Revista indiscriminada é ilegal, diz conselheiro da OAB-SP sobre ação da PM em protesto contra aumento de tarifa

 

Foto: André Sampaio
Foto: André Sampaio

A ação da Polícia Militar nos protestos contra o aumento de tarifa em São Paulo vai contra a Constituição e todos os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o País é signatário. A violência física contra os manifestantes e a revista de pessoas quaisquer em entradas de estações de metrô remontam aos tempos da ditadura. É o que diz Martim de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. “Qual a motivação dessa revista? Essas pessoas são suspeitas do quê? Uma coisa é passar pelo raio-x antes de entrar no avião. Isso é uma regra internacional e ninguém se opõe porque envolve a segurança de todos nós. Revistar bolsa a bolsa, de senhoras, de pessoas quaisquer, é puro exercício de intimidação”.

Leia a entrevista na íntegra abaixo:

 Revista Brasileiros – Qual a avaliação do senhor sobre a atuação da PM nos últimos protestos do Movimento Passe Livre?

Martim de Almeida Sampaio – O MPL é um movimento social. Convocou uma manifestação contra o aumento de tarifas e foi amplamente divulgado pelas mídias sociais, pelos jornais.  Lá chegando, os manifestantes decidiram seu trajeto. Pretendiam descer ao Largo da Batata. O comandante da tropa fez uma operação chamada “envelope”. E massacraram os estudantes, populares, todo mundo que estava ali. Cercaram e não deram saída aos manifestantes. Jogaram bombas e foi aquele massacre que vimos. Esses são os fatos. Mais tarde, comparece o secretário de segurança pública em entrevista coletiva justificando a operação. Segundo ele, os manifestantes não teriam cumprido a lei e a PM, sim. Sob o ponto de vista jurídico, temos um único documento que cuida de manifestações, que é a Constituição Federal, Artigo 5º, inciso 16. Esse direito de reunião é amplo e deve ser apenas comunicado à autoridade. Não define que autoridade é essa nem de que maneira tem que ser esse aviso. O que os manifestantes fizeram foi absolutamente correto. Eles comunicaram, através de seus porta-vozes, à PM, o roteiro que eles iam fazer. A PM, por ordem do governador, Geraldo Alckmin, fez aquela repressão brutal. Teve um garoto com o dedo quase decepado por bombas, jornalistas machucados, gente presa. Agiu com aquela truculência habitual à Polícia Militar, treinada e especializada em reprimir movimento social. Desde a década de 70 ela faz isso. Desde a sua fundação no Brasil, que vem com a família real, ela serve para reprimir movimento social. Agiu com uma força desproporcional. Até mesmo o manual de contenção de distúrbio civil da PM define que a repressão deve evitar a violência física, o espancamento da população e possibilitar rota de fuga. O que nós vimos foi exatamente o contrário disso. Vimos a polícia fazendo corredor polonês, espancando as pessoas. A ação vai contra a lei, a Constituição Federal e todos os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.  

E quanto ao protesto de quinta-feira?

Foi convocada uma reunião no Ministério Público. O movimento decidiu não ir e publicou à tarde o roteiro. O argumento do governo de estado foi desmoralizado. Uma vez comunicado, a PM não pôde fazer nada a não ser dar garantia ao movimento de se manifestar. Ao final, houve algum tumulto nas catracas do metrô. Isso me causa bastante estranhamento. Quando houve manifestação contra a Dilma, as catracas foram liberadas para evitar tumulto. Ontem as catracas não foram liberadas e gerou tumulto. Se houve vandalismo, quem o cometeu deve ser preso, contido. Na prática, o MPL deu uma lição de direito constitucional aos governantes, uma lição de civilidade. A rua pertence ao povo e a democracia se constrói com processo político. A ação do governo de São Paulo e da PM foi regressiva, conservadora e um verdadeiro atentado ao estado democrático de direito, que fere todos os compromissos internacionais e a própria Constituição Federal.

E com relação às revistas da PM nas estações de metrô? É legal esse procedimento?

Não. Eles trabalham na brecha da lei. Fizeram bloqueios. É permitida a revista quando você faz uma abordagem em um carro suspeito, por exemplo. Isso que foi feito nos protestos foi um bloqueio, como se fazia na ditadura militar. Bloqueios de rua onde as pessoas eram coagidas a sair dos carros, ter suas bolsas revistadas. Eu fiquei assustado com a imagem que eu vi pela televisão. É uma imagem de truculência, de invasão de privacidade das pessoas. O que eu vi de material apreendido foi vinagre. Não sou especialista, mas fiz uma pesquisa na internet e com vinagre não se faz explosivo. Ele é usado para minimizar o efeito do gás das bombas. Ainda anotava-se o nome da pessoa numa ação de intimidação da polícia contra o cidadão. A polícia, que foi construída para proteger a família real, continua fazendo a mesma prática política, contra o preto, pobre e periférico e dando suporte às elites desse país.

A revista é ilegal, então?

Eu entendo que sim. Qual a motivação dessa revista? Essas pessoas são suspeitas do quê? Uma coisa é passar pelo raio-x antes de entrar no avião. Isso é uma regra internacional e ninguém se opõe porque é a segurança de todos nós. Revistar bolsa a bolsa, de senhoras, de pessoas quaisquer, é puro exercício de intimidação. É como um tempo atrás, a polícia pedia documento para morador de rua, ele não tinha e era enquadrado como crime de desobediência. Eles trabalham nessas brechas para exercer a intimidação.  Isso confronta qualquer norma básica do estado democrático de direito. A meu ver, a revista é ilegal, que invade a privacidade das pessoas.

E a obrigação de apresentar o trajeto à polícia? Isso está previsto na Constituição?

Não. O texto da lei diz “que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.” Não diz se esse aviso prévio tem que ser um ofício, uma carta, uma petição, nem diz qual autoridade competente. O MPL fez um mapinha e colocou na internet. O que eles fizeram na terça feira foi avisar o trajeto. O porta-voz do grupo fez isso, todo mundo viu.

Diante de tantas irregularidades da polícia, o que pode ser feito?

Duas coisas. Continuar as manifestações, porque foram essas e tantas outras que conduziram o país da ditadura à democracia. Segunda coisa, denunciar nos fóruns nacionais e internacionais. Lembrando que em 2012, o chefe dos direitos humanos da ONU recomendou ao governo brasileiro o desmanche das policiais militares, porque elas estariam em desacordo com o estado democrático de direito.  Elas são treinadas para agir na guerra e não na democracia.

 

Veja a galeria de fotos do protesto de quinta-feira (14)
Leia a análise “Repressão gera violência ou violência gera repressão?”

 

 


Comments

2 respostas para “Revista indiscriminada é ilegal, diz conselheiro da OAB-SP sobre ação da PM em protesto contra aumento de tarifa”

  1. Avatar de Welbi Maia Brito
    Welbi Maia Brito

    O MPL que está à frete dos protestos, também comandou as invasões das escolas. Em ambos os casos a “causa” que dizem protestar na verdade é outra. Não era para barrar a reorganização das escolas que as invadiram. Tanto é que continuaram nelas mesmo depois do projeto adiado. Assim como não é pelos R$ 0,30 de aumento na tarifa do transporte que estão vandalizando. Na verdade, eles têm apenas dois objetivos: tirar o foco da mídia dos escândalos do governo Dilma e colocar a população contra Alckmin.

    1. Avatar de Leonardo Milani
      Leonardo Milani

      Welbi, as escolas foram entregues uma a uma ao secretário de educação com boletim de ocorrência.

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