Privatizar o Centro Cultural São Paulo é uma estupidez

Manifestante fala na porta do Centro Cultural na quarta-feira: espaços públicos de cultura não podem ser privatizados. Foto: Marie Ange Bordas
Manifestante fala na porta do Centro Cultural na quarta-feira: espaços públicos de cultura não podem ser privatizados. Foto: Marie Ange Bordas

O Centro Cultural São Paulo é um daqueles lugares que faz com que valha a pena viver na cidade. Bonito e espaçoso, instalado ao lado da estação Vergueiro do Metrô, ele recebe gente de todas as partes de São Paulo, sobretudo jovens da periferia. Ali eles leem, convivem, ensaiam, estudam, pesquisam, participam de oficinas culturais ou aproveitam a programação de shows, teatro e cinema, oferecida de forma gratuita ou a preços camaradas.

Numa cidade que concentra serviços e oportunidades culturais na mesma proporção em que concentra renda e privilégios, o centro cultural da Vergueiro é um oásis de cidadania e decência.

Pois o prefeito João Dória, na falta de problemas mais graves na cidade, anunciou que vai privatizar o CCSP e 52 das 107 bibliotecas públicas da capital, que constituem a maior rede de bibliotecas da América Latina – uma decisão que ele preferiu não mencionar durante a campanha eleitoral.

Entregar o Centro Cultural e as bibliotecas da cidade à gestão privada é uma estupidez. Não surpreende que tenha partido da mesma cabeça encarregada de defender publicamente a “limpeza” dos grafites da avenida 23 de maio, a do secretário municipal de Cultura André Sturm.

“Ninguém vai privatizar nada, o que eu quero é dinamizar”, diz o secretário. Ele acha que um modelo de administração terceirizado permitiria “mais flexibilidade e facilidade para a gestão, além de captar patrocínios”. E promete que toda a administração de terceiros será feita “com acompanhamento e supervisão da Secretaria Municipal de Cultura”.

A primeira coisa a ser dita sobre essa proposta é que o Centro Cultural de São Paulo funciona bem, obrigado. Poderia ter mais verba e mais gente, sofre com os cortes impostos ao seu orçamento, mas não é uma repartição abandonada à qual um bando de militantes iletrados do MBL viria dar vida.

“Flexibilidade” e “patrocínio”, as palavras usadas pelo secretário, podem significar qualquer coisa. Flexibilidade para degradar e baratear os serviços prestados à população, por exemplo. Ou patrocínio para banalizar o conteúdo e dirigir a forma do trabalho cultural que é feio no CCSP e nas bibliotecas.

Outra coisa importante a lembrar é que o formato de terceirização anunciado pelo secretário, as famosas Organizações Sociais, ou OSs, já foi usado na gestão do Teatro Municipal de São Paulo. Apesar de “supervisionado pela Secretaria Municipal de Cultura”, esse arranjo produziu em 2016 um desvio de 18 milhões de reais, o maior escândalo da história centenária do Teatro Municipal.

Quem, em sã consciência, adotaria e ampliaria um modelo de gestão que deu espetacularmente errado no primeiro teste? Resposta: a mesma administração municipal que mandou pintar os grafites urbanos de cinza e agora cogita gastar os tubos para repintá-los com tinta colorida.

Manifestantes formam uma corrente para abraçar o Centro Cultural: é necessário proteger o patrimônio cultural da cidade Foto: Marie Ange Bordas
Manifestantes formam uma corrente para abraçar o Centro Cultural: é necessário proteger o patrimônio cultural da cidade Foto: Marie Ange Bordas

Privatizar o Centro Cultural e as bibliotecas da cidade faz tanto sentido quanto estatizar as barracas de pastel da feira, a rede de lanchonetes McDonald’s ou o shopping Iguatemi. Quer dizer, não faz sentido algum. É uma idiotice ou um ato de má fé. Por que desfigurar um serviço que funciona bem e cumpre exemplarmente a sua função social?

Se o prefeito acha que o CCSP poderia ser melhor gerido, deveria fazer aquilo para que foi eleito: nomear um administrador público competente, que aprimore o funcionamento da instituição sob seu comando. Se o secretário acha que não dá para cuidar da sua pasta nos limites legais da administração pública, renuncie ao cargo e procure emprego no setor privado. Não dá para transformar a cidade inteira numa OS para facilitar a vida dele.

Nem a falecida Margareth Thatcher, uma fanática das privatizações, tentou oferecer a empresários a gestão das bibliotecas britânicas. Há limites para o que um político pode fazer sem cair no ridículo.

Quem garante que, daqui a pouco, um administrador privado não irá decidir que a garotada não pode mais ensaiar dança de rua nos corredores do Centro Cultural, como faz todos os dias? Ou que entradas de teatro gratuitas não cobrem as necessidades de remuneração do seu contrato? Ou que bibliotecários são caros e supérfluos, e que melhor seria deixar os usuários das bibliotecas entregues a si mesmos?

Quando eu era garoto, nos anos 70, o Centro Cultural de São Paulo não existia, mas usei abundantemente a biblioteca municipal da Penha, no Largo do Rosário. O acervo daquela biblioteca e a atenção de seus funcionários ajudaram a fazer de mim o que eu sou. Em nome das próximas gerações, é importante garantir que o patrimônio das bibliotecas públicas de São Paulo – que começou a ser montado há quase 100 anos, por Mário de Andrade – não seja destruído por gente que não sabe o valor da cultura.

Na quarta-feira, aniversário da cidade, uma pequena multidão se concentrou na porta do Centro Cultural São Paulo para protestar contra a privatização. Formou-se uma corrente para abraçar o prédio e, simbolicamente, protegê-lo. Eu estava lá. Ao meu lado, me dando as mãos, estavam dois jovens frequentadores do CCSP, Nicole e Felipe. Gritamos palavras de ordem, rimos e, depois do protesto, nos sentamos para conversar. Confirmou-se a minha impressão de que o Centro Cultural é necessário da forma como está: aberto, diverso e público. E tive certeza, também, de que jovens e velhos usuários saberão defendê-lo da estupidez privatista. 


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