Vista da La Côte d’Azur, na França - Foto: Adriana Komives
Vista da La Côte d’Azur, na França – Foto: Adriana Komives

O vento levantou-se no dia 13 de julho e não quis mais se deitar. Mistral é o nome dele, um vento que nasce nas montanhas e se enfia pelo leito do rio Rhône, verdadeiro corredor que o leva até a costa mediterrânea, limpando tudo, lustrando o céu, deixando-o cor de anil. La Côte d’Azur é a Costa Anil, onde céu e mar são cor de lápis lazuli. Então, naquele dia soprava tanto o Mistral que os fogos de artifício da festa nacional foram suspensos ali na região do Var. Pensei brincando: a França perdeu a copa Euro de futebol, a festa nacional foi anulada, realmente, a maré não tá pra peixe. Não pensava acertar tanto quando soube no dia 15 que um novo atentado tinha manchado de sangue a costa azul.

Não quis ver imagens. Mergulhei na água salgada que de perto tem tons turquesa, e me fiz peixe, buscando o prazer e o a ondulação do corpo. Andei descalça pela fina faixa de areia das praias, tomei sorvete, mergulhei de novo. O Mistral custava a passar, mas todos os banhistas continuaram sofregamente a estar de férias. Corpos bronzeando, se enchendo de sol, pedindo pelo amor de Deus para esquecer um pouco da crise permanente, da tensão subjacente que pulsa nestes últimos meses. Serão anos?

Uma bandeira à meia haste, os eventos culturais suspensos, a manchete de um jornal que a senhora lê na praia, onde uma foto mostra amontoados os cadáveres derrubados pelo caminhão louco. Uma fonte de imprensa afirma que o motorista assassino alegou estar entregando sorvetes na praia, e assim conseguiu passar. Continuo recusando as imagens, mesmo aquelas projetadas na imaginação. Meu filho me diz que um de seus colegas perdeu seu amigo de 18 anos no calçadão de Nice. Fica mais difícil mergulhar no azul do mar, fingir que não aconteceu isto, mas ainda preciso de um tempo para poder encarar.

Chegando em Marseille, vejo os títulos estampados nas capas de revista. Como fazer face? Como viver com o medo? E o futuro depois de Nice? E por que Nice? Boa pergunta. Além de ser um símbolo do luxo e do charme franceses, além de ser uma fonte de renda através do turismo, além da força de uma ataque em plenas férias e no dia da festa nacional, a cidade de Nice com seus hotéis de luxo e palmeiras esvoaçantes à beira-mar é um antro de radicalização. Segundo maior foco depois da periferia de Paris. Desde o início de 2016, 55 pessoas foram para a Síria aprender à combater. E descubro a figura de um certo Omar Diaby, um recrutador de almas para o Djihad. Nascido no Senegal, crescido na periferia de Nice chamada l’Ariane, considerado pelos serviços secretos como figura muito perigosa, autor de vídeos muito populares no YouTube, um mestre de propaganda.E eu me pergunto: qual é a satisfação que um cara destes encontra ao convencer 11 pessoas de uma mesma família a partir para a Síria?

E como conseqüência: Nice fica nos Alpes Marítimos, uma das regiões que quase foi conquistada pelo Front Nacional, partido de extrema direita, nas últimas eleições regionais. Imaginem agora, depois do ataque. É tão mais rápido o fogo do ódio que a lenta construção da paz.

O céu continua azul e o mar salgado. Ali no fundo, além do cobiçado petróleo, está o silêncio e a profundidade a que almejamos. Tão difícil de alcançar.


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