O sambalanço eletrificado de Orlandivo

Orlandivo-João-Donato

Ele compôs mais de 200 canções, que foram gravadas por artistas do calibre de, entre outros, Jorge Ben Jor, Dóris Monteiro, Wilson Simonal, Claudette Soares, João Donato, Elza Soares e Ângela Maria. Entre essas duas centenas de músicas, estão clássicos, como Tamanco No Samba, Bolinha de Sabão, Samba Toff e Onde Anda o Meu Amor. A despeito de todos esses predicados, Orlandivo, o Rei do Sambalanço, segue praticamente anônimo para o grande público.

Catarinense de Itajaí, depois de um breve período em São Paulo, ele foi morar com a família no Rio de Janeiro, aos 9 anos. Três anos antes, travou contato com o primeiro instrumento musical, uma gaita dada pelo pai, que rodava o País e a Europa em navios da Marinha Mercante – segundo ele, deve ter vindo daí seu nome incomum, provavelmente, uma corruptela de Orlandini, visto que o pai fazia viagens frequentes à Itália.

Ao longo de 12 anos, depois que seus pais se separaram, Orlandivo morou no hotel Rio Minas, na Praça Mauá, tendo como “quintal” a zona portuária do Rio de Janeiro. Na adolescência, trabalhou como baleiro em um cinema no centro do Rio. Foi nesse período que conheceu o amigo Paulo Silvino e com ele compôs seus primeiros sambas Cinderela, João e Maria e Saudade Dói Demais. Em 1958, duas canções de sua autoria, Vem Pro Samba e H2O, foram gravadas pelo cantor Roberto Carreira. Depois de romper parceria com Silvino, conheceu Roberto Jorge, numa roda de samba no bairro do Peixoto, em Niterói. Jorge passou a ser seu fiel escudeiro na composição de sambas que o consagraria no começo dos anos 1960. Além dele, os amigos Hélton Menezes, Durval “Gato” Ferreira, líder do combo de samba-jazz Os Gatos, e o organista Celso Murilo foram também parceiros regulares de Orlandivo.  

Entre 1961 e 1962 – período em que ele também reinou como crooner no mítico conjunto do organista Ed Lincoln –, acrescentando um N ao nome, Orlanndivo lançou pelo selo Musidisc um compacto duplo e seu álbum de estreia A Chave do Sucesso (ouça Onde Anda o Meu Amor). Rapidamente conquistou respeito e admiração de inúmeros fãs e também de seus pares musicais. Em 1962, revelou Orlandivo décadas mais tarde, o aspirante a cantor que, então, assinava apenas Jorge Ben o procurou para convidá-lo a gravar Mas, Que Nada!. Considerando um desperdício, Orlandivo recusou o convite e sugeriu a Jorge que aguardasse o momento exato para ele mesmo gravá-la. Um ano depois de Mas, Que Nada! emplacar um sucesso arrebatador no País e começar a escalar as paradas internacionais, no terceiro álbum Ben é Samba Bom, o Babulina prestou tributo a Orlandivo e gravou, dele e de Roberto Jorge, Onde Anda Meu Amor. O jeito peculiar, manhoso e malandro, de Orlandivo cantar, assim como o cruzamento de samba com  bossa nova, característico do sambalanço, certamente, foi grande influência para Jorge compor a obra-prima Samba Esquema Novo (1963) e definir seu personalíssimo estilo inicial, impregnado de arranjos de samba-jazz. Outra particularidade de Orlandivo estampa a capa de seu primeiro disco – no título e na ilustração de uma chave preta. Percussionista, ele ficou famoso entre os músicos do Beco das Garrafas e em outras cercanias boêmias do Rio por utilizar um molho de chaves como instrumento, fato esclarecido na faixa que dá título a seu primeiro disco (ouça A Chave do Sucesso).

O grande sucesso feito por Orlandivo a partir de 1962 o levou lançar mais dois discos solo, Orlan Divo (1964) e Samba em Paralelo (1965). Além da música, ele enveredou pela TV, ao integrar o elenco de programas dos anos 1960 e 1970 como Balança, Mas Não Cai, Faça Amor Não Faça Guerra e o Chico Anísio Show, na extinta TV Tupi.
  

O cantor e compositor Orlandivo em foto reproduzida na capa de seu segundo álbum de 1963. Foto: Reprodução / Musidisc
O cantor e compositor Orlandivo em foto reproduzida na capa de seu segundo álbum, de 1963, quando o músico ainda assinava Orlann Divo. Foto: Reprodução / Musidisc

Depois de um hiato de 12 anos, em 1977, evidenciando que quem é rei não perde a majestade, o monarca do sambalanço fez sua volta triunfal ao lançar o álbum Orlandivo com João Donato. Como o próprio título antecipa, o disco é impregnado da presença luminar do pianista – no comando de uma usina de teclados: piano elétrico, sintetizador, órgão, e o Clavinet, instrumento popularizado por Stevie Wonder, com o riff de Supersticious (veja o músico tocando o clássico no Soul Train). Além das texturas elétricas e eletrônicas de um Donato inspiradíssimo, os arranjos escritos pelo acriano ainda contam com um time da pesadíssima. A poderosa cozinha, que atribui ao disco um irresistível apelo dançante, é a mesma do Azymuth, o baixista Alex Malheiros e o baterista Ivan “Conti” Mamão – o disco também tem participações do baixista Airton Barbosa. Engordando graves e batuques, Hélcio Milito, Chico Batera, Hermes e Ariovaldo assumiram a percussão. Além deles, os ritmistas Antenor (surdo), No (cuíca) e Geraldo Bongô (obviamente, bongô) também engrossam o caldo sonoro. No violão e guitarra, respectivamente, o parceiro Durval e Zé Menezes. O grande Sivuca também enriquece o elenco do disco, que ainda traz os flautistas Geraldo e Copinha. Além deles, canções como Gueri-Gueri trazem o irresistível coro feminino das cantoras Luna e Suzana.    

Entre as faixas do disco, produzido com esmero pelo próprio Orlandivo, estão três clássicos dele com Durval, Tudo Jóia, a supracitada Gueri-Gueri e Um Abraço no Bengil, dupla homenagem a Jorge Ben e Gilberto Gil. Além delas, Durval e Orlandivo dividem outras duas composições, Juazeiro e Disse me Disse, com ninguém menos que Chico Anysio – à época fazendo grande sucesso com a dupla Baiano e os Novos Caetanos, composta por ele e o amigo Arnaud Rodrigues. A contribuição de Chico talvez tenha ocorrido pelo generoso “empurrãozinho” dado por Orlandivo ao compor, com Arnaud, Vô Batê Pá Tu, o maior sucesso da dupla que parodiava o hippismo dos Doces Bárbaros e lançou em 1974 um álbum imperdível. Outros três sucessos de Orlandivo são revisitados, ou melhor, reinventados por Donato: Onde Anda o Meu Amor, Bolinha de Sabão (parceria com Adilson Azevedo) e Palladium (feita com Ed Lincoln, que também registrou uma versão instrumental cultuada por DJ’s do mundo todo).   

Em 2006, Orlandivo lançou o CD Sambaflex, pelo selo Deck Disc, com produção de Henrique Cazes. Nele, novamente revisita seus grandes clássicos. Quatro anos mais tarde, o designer e produtor carioca Marcus Wagner  incentivou o Rei do Balanço a revisitar os bailes históricos que fez com Ed Lincoln no começo dos anos 1960 e promoveu duas temporadas quinzenais do Baile Sambablin.  Um sucesso.

Na contracapa de Orlandivo Com João Donato, Chico Anysio enaltece o amigo no texto de apresentação: “Ele está aqui, de volta, mais jovem do que quando mais moço, mais experiente, sabendo bem mais das coisas com aquele molho e aquele balanço que o ajudaram a criar um estilo seu. Orlandivo canta simples e fácil, tão simples que parece ser fácil cantar, tão fácil que nos anima a também tentar. Ai, porém, de quem quiser imitá-lo. Não, meu irmãozinho! Orlandivo é ele, pessoal, particular, intransferível, vivo, malandro, pilantra, chato de tão afinado, safado de tantas mumunhas e gueri-gueris”. Chico finaliza, reverente: “Obrigado, Divo! A gente estava precisando de você”.

Ouça a íntegra desse memorável encontro de gigantes e conclua que você também estava precisando conhecer o sambalanço de Orlandivo.    

Boas audições e até a próxima Quintessência! 


Comments

Uma resposta para “O sambalanço eletrificado de Orlandivo”

  1. Avatar de reginaceliabarbosasoares
    reginaceliabarbosasoares

    eu fui criada com todas as suas musicas e de sonia delfino ganhei um pianinho depois aprendi a fazer bolinha de sabao ganhei a boneca que falava e conheci o desenho da luluzinha aprendi a cortar meu cabelo igual do roberto carlos e tambem a escutar todas as musicas dele e assistir todos os filmes tambem 300 km por hora foi o melhor. a parte pior foi nao ter conhecido a minha intentidade como tomar tiro de pistola de feijao ate colocar fogo na ponta do meu cabelo pelo meu irmao agora estou sofrendo com tudo isso nao sabia que os meus pais nao eram meus pais biologicos beijos

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