O primeiro dia de Michel Temer como presidente definitivo nem terminara e protestos contra o impeachment e seu governo já aconteciam por todo o País. Dentre os diversos feridos pela violenta repressão da Polícia Militar, alguns fotógrafos foram agredidos e tiveram seus equipamentos completamente destruídos, e uma jovem foi atingida por um estilhaço de bomba que a deixou cega de um olho.
Outros protestos contra Temer já estão marcados para os próximos dias. A socióloga, Esther Solano – professora da Unifesp, estudiosa das manifestações e uma das autoras do livro “A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc” – diz que a repressão desproporcional da polícia deve fortalecer a mobilização, assim como aconteceu nas manifestações de 2013. Diz também que as medidas de ajuste anunciadas pelo governo, como o teto de gastos públicos e as reformas da Previdência e Trabalhista, vão alimentar ainda mais a insatisfação popular.
Revista Brasileiros – As manifestações devem aumentar daqui para frente?
Esther Solano – Sim, devem aumentar com as medidas que Temer e Meirelles vão adotar agora nas próximas semanas. Os dois falaram que iam adotar rapidamente as medidas de limitação do teto de gastos públicos, desvinculação de receitas, reforma trabalhista. O nível de mobilização de rua vai depender muito da tomada dessas medidas. Se eles começam com essas reformas de ajuste fiscal, terá uma mobilização mais importante. A história do teto de gastos as pessoas não entendem muito o que significa, mas a reforma da Previdência e trabalhista são duas coisas enormes, com efeitos percebidos no próprio bolso. É bem provável que irão sindicatos para as ruas, categorias profissionais, estudantes.
No primeiro dia de governo definitivo de Temer, uma menina foi atingida por uma bomba da PM e ficou cega de um olho. As manifestações devem ser repensadas ou esse confronto com a polícia é necessário para o protesto?
Não saberia te dizer como inovar as manifestações. Você vai para a rua exercer o seu direito e o aparato policial em São Paulo… Eu estava lá, tinha muita polícia pesada, Choque, Força Tática. A menina machucada era uma aluna, eu conheço professores dela, adolescente, o que vamos fazer? Deixar de manifestar? Não. Inovar na tática? A tática é simplesmente ir para a rua e caminhar no protesto. É difícil pensar o que podemos fazer agora. A polícia sempre tem aquele argumento de que tinham vândalos, de que queimaram coisas, mas responder a isso com um aparato policial daquele? Parece que a polícia não aprendeu nada de 2013 para cá. É desesperador isso. Se tem uma pessoa que joga uma pedra ou bomba caseira, atue contra essa pessoa e não contra o conjunto de manifestantes. Parece que é cada vez mais repressão, você vai para a rua sabendo que vai ter violência. Acho bem preocupante o comportamento da polícia. A única possibilidade é continuar indo para a rua, não tem outra. Vai ter problema, mas não podemos nos deixar pelo medo.
A repressão desproporcional da polícia fortalece ou desmobiliza as manifestações?
Acho que pode fortalecer, como aconteceu em 2013. Essa repressão policial foi fortalecendo, sobretudo os mais jovens. Eles são bem corajosos, não têm medo, vão para frente. Depois tem a imprensa também, vários fotógrafos foram feridos ontem. Aí a imprensa, quando tem seus próprios profissionais feridos, se coloca contra a polícia. De alguma forma potencializa, mas mesmo assim temos que denunciar isso. Não é possível ir para um protesto sabendo que você pode ser ferido, machucado pelo simples direito de protestar. É completamente perverso.
É uma estratégia burra da polícia então?
Eu sempre falei isso desde 2013. É totalmente contra producente. Se a intenção é diminuir o protesto, essa desproporcionalidade do aparato policial faz justamente o contrário, porque você aumenta o protesto, e cria um ódio da policia, uma raiva, que aumenta muito a tensão do protesto. Esse aparato policial pesado dá combustível para as manifestações e no final cria um espiral de ódio entre a polícia e os manifestante que é ruim para todo mundo.
Você acha que manifestações como essa podem ameaçar a popularidade de Temer, têm algum efeito de fato?
Se o governo Temer começa a tomar medidas fortes, como a reforma da Previdência, sim. Temer não tem carisma nenhum, se ele tomar uma medida e não for bem recebido, terão manifestações maiores. Não serão só contra o impeachment e pela volta de Dilma, serão contra as medidas duras do governo. Aí abaixa ainda mais a popularidade de Temer. Mas eu acho que isso só vai acontecer se essas manifestações conseguirem levar mais gente para a rua, gente preocupada com a questão econômica. Porque agora são só as pessoas do “Fora, Temer” e “Fica, Dilma”. Acaba tendo essa polarização. Mas se mais gente vai para a rua, aí acho que sim.
Quais outros setores poderiam ir para a rua?
Como aconteceu na Europa, nas reformas de austeridade, que é o caminho que Temer tomará aqui, os trabalhadores são um setor fundamental. Você vê estudantes, profissionais liberais, mas os sindicatos, a CUT, estão pouco presentes ainda. A reforma trabalhista será terrível para os trabalhadores, tanto liberais quanto os de mais baixo nível. Os sindicatos, os trabalhadores mais precários é quem vão sofrer muito. Esse povo que teria muito potencial para ir à rua.
E por que não foram às ruas ainda?
Porque o debate ficou muito numa questão governista ou não governista, PT, anti PT, Dilma, Temer, a população está cansada disso, ninguém se motiva por isso. Mas reformas no mercado de trabalho e na Previdência são outra coisa.. Pela política pouco se mobiliza. Mas pelas questões econômicas, no dia a dia delas, é muito diferente.
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