou seja, está fora da série escolar que deveria estar.
Defasagens graves?
A gente tem meninos de 17 anos analfabetos. Aí esse garoto entra aqui com 15 anos, analfabeto funcional, incapaz de ler um texto, fica um ano conosco indo à escola, aprende a ler, mas tem uma defasagem difícil de corrigir. Depois volta para a casa e encontra essa situação de fome. Ele vai tentar arrumar um emprego, não vai conseguir e vai voltar para o tráfico, porque o tráfico está na porta da casa dele oferecendo emprego.
Existe muita reclamação dos jovens com relação à violência e abusos de autoridade. Como vocês têm lidado com essas situações?
A Fundação Casa está inserida no contexto de uma sociedade violenta. Os nossos funcionários vêm dessa mesma sociedade. Às vezes, mais do que isso, eles moram na mesma comunidade em que os adolescentes vivem e, indo além, eles tratam os filhos deles da mesma forma, com tapas. Quando o funcionário entra aqui, recebe uma capacitação, há uma ouvidoria onde é possível fazer denúncias e há uma corregedoria que apura todos os casos e que é bem rigorosa. Porém, a gente não consegue – porque não somos uma ilha fora dessa sociedade – impedir que alguns casos aconteçam.
Há reclamações de agressão moral também.
Sim. Esses dias eu estava nessa mesma sala em uma reunião com o sindicato dos funcionários da Fundação Casa e um rapaz falou: “Ah, eu tava levando o ‘ladrão’…”. Eu respondi: “O que? Quem você foi levar?”. Óbvio que esse funcionário chama os meninos de ladrões, porque se na minha frente ele teve coragem de falar aquilo, imagina o que ele faz na unidade. Isso é uma capacitação contínua, é ficar em cima constantemente, é ter uma corregedoria atuante, é afastar funcionários com comportamento inadequado… Mas não somos uma ilha dentro de um País em que as pessoas acreditam que bater é uma boa coisa.
Presidente, o antropólogo social Fábio Mallart publicou recentemente um trabalho científico mostrando que existem três tipos de cadeias na Fundação Casa: a mista, onde funcionários e adolescentes disputam o poder da unidade, a dos “funça”, em que os funcionários mandam e a “dominada”, em que são os adolescentes que, digamos, administra o local. Vocês reconhecem a existência dessas dimensões?
[Respira fundo] Olha, quando eu cheguei aqui, posso te dizer que, pelo menos as unidades da capital funcionavam no esquema “dominada”, em que os adolescentes mandavam. Como tinham rebeliões constantes e os funcionários estavam até com medo de entrar nos prédios, a situação era essa. Sempre conto do dia em que fui ao complexo da Vila Maria pela primeira vez – que tinha capacidade para 150 pessoas e estava com 170 adolescentes – e, quando entrei na gaiola da unidade tinha um menino com um caderno. Daí ele me perguntou: “Seu nome, por favor?”. Anotou lá: Berenice Gianella. Aí entrei, os funcionários com os pés na parede, acuados, mesmo no horário da aula, e os meninos com a roupa do “mundão”, como eles falam, sem camisa e tudo. Eles mandavam na unidade. Daí tava saindo e pensando: “Meu Deus, onde eu me enfiei?”, quando quatro meninos que haviam me recepcionado na unidade estavam atrás de mim no outro prédio. “Mas o que vocês estão fazendo aqui?”, perguntei. “É que nós somos do Comitê de Recepção da Vila Maria”, respondeu um deles. Era assim.
Existe um rigor do sistema judiciário de São Paulo […] Há um excesso de punição, especialmente se considerarmos o tráfico ou esses crimes menores. Tem muito jovem aqui por furto, por dano ou por desacato. O Congresso está discutindo a possibilidade de desacato à autoridade nem ser mais crime, e estamos internando meninos por causa disso.
Totalmente dominada.
Sim. Como combater isso? A Fundação Casa sempre teve uma fama – que não sei se é verdadeira ou não, porque não estava aqui na época em que ela foi promovida – de que a única maneira de resolver isso é “zerando a casa”. Isso significa dar um “pedala, Robinho” em todos os meninos, deixar todo mundo trancado e recomeçar. Quando o Fábio estava aqui, creio que até 2009, ainda tínhamos unidades que e funcionavam dessa forma. Não tinha como – salvo se a gente zerasse a casa – resolver o problema de um dia para o outro. Quando o menino toma o espaço, recuperá-lo sem usar violência demanda um diálogo, empoderar os funcionários de novo, sem empoderá-los demais, para não cair na violência da mesma forma, e a gente não tinha como fazer isso naquele ambiente com rebeliões e unidades superlotadas.
E o que fizeram?
A gente pensou em ir desativando as unidades aos poucos e, paralelamente, construindo novas unidades. Para cada uma que era inaugurada, a gente tirava de funcionamento um prédio do Tatuapé ou diminuía outra unidade que era maior. Essas unidades mais complicadas tiveram suas populações diminuídas aos poucos e, com o tempo, a Vila Maria, que chegou a ter 180, estava com 40 meninos. Com esse número você consegue retomar o poder sem precisar zerar a casa. Teve casos que precisamos esvaziar a unidade, esperar todo mundo sair, reformar o prédio inteiro – como foi feito na Vila Maria, por exemplo – e então, recomeçamos um trabalho do zero.
Todas as unidades estão sob poder da Fundação?
Todas. O que a gente tem é que alguns jovens que entram aqui têm envolvimento com o PCC e com o crime organizado. Eles estão envolvidos com o crime lá fora e quando chegam aqui sabem que o pai está preso e manda na cadeia onde está. O adolescente quer implantar o mesmo sistema aqui. É por isso que existe todo o trabalho de desconstrução dessa imagem. Hoje posso te dizer que não existe nenhuma unidade dominada pelos meninos. O PCC não está em nenhuma unidade da Fundação Casa. O que ainda temos são unidades em que a gente tem dificuldade com o grupo de funcionários que é muito rigoroso ou, ao contrário, é pouco rigoroso. Temos ainda unidades de reincidência em que os internos tentam constantemente assumir o poder.
O Mallart conclui que a redução da maioridade está operando na lógica da Fundação Casa.
Não. Ele não pisa aqui há seis anos. Fala para ele vir aqui e conhecer as unidades. Passei pelo sistema prisional e duvido que ele conheça. Não tem nada a ver com a Fundação Casa.
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