“Para quem a tua mensagem?/ Para ti?/ Para outrem?/ Não sei./ Mais uma que faço sem saber por quê?” (Excerto de uma “poesia” de Michel Temer).
No século passado, portanto bem antes da convenção do PMDB marcada para o próximo dia 12 de março, ficou bem conhecida a troca de telegramas entre um grande político inglês e um notável dramaturgo: “Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver” (Bernard Shaw). A resposta de Winston Churchill: “Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer primeira apresentação. Irei à segunda, se houver”.
No Brasil estamos muito longe daquele humor inglês.
No fim de 2015 a crise política brasileira foi marcada pela carta de rompimento do vice-presidente. Assustado pela repercussão negativa, apressou-se logo a informar que não se tratava de um rompimento. Talvez fosse só uma lamúria. Para desgraça sua, a presidenta da República, tão acostumada a errar, acertou ao deixar o missivista falando sozinho.
Ele andava com um novo programa econômico ultraliberal debaixo do braço e em visitas a empresários insinuava que a presidenta não chegaria ao fim do mandato. Embora já desse provas contínuas de sua deslealdade, o vice-presidente achou por bem escrever uma carta ao velho estilo. Rejuvenescido por um matrimônio mais ou menos recente e um livro de poesias (sic), ele se tornou uma figura apressada. O que a velhice poderia lhe dar sem parcimônia, ele preferiu trocar pelos ouropéis de uma juventude infiel, posto que perdida.
Após ditar a correspondência, enviou-a de São Paulo a Brasília por e-mail. Sua assessoria a imprimiu e a protocolou no gabinete da Presidência. Assim, o que ele perdia em experiência não podia ganhar naqueles açodamentos que só se perdoam nos jovens.
O vice-presidente começara a sua carreira como oficial de gabinete da secretaria de Educação do governo Ademar de Barros (aquele do “rouba, mas faz”). Todavia, foi como secretário de governos peemedebistas e deputado federal por São Paulo que se estabeleceu no mundo da pequena política por três decênios.
A carta era só uma lista de mágoas por não ter tido atendidos seus pleitos pouco republicanos para a nomeação de amigos. Ainda cometeu o erro de desejar imprimir àquelas palavras a eternidade de um adágio latino que intitula este artigo: a fala voa, mas a escrita permanece. No seu lugar, qualquer um preferiria que aquela missiva desaparecesse…
Como secretário, deputado ou líder de partido ele nunca havia sido um político notado ou notável, mas com o desenrolar da campanha do impeachment passou a ser cogitado… A possibilidade de ascender sem votos ao poder lhe deu a oportunidade de provar aquilo que se começava a falar dele. Que era uma pessoa discreta, bom articulador, capaz de unir o País e outras lorotas que, na América Latina, dificilmente são atributos de políticos estabelecidos.
A carta saiu pela culatra. O pequeno candidato a líder apequenou-se mais. Dividiu seu próprio partido e teve que buscar votos para se manter num cargo que ocupou desde 2001: a presidência do PMDB. Obviamente, os “analistas” leem a história de outra maneira. Ele foi líder do partido porque era capaz de unir. Na verdade, foi porque num partido equilibrado por poderosos interesses regionais o melhor é deixar a presidência da agremiação a qualquer um sem poder real: um político apático, sem voto e de um Estado onde o PMDB é só uma legenda. A época que entrega a um político assim sem humor a possibilidade de chegar ao poder por um golpe de mão nos faz sonhar com Churchill.
Ao menos, pelos seus versos, podemos ter certeza de que a carta do vice-presidente não é a pior coisa que ele já escreveu.
*Professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.
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