A blitzkrieg de Brasília

Michel Temer se aproveita do vazio deixado pela Constituição - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Michel Temer se aproveita do vazio deixado pela Constituição – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Aproveitando-se do vazio oferecido pela Constituição de 1988, que não detalhou o que um governo provisório pode e o que não pode fazer enquanto o governo legítimo está suspenso por até 180 dias e o processo de impeachment é julgado – uma situação que o Brasil enfrenta pela primeira vez na história – o presidente interino Michel Temer, que a conhece muito bem e sabe que ela é omissa a respeito, está empregando, guardadas as devidas proporções, uma tática semelhante à da blitzkrieg utilizada pela Alemanha nazista no início da Segunda Guerra Mundial na ocupação de países vizinhos para se apoderar rapidamente das principais posições do governo anterior e estabelecer, à força, um fato consumado antes do julgamento final pelo Senado, confirmando a tese do golpe que teima em admitir.

É fácil perceber que estão presentes nas ações de Temer os mesmos três elementos essenciais da guerra relâmpago concebida pelo general nazista Erich von Manstein: o efeito-surpresa, a rapidez da manobra e a brutalidade do ataque, e seus objetivos principais – tal como naquela época – são a desmoralização do inimigo e a desorganização de suas forças (paralisando seus centros de controle).

 O efeito desejado pela guerra-relâmpago só pode ser obtido pela utilização coordenada da infantaria, dos blindados e da aviação, que agem conjuntamente para “perfurar” as linhas inimigas em um ponto de ruptura.

Copiando esses princípios,  Temer usou a infantaria para aprovar no Congresso, na calada da noite, sem nenhuma discussão, um déficit orçamentário duas vezes maior; movimentando os blindados, desmontou ministérios, secretarias, departamentos, apoderou-se do Fundo Soberano sob pretexto de que era mixo (apenas R$2 bilhões), ameaça tomar 100 bilhões do BNDES, o que é proibido por lei, estabeleceu novas diretrizes econômicas de cima para baixo, sem discuti-las com a sociedade, investiu contra as principais conquistas sociais, demitiu funcionários em postos-chave, sejam do mais alto escalão, como o presidente da EBC, sem respeitar seu mandato de quatro anos ou de escalões inferiores, como o garçom da presidência da República, e mantém a aviação na vigilância aos protestos cada vez mais encorpados, no intuito de passar a ideia de que está no controle da situação.

Todo “atrito” com as forças inimigas deveria ser evitado, ensinava o general Manstein. Detectado um foco de resistência, ele era imediatamente cercado, suas comunicações interrompidas (o que dificultava a tomada de decisões e a transmissão de ordens) e o resto das tropas de ataque continuava seu avanço ao interior do campo inimigo o mais rapidamente possível. O foco de resistência era destruído mais tarde pelas forças de infantaria que seguiam o ataque surpresa.

Para enfrentar os focos de resistência, que se formaram muito mais rapidamente nas ruas do que no Congresso Nacional e consistem nas passeatas, na ocupação de escolas secundárias, universidades, ministérios, órgãos de ministérios, ruas, praças, em todo o país, Temer convocou para o seu exército dois expoentes da linha dura, expressão ausente dos dicionários brasileiros desde o fim da ditadura de 64.

Um deles é o general Sergio Etchegoyen, cujo papel, a curto prazo, dada a sua vocação repressora e anticomunista, é o de vigiar e espionar os movimentos sociais do campo e da cidade, os grupos de esquerda formados por intelectuais e artistas e até mesmo o Palácio da Alvorada, monitorando as visitas à presidente afastada, Dilma Rousseff e, a médio prazo, se esse governo permanecer, recriar o nefando SNI do general Golbery, um grande arquivo que fichava e monitorava a movimentação de todos os opositores aos governos militares, permitindo a sua rápida localização e, na sequência, prisão, interrogatório e tortura.

Para comandar as operações de campo Temer conta com um civil de extrema-direita egresso da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, chamado Alexandre de Moraes. Alojado estrategicamente no Ministério da Justiça, seu currículo, forjado na repressão às manifestações estudantis, não deixa dúvidas a respeito de suas verdadeiras tarefas.

Sua primeira missão consistiu em acionar a Polícia Militar paulista para estabelecer um cordão de isolamento em torno da casa de Temer em São Paulo, denominado área de segurança nacional quando o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto montou um acampamento nas imediações, reprimido violentamente na mesma noite em que surgiu pela PM que Moraes comandava e que agora está sob o comando do sucessor que indicou.

Graças à blitzkrieg, ao seu poderio militar superior e ao despreparo das forças armadas dos países invadidos, a Wehrmacht conseguiu, em pouco mais de um mês, derrotar a Polônia, a Inglaterra e a França: colunas maciças de carros de combate romperam através das estáticas linhas inimigas e avançaram profundamente no coração do território dos oponentes, enquanto a força aérea alemã (Luftwaffe) destruía as linhas de comunicação, o poderio aéreo inimigo, as suas indústrias-chave e outros objetivos militares, abrindo caminho para a invasão terrestre. Os resultados foram avassaladores. No entanto, a tática começou a mostrar seus limites a partir de 1942, pois a guerra-relâmpago só era aplicável com êxito em teatros de operação reduzidos e de curta duração.

Tal como então, a classe política brasileira, que ficou perplexa no primeiro momento, surpreendida pela entrada em cena avassaladora, confiando numa transição civilizada e democrática, o que permitiu o avanço das tropas de Temer, embora não disponha de blindados e de aviação, mas só da infantaria, começa a tentar reverter a situação, já dramática, na Justiça.

Um leque de partidos de oposição liderado pelo PT questiona no STF se um governo provisório pode realizar mudanças tão profundas na estrutura do estado, já que paira sobre ele a sombra de um governo que está suspenso, mas não acabou, e que, em tese, tem 50% de chance de voltar.

Trata-se de um teste para a democracia.

Se os ministros do STF aceitarem a tese de que devem intervir a fim de ser preenchido esse vazio constitucional e brecarem essa invasão de bárbaros, que só fez aumentar o confronto, restabelecendo os princípios civilizatórios, saberemos que a luta pela derrubada da ditadura militar não foi em vão.

Se eles se omitirem, permitindo a continuação da blitzkrieg de Brasília será um sinal de que os princípios democráticos foram relegados a segundo plano e aquele tapa na mesa de Temer, para enfatizar que sabia lidar com bandidos, terá tudo para virar um  grande tapa na cara da nação brasileira.

 


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