Bo, o primeiro-cachorro

Acabou-se a novela que angustiava os americanos. A família Obama finalmente recebeu seu cachorro. O primeiro-cão é Bo, um Portuguese Water Dog. O animal, na minha modesta opinião, parece um anão de Velázquez. Cabeçudo, pernas curtas e grossas, poderia estar no quadro Las meninas, acompanhando Malia e Sasha – as primeiras-filhas – ao estúdio do pintor oficial da Casa Branca. É verdade que o novo inquilino da residência presidencial ainda é um filhotinho e pode mudar. O que me faz lembrar de uma história que meu pai contava. Logo depois de meu nascimento, o velho encontrou um amigo na rua e orgulhoso disse:

– Nasceu meu filho. Um garotão que é a minha cara.
Ao que o amigo respondeu: – Não se desespere: com o tempo pode ser que ele melhore.

Assim, pode ser que o Bo melhore com a idade. Mas pelo que vejo nas fotos, ele terá a mesma fortuna que eu tive. Continuo com a mesma fisionomia, só um pouco mais gordo, enrugado e careca.
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O assunto primeiro-cão, para mim, morreria com essas primeiras impressões, não fosse a ignorância absurda de meus concidadãos americanos. Logo na estreia do bicho nos gramados da Casa Branca, um vizinho meu veio perguntar detalhes sobre essa raça. A princípio, achei que a suposição de minha expertise no assunto se devesse ao fato de eu ser jornalista. A turma acha que jornalista entende das coisas, o que não poderia estar mais longe da verdade. Confessei a meu curioso interlocutor total desconhecimento do assunto. Ao que recebi às ventas a pergunta: “Mas você não fala português?”

Ou seja: o cachorro tem português no nome, o que é indicativo de que nós – brasileiros, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, bissanenses, açorianos, indianos de Goa, chineses de Macau, e, claro, os nascidos em Portugal – temos uma mão na invenção da raça.

Depois dessa consulta, venho recebendo outras semelhantes todos os dias. No princípio expliquei que a única raça de cães originária do Brasil é o Fila Brasileiro. Depois, cansado dessa bobageira, resolvi criar uma história. Comecei já pegando pesado:

– O Portuguese Water Dog foi criado para pescar piranhas no Rio Amazonas. Com o pelo grosso e crespo, livra-se das dentadas dos peixes assassinos. (Poucas criaturas são tão fascinantes aos americanos do que as piranhas. Fazem um sucesso danado em qualquer lorota.) Aponto as dimensões da cabeçorra da adorável béstia como defesa que dificultaria o engolimento do portador por cobras jibóias. Esse extraordinário bichinho, apesar do raciocínio um tanto lerdo, é sentimental e capaz de chorar ao ouvir música típica ribeirinha chamada fado. O cão foi transformado em mascote de vários times de futebol, entre eles o Vasco da Gama, Portuguesa Santista e Portuguesa de Desportos.

Lembro também que os Obama terão muito trabalho com Bo, que foi geneticamente moldado para entender apenas comandos em português. O que obrigou a Casa Branca a contratar uma tradutora: dona Maria da Conceição Tavares, uma índia marajoara-morruga que entende tudo de Portuguese Water Dog e Economia, o que lhe dá valor agregado como funcionária nestes tempos de crise financeira.

Até agora, a história está fazendo tanto sucesso quanto o próprio Bo.


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