Na entrevista de hoje, em que negou que vá renunciar ou virar delator, Eduardo Cunha afrontou mais uma vez o STF, a maior corte do país, onde já é réu num dos processos a que responde, ao classificar de “absurdo” o pedido de prisão que o Procurador Geral da República encaminhou ao Supremo e que ainda não foi analisado pelo ministro Teori Zavaski.
A demora, que completa um mês depois de amanhã, além de desconcertante, por não haver motivo que a justifique, embute a suspeita de que o poder de Cunha é maior do que se supõe e permite que a Câmara dos Deputados continue acéfala, à deriva, comandada de forma oculta por um réu que não permite o seu funcionamento normal, pois não aceita nem a eleição de seu sucessor e nem mesmo a posse de seu suplente.
No seu estilo habitual – agressivo e desafiador – Cunha partiu para o ataque, colocando-se na posição de vítima inocente de perseguição:
“Quero falar sobre o absurdo do pedido de prisão. Mostrando sua seletividade, o procurador-geral da República apresentou o pedido de prisão baseado em três pontos: o ato da Mesa [da Câmara] que conservou prerrogativas [do cargo], supostas nomeações no governo Temer e uma entrevista na qual falei que iria frequentar a Câmara”.
É claro que o pedido de prisão não foi tão bisonho e simplista como Cunha quis dar a entender.
Nas 39 páginas da Ação Cautelar, Janot provou cabalmente como Cunha continua a influenciar as decisões da Mesa Diretora da Câmara, comandar sua tropa de choque, obstruir investigações e fazer indicações no governo Temer, inclusive a do líder do governo André Moura, outro envolvido em ações penais no STF, uma delas por suspeita de homicídio.
Com isso, em vez de se defender, Cunha forneceu mais um argumento para o STF atender à Ação Cautelar, que ainda não foi ignorada como ocorreu com os pedidos de prisão de Renan, Sarney e Jucá, pois a prisão preventiva, em caso de descumprimento da decisão do Supremo está prevista no artigo 282, § 4° do Código de Processo Penal, tal como mostra Janot:
“… conforme demonstrado acima, a medida caute1ar de afastamento vem se mostrando ineficaz para o cessamento das ilicitudes praticadas pelo Deputado EDUARD O CUNHA. Isso se deve em grande parte pelo fato de CUNHA ainda exercer de fato o poder que ostenta em razão de sua condição de Presidente da Câmara. Deveras, o Ato da Mesa que pretendeu regulamentar o afastamento de CUNHA do exercício do cargo tem claramente o desiderato de esvaziar os efeitos da r. Decisão do STF, conforme destacado no tópico anterior. Por óbvio que esse ato demonstra a clara intenção de não dar cumprimento a r. Decisão do STF. Além disso, mesmo na parte que o Ato da Mesa manteve a mínima higidez da decisão judicial, a determinação do STF vem sendo descumprida. De fato, conforme amplamente noticiado, o Deputado EDUARD O CUNHA permanece despachando com correligionários e outros parlamentares na residência oficial como se ali fosse extensão da Câmara dos Deputados. As diversas indicações feitas no atual governo não deixam dúvidas de que o Deputado EDUARDO CUNHA permanece, de fato, no exercício da Presidência da Câmara dos Deputados, o que toma, na prática, a decisão unânime do STF inócua. De acordo com o artigo 282, § 4° do Código de Processo Penal, o Juiz poderá decretar a prisão preventiva no caso de descumprimento de medida cautelar.
Janot pondera que, caso a prisão preventiva seja considerada descabida, há outras medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal tais como:
1) uso de dispositivo pessoal de monitoramento eletrônico (tornozeleira);
2) proibição de contato de qualquer espécie, inclusive por meios remotos (telefone, e-mail, mensagens de texto ou qualquer forma de comunicação), com parlamentares federais e estaduais, Ministros de Estado, servidores da Câmara dos Deputados e qualquer investigado ou réu na Operação Lava Jato ou em algum dos seus desmembramentos;
3) proibição de ingresso em quaisquer repartições públicas, em especial o Congresso Nacional, salvo como uso de servi90 certo e determinado ou para o exercício de direito individual desde que comunicado previamente a essa Corte;
4) recolhimento domiciliar no período de funcionamento da Câmara dos Deputados, de segunda a sex ta-feira, das 8hOO às 22hOO;
5) proibição de ausentar-se do país sem prévia comunicação ao Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Relator da AC 4170, devendo para tanto entregar seu passaporte em juízo;
6) caso não seja acolhido pedido contido no item b.6, requer, ao menos, o recolhimento do passaporte diplomático do Deputado e de seus familiares, visto que a utiliza9ăo deste é prerrogativa inerente ao exercício do mandato parlamentar que ora se encontra suspenso por decisão do STF.
Janot pede também a suspensão de outras prerrogativas e a convocação do suplente de Cunha, cuja vaga na bancada carioca ainda não foi ocupada:
Requer, ainda, independentemente da decretação dos pedidos cautelares nas alíneas “a” e “b” acima, enquanto durar o afastamento do exercício do mandato, a SUSPENSĂO das seguintes prerrogativas inerentes ao exercício do mandato parlamentar e da Presidência da Câmara:
a) uso da residência oficial da Presidência da Câmara dos Deputados;
b) seguran9a pessoal destinada ao Presidente da Câmara dos Deputados;
c) utilização do transporte aéreo e terrestre oficiais
d) utilização dos servidores públicos da Câmara dos Deputados, visto que estes só devem atuar em assuntos relativos ao exercício do mandato, o qual se encontra suspenso;
e) convocação do suplente do Deputado Eduardo Cunha, a fim de reequilibrar a representatividade do Estado do Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados, que se encontra desfalcada em virtude do afastamento do requerido.
Se o STF não atender ao Procurador Geral da República nessa queda de braço com um dos políticos mais nefastos que o país já teve aumentará ainda mais a descrença na Justiça brasileira que tarda, falha e agride à ética mais elementar.
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