A advogada criminalista Fabiana Saenz, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminalistas, não tem dúvidas: a redução da maioridade penal não reduzirá a criminalidade. Além disso, para ela e grande parte do meio jurídico, a PEC 171, que prevê a diminuição da idade penal, é inconstitucional por alterar aquilo que é considerado cláusula pétrea na Constituição. Em entrevista à Brasileiros, Fabiana também criticou a política de encarceramento em massa que vigora no Brasil e chamou de “aberração jurídica” e “política higienista” as apreensões preventivas que têm ocorrido no Rio de Janeiro, após a onda de arrastões na zona sul.
Brasileiros – A senhora é a favor da redução da maioridade penal?
Fabiana Saenz – Sou absolutamente contra. Se você fizer uma análise das diversas leis que já foram alteradas no Brasil, que buscavam justamente esse recrudescimento da punição, a gente percebe que isso não tem absolutamente nenhum efeito para diminuir a criminalidade. E se formos pensar na criminalidade juvenil, estamos pensando em uma parcela muito pequena do total de crimes. E são crimes que são patrimoniais em sua maioria. O que deveria acontecer é a efetividade de todos os direitos e garantias previstos no ECA e que no dia a dia não são cumpridos.
Muitos juristas consagrados, como Dalmo Dallari, dizem que, além de ineficiente para reduzir a criminalidade, a PEC 171é inconstitucional.
Exatamente. Quando a gente fala em infância, o artigo 6o da Constituição diz que a protecção à infância é um direito social. Como direito social, expressamente não pode ser abolida da Constituição. Então não podemos ter nenhuma reforma que visa abolir questões relativas à infância.
Existe alguma possibilidade do STF não considerá-la inconstitucional?
Quando tramita na Câmara, passa pela Comissão de Constituição e Justiça. A Câmara entendeu que ela é constitucional. É muito cedo para dizer que o STF barraria a PEC, porque tem ministro que entende que não seja matéria de cláusula pétrea.
Então a questão da constitucionalidade está longe de ser um consenso.
No meio jurídico, a maior parte das pessoas entende que ela é inconstitucional. Mas um ministro do STF já disse que não considera a matéria cláusula pétrea. É um debate grande.
Sobre as apreensões preventivas de crianças e adolescentes que estão acontecendo no Rio de Janeiro, após a onda de arrastões na zona sul, qual a avaliação da senhora?
O juiz tem determinado a internação desses adolescentes. A legislação que vigora no Brasil quanto ao adolescente infrator chama-se doutrina da proteção integral. Ela entende que as apreensões só podem acontecer na hipótese da infração da lei. A internação é a medida mais severa, não pode ser a regra. Se não fica comprovado o ato infracional, o adolescente não pode ser preso.
Seria uma ilegalidade muito grande isso acontecer. Antes da Constituição de 1988, qualquer criança ou adolescente que estivesse numa situação vulnerável, de rua, por exemplo, poderia ser apreendida. Hoje, na área criminal, o adolescente só pode ser apreendido se cometer um ato infracional.
Então a PM, o secretário de segurança pública e o governador do RJ estão cometendo ilegalidades?
Isso é uma aberração jurídica, isso é ilegal. Você não pode prender uma pessoa que estiver na mera cogitação do fato. A pessoa precisa começar a praticar o ato para que possa eventualmente configurar um crime. A partir disso é que você pode determinar a internação ou não. É uma política higienista, totalmente ilegal.
E como essa aberração jurídica está acontecendo de forma tão escancarada?
Eu imagino que a Defensoria Pública do RJ, que é muito atuante, já esteja tomando alguma medida contra isso. As políticas criminais no Brasil muitas vezes não são pautadas pela legalidade. Vão fazendo até que alguém diga que é ilegal.
Qual a sua opinião sobre a política de encarceramento em massa?
O Brasil é um dos países mais encarceradores do mundo. A gente sabe que isso não resolve o problema. Temos um encarceramento massivo desde a década de 90 e em hipótese alguma isso ajudou na diminuição da criminalidade de um modo geral. É preciso investimento em políticas públicas. Inclusão social para todos terem acesso a direitos básicos como saúde, educação, moradia, segurança. Você precisa fazer esse investimento, mas isso demanda o surgimento de uma nova geração. Uma política a longo prazo, coisa que não interessa a nossos governantes. Reduzimos a maioridade penal agora e daqui a 10 anos vamos ver que encarceramos mais pessoas e que isso não solucionou o problema da criminalidade.
E sobre a proposta de aumento de internação da criança e adolescente?
Os projetos de lei da forma como são hoje dizem assim: vamos aumentar para 8, 10 anos o máximo de cumprimento de pena. Hoje um adolescente pode ficar no máximo 3 anos. Mas não é que ele é internado 3 anos e depois é solto. Ele pode ficar 3 anos internado e depois mais 3 anos em semi liberdade, temos etapas. Mas eu entendo que talvez esse ponto, do tempo de internação, possa ser revisto, mas de forma escalonada. É diferente alguém de 12 anos e outro com 17 anos. Então, vamos supor que o de 12 possa cumprir até 2 anos de internato, o de 14 possa cumprir 4 e por aí vai. É possível rever essa questão, mas não da forma que está sendo feita hoje em dia.
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