A cada milágrimas sai um milagre

Foto: FMagalhães
Foto: FMagalhães

Eu queria agradecer ao Itamar Assumpção e Alice Ruiz pelos versos que peguei emprestado para o título e, se tudo der certo, usarei novamente no fechamento desta crônica.

Eu queria agradecer também aos meus pais, que me pariram e que ainda continuam a me formar. Aos faunos, ninfas e querubins, porque eu acredito nas bruxas, mas que elas não existem, elas não existem! Ao Miguel de Cervantes, por me ensinar as virtudes de um anti-herói. Ao Yoga, que me ajuda a segurar a onda, entre tsunamis e calmarias. Ao silêncio.

Eu queria agradecer aos meus filhos, e junto deles, à consciência da finitude, a minha própria e a do planeta. O aquecimento global fez descer goela abaixo a perspectiva real de que se mudanças de cultura não ocorrerem, a humanidade desaparecerá. Sobrarão insetos, vermes, urubus, alguns roedores e arbustos retorcidos. O homo sapiens canibal – como se a história das guerras e genocídios, por si só, já não fosse suficiente evidência desse macabro destino.

Eu queria dizer que se nos anos 1990, tivesse optado por construir a carreira de político profissional, certamente teria tido a carteirinha do PT. E provavelmente teria abandonado o partido, como fizeram, entre outros, Eduardo Jorge, Fernando Gabeira e Luiza Erundina, há muito tempo atrás.

Eu queria soltar aquela de esquerda: Um ator pornográfico, metido a consultor, perguntou ao Ministro da Educação se arroz era com s ou com z, o Ministro respondeu que na casa dele era com feijão.

Eu queria mandar também, por uma questão de equidistância, aquela de direita: Nunca vi tantos olhares patrulhadores, atentos em identificar coxinhas, escondidinhos e outros quitutes da intolerância. Ocorreu-me uma boa ideia para a Reforma Política, um decreto presidencial determinando que a partir de tal data, digamos 24 de agosto, sejam definidos como “de esquerda” todos os brasileiros canhotos. Os “de direita”, lógico, todos os destros.

Eu também queria tratar, se desse, do fato de que o Rei está nu. Da ambiência, que dissociada da essência vira espuma. Da caça dos pokemons e das semelhanças com a garimpagem de pedras alucinatórias, que os nóias são obrigados a fazer. Do crack e do prozac. Das diferenças entre o pensamento fundamentalista e o pensamento complexo.

Eu queria tudo isso, mas desde a primeira linha, fica latejando na minha cabeça a foto de Omran Daqneesh, 5 anos, sobrevivente de um bombardeio em Aleppo.
O seu rosto brumoso.
O olhar engasgado.

mas se apesar de banal

chorar for inevitável

sinta o gosto do sal

gota a gota, uma a uma

duas três dez cem mil lágrimas

sinta o milagre

a cada milágrimas sai um milagre


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