Essa acusação de obstrução de justiça que arrumaram contra Lula e que o transformou em réu é muito semelhante à acusação de impeachment que arrumaram contra Dilma. Como dizia um imitador do Padre Quevedo: “Non existe”!
É tudo muito esquisito, para dizer o mínimo. O termo “obstrução de justiça” não existe no Código Penal nem no Código de Processo Penal, o que existe de fato, são os chamados “Crimes contra a Administração da Justiça” (Art. 338 – Art. 359) que são os seguintes (me perdoem por reproduzir essas leis na íntegra, mas peço que leiam porque não quero passar por mentiroso):
Art. 338 – Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena.
Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º – A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
§ 2º – A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.
Comunicação falsa de crime ou de contravenção
Art. 340 – Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Auto-acusação falsa
Art. 341 – Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
Falso testemunho ou falsa perícia
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
§ 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.
§ 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.
Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:
Pena – reclusão, de três a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.
Art. 344 – Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único – Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Art. 346 – Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Fraude processual
Art. 347 – Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único – Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.
Favorecimento pessoal
Art. 348 – Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa.
§ 1º – Se ao crime não é cominada pena de reclusão:
Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, e multa.
§ 2º – Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena.
Favorecimento real
Art. 349 – Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa.
Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (LEI 12.012 DE 2009)
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Exercício arbitrário ou abuso de poder
Art. 350 – Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder:
Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano.
Parágrafo único – Na mesma pena incorre o funcionário que:
I – ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança;
II – prolonga a execução de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de executar imediatamente a ordem de liberdade;
III – submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
IV – efetua, com abuso de poder, qualquer diligência.
Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança
Art. 351 – Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º – Se o crime é praticado a mão armada, ou por mais de uma pessoa, ou mediante arrombamento, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 2º – Se há emprego de violência contra pessoa, aplica-se também a pena correspondente à violência.
§ 3º – A pena é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, se o crime é praticado por pessoa sob cuja custódia ou guarda está o preso ou o internado.
§ 4º – No caso de culpa do funcionário incumbido da custódia ou guarda, aplica-se a pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Evasão mediante violência contra a pessoa
Art. 352 – Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a (um) ano, além da pena correspondente à violência.
Arrebatamento de preso
Art. 353 – Arrebatar preso, a fim de maltratá-lo, do poder de quem o tenha sob custódia ou guarda:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, além da pena correspondente à violência.
Motim de presos
Art. 354 – Amotinarem-se presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da pena correspondente à violência.
Patrocínio infiel
Art. 355 – Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.
Patrocínio simultâneo ou tergiversação
Parágrafo único – Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.
Sonegação de papel ou objeto de valor probatório
Art. 356 – Inutilizar, total ou parcialmente, ou deixar de restituir autos, documento ou objeto de valor probatório, que recebeu na qualidade de advogado ou procurador:
Pena – detenção, de 6 (seis) a 3 (três) anos, e multa.
Exploração de prestígio
Art. 357 – Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único – As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.
Violência ou fraude em arrematação judicial
Art. 358 – Impedir, perturbar ou fraudar arrematação judicial; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem:
Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito
Art. 359 – Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
Está claro que o que Delcídio atribui a Lula – ter pedido para ele ajudar Cerverò a fim de que este não os delatasse – não se enquadra em nenhum desses artigos.
Mas não é só. Os juristas divergem a respeito de obstrução de justiça, e nem a consideram crime, leiam o que diz André Kehdi, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais:
“Jamais há crime sem tipificação. Obstruir a justiça é um fato, e tem que ver se ele se encaixa em algum crime previsto. Se não se encaixar, pode ser imoral, abjeto, mas crime não é”.
O criminalista Rogério Taffarello confirma que crime com esse nome não existe no ordenamento juridico brasileiro, e mais parece “coisa de seriado norte-americano”.
O procurador da República Rodrigo de Grandis afirma que “o que tem sido chamado de obstrução à justiça é o crime do artigo 2, parágrafo primeiro, da Lei 12.850/13”:
Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
Isso também não se enquadra no que Lula teria feito, de acordo com a delação de Delcídio, que é a seguinte:
(,,) o depoente manteve contato com o ex-presidente Lula na sede do Instituto Lula, provavelmente em meados de maio de 2015.
Naquela ocasião, Lula manifestou grande preocupação com a situação de José Carlos Bumlai em relação às investigações do Caso Lava Jato.
Lula expressou que José Carlos Bumlai poderia ser preso em razão das colaborações premiadas que estavam vindo à tona, particularmente de Fernando Baiano e de Nestor Cerverò e que, por conta disso, José Carlos Bumlai precisava ser ajudado.
Lula certamente chamou o depoente para tal diálogo porque sabia que este era ligado a Nestor Cerverò, além de ser do mesmo estado da família Bumlai e que, portanto, ao ajudar as famílias Cerverò e Bumlai estaria contribuindo para salvaguardá-las e a ele próprio, Lula.
O depoente, então, afirmou que possuía afinidade com Maurício Bumlai, de modo que buscaria conversar com este último.
O depoente, em seguida, chamou Maurício Bumlai em um domingo do mês de maio, ocasião, momento em que transmitiu o recado e as preocupações de Lula.
Durante essa conversa, o depoente disse a Maurício Bumlai sobre a situação financeira da família de Nestor Cerverò.
O depoente pode dizer que o pedido de Lula para auxiliar José Carlos Bumlai, no contexto de “segurar” as delações de Nestor Cerverò certamente visaria o silêncio deste último e o custeio financeiro de sua família, fato este que era de interesse de Lula.
O depoente considera, então, que havia uma “chantagem explícita”, realizada inicialmente sobre o depoente e, em seguida, sobre a família Bumlai, por meio da qual deveria ser prestada ajuda financeira à família Cerverò para viabilizar o silêncio de Nestor Cerverò e assim favorecer não apenas José Carlos Bumlai, como também o próprio Lula.
A bem da verdade, nem mesmo a gravação que o filho de Cerverò fez com Delcídio e que o levou à cadeia e a perder o mandato de senador é suficiente para ter causado esse estrago todo Ele poderia ter sido enquadrado no artigo 351 Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva.
Ainda assim é muita forçação de barra dizer que ele “promoveu ou facilitou fuga de pessoa legalmente presa”, pois não fez nada além de gargantear bravatas, em bom português. Não promoveu nem facilitou, pois a pessoa não fugiu.
A gravação que o incriminou é confusa, Delcídio faz algumas intervenções, dá a impressão de ser um coadjuvante e não o mentor da suposta fuga.
Além disso, ele diz que vai fazer alguma coisa – “eu vou falar com o Toffoli… eu vou falar com o Gilmar… eu vou falar com o Renan” – não que ele fez, ou seja, ele não cometeu a obstrução de que foi acusado. Uma coisa é alguém dizer “ah, eu tenho intenção de matar fulano”, e não matá-lo e outra, muito diferente é dizer “ah, eu matei fulano” e realmente ter matado.
Não entendo como os doutos juízes do STF viram fundamento nessa gravação para acabar com a carreira política de Delcídio, ainda mais porque é até difícil entender quem diz o que, a qualidade da gravação é sofrível. Do que pude ouvir, os diálogos eram mais ou menos os seguintes:
Delcídio: Eu acho que nós temos que centrar fogo no STF. Eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi para o Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel conversou com Gilmar também, porque o Michel se dá bem com o Gilmar e eu vou conversar com o Gilmar também. Porque o Gilmar oscila muito, uma hora ele está assim, outra hora ele está ruim. E eu sou um dos poucos caras que conversa com…
Edson Ribeiro: Com o Gilmar?
Delcídio: Não, eu acho que o Renan conversaria bem com ele…
Edson Ribeiro: Então seria bom falar com Renan.
Delcídio: Eu vou falar com o Renan hoje. O foco é tirar ele. Agora, a hora que ele sair…
Bernardo: Eu até pensei em ir pela Venezuela…mas acho que ele se sair vai sair com tornozeleira… tem que tirar a tornozeleira… o melhor seria um barco…eu acho que aí ele chega na Espanha…e até a Venezuela chegar de barco…
Delcídio: Não, não…
Bernardo: Tem um pessoa que faz, cara…eu conheço um cara que trouxe um veleiro agora…
Delcídio: A melhor saída é pelo Paraguai…
Diogo Ferreira: Mas aí tem Mercosul… o pessoal tem convenções com o Mercosul…
Edson Ribeiro: Atravessa o Paraguai e vai embora…eu já vi muita gente sair assim… mas tem convênio… quando tem passaporte, mesmo o espanhol…
Diogo Ferreira: A Venezuela não está no Mercosul… a informação é um pouco mais demorada…
Edson Ribeiro: Quanto você mais dificultar, melhor…
Delcídio: Mas ele vai estar de tornozeleira…
Bernardo: Tem que tirar a tornozeleira… ou a gente conseguir alguém que…
Edson Ribeiro: O ideal seria… ele sai, tranquilo, se o Moro vir com uma nova preventiva, sem motivo nenhum eu entro com uma reclamação no Supremo…
Diogo Ferreira: Tecnicamente o ideal é não fugir agora…
Diogo Ferreira: Você acha que eles estão tentando encaminhar isso pra terminar isso ou não? Tem alguma ideia?
Edson Ribeiro: Tá correndo. Vai entrar em segunda instância agora…não tem efeito suspensivo…esse é o meu medo… qual é? Que o tribunal julgue e não o tire da prisão…
Delcídio: Que tribunal vai julgar?
Edson Ribeiro: No Rio Grande do Sul… esse é que é meu medo…eu vou analisar muito bem a questão esses dias agora, a gente vê o horário, tudo certinho…o que é que dá pra fazer… eu tenho amigos que têm empresa de táxi aéreo… gente bota ele no avião e vai embora…
Bernardo: Esse de pequeno porte eles cruzam?
Diogo Ferreira: Um Citation…
Bernardo: Não, com Citation tem que parar no meio…
Edson Ribeiro: Com Falcon 50 vai direto até lá…
Ou seja: toda essa história é muito estranha. Tanto a prisão de Delcídio quanto agora a transformação de Lula em réu por causa da sua delação.
Tem mais a ver com o desejo de liquidar com a carreira política de Lula do que fazer justiça.
É o impeachment do Lula.
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