Tortura em presídios brasileiros é endêmica, diz relator da ONU

Resultados preliminares de uma inspeção feita pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em presídios brasileiros, divulgados nesta sexta-feira (14), revelam que a prática de tortura nos estabelecimentos prisionais do país é algo “endêmico” e ocorre de forma frequente e constante, principalmente, nas primeiras horas após as detenções.

De acordo com relator especial do conselho Juan Méndez, apesar de o Poder Público combater e condenar a tortura, o problema persiste no sistema carcerário, impulsionado pela impunidade e pela superlotação das cadeias. Entre os dias 3 e 14 de agosto, ele visitou instituições carcerárias de São Paulo, Sergipe, Alagoas, do Maranhão e do Distrito Federal, a convite do governo brasileiro. Segundo Méndez, o relatório final da visita deverá ser apresentado pela ONU em três meses.

“Não estou dizendo que todos os presos são submetidos [à tortura], mas o número de testemunhos e a contundência dos relatos que recebemos me levam a crer que não seja um fenômeno isolado. Não creio que qualquer pessoa no governo defenda esse método, mas, em termos estruturais, a tortura ocorre, e o torturador fica impune”, afirmou Méndez, que não antecipou números do relatório.

Segundo ele, é frequente nos presídios o uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bomba de ruído, bala de borracha, choques elétricos e sufocamentos. O especialista da ONU disse que, durante as visitas, constatou a superlotação dos estabelecimentos prisionais, apesar da adoção de medidas, como as audiências de custódia, para evitar o crescimento da população carcerária.

Impunidade

De acordo com Méndez, apesar de os presos relatarem a organizações de direitos humanos os maus-tratos sofridos, dificilmente eles oficializam denúncias nos órgãos públicos. Isso ocorre, segundo ele, por medo de represálias e também porque os detentos acreditam que os torturadores não serão punidos. “As pessoas relutam em oficializar as denúncias de tortura. Essa é uma cultura arraigada que, se não for combatida, tende a se tornar ainda pior.”

Segundo o relator, nas últimas duas décadas, a população carcerária brasileira cresceu de forma muito rápida, e hoje o país tem o quarto maior número de presos no mundo. Para Méndez, esse “abrupto” crescimento da população atrás das grades impactou também nos serviços de saúde oferecidos aos presos. 

Entre as principais causas apontadas pelo especialista para o rápido crescimento da população carcerária estão a demora para a realização de audiências dos presos na Justiça, que em média ocorrem cinco meses após a detenção, e falhas na política de combate às drogas. “Cerca de 26% de todos dos detentos foram presos com a acusação de tráfico de drogas e pouquíssimos grandes figurões do narcotráfico foram presos.”

Para Méndez, a eventual redução da maioridade penal, em discussão no Congresso Nacional, agravaria ainda mais os problemas do sistema carcerário brasileiro. “Processar adolescentes infratores como adultos violaria as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção sobre os Direitos da Criança”, disse.

O relator da Comissão de Direitos Humanos da ONU destacou a transparência dos governos federal e estadual e a liberdade que a comitiva da ONU teve para averiguar a situação dos presídios do país. Ele elogiou medidas já adotadas pelo Brasil, como o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura e a instalação da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Recomendações

Os dados preliminares do relatório já foram apresentados pelo relator a autoridades brasileiras, que também receberam recomendações. Entre elas estão a ampliação das audiências de custódia em todo país, o encorajamento das vítimas para denunciar casos de tortura e a documentação eficaz desse tipo de violação. Méndez esclareceu que o objetivo da inspeção não é impor sanções ao país, mas identificar problemas e cobrar soluções.

Segundo o Ministério da Justiça, o Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen) de junho de 2014, último disponível, mostra que a população prisional brasileira é superior a 607 mil pessoas, e o déficit de vagas passa de 231 mil.


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