Chagall, quem te viu e quem te vê

Coluna_Adriana Komives

Foto: Adriana Komives
Foto: Adriana Komives

Entramos assim pelos ares na obra majestosa de Marc Chagall exposta no Museu da Philarmonie de Paris, aquele mesmo aonde semanas atrás fomos escutar os Quartetos de Cordas. Pura maravilha. Nesta primeira sala ficamos sentados, “assistindo” ao desfile do teto da ópera projetado graças a uma tecnologia de reprodução digital em ultra definição, realizada pelo Instituto Cultural da Google. Enquanto o teto gira, escutamos a banda sonora que trabalha trechos das obras musicais às quais Chagall se refere em seus painéis suspensos. Poderíamos ficar horas ali, não fosse a imensidão do que se descortina logo atrás.

Difícil colocar em palavras tanta beleza. Chagall, que nasceu e foi criado em uma família de judeus hassídicos na Bielorússia, queria ter sido cantor ou músico como seu avô, sua mãe, seus irmão e irmãs. Este desejo musical transformou-se em pintura, e daí talvez a impressão profunda de leveza que as suas obras trazem. Leveza e candura. Palavra bonita, candura. Pois é ela que melhor traduz o sentimento de inocência com que Chagall olha o mundo. As criaturas terrestres tornam-se celestes, coabitam anjos e animais, soltos e sem gravidade, flutuando em um inconsciente coletivo de cores primárias, verde, vermelho, amarelo, azul.

Mas ao olharmos os detalhes, para além da infância, percebemos a exatidão displicente com que Chagall domina o uso das cores, trazendo luz e surpresa para os quadros, trabalhando às vezes em filigrana o grau de presença dos personagens, como nos sonhos em que pessoas e coisas aparecem e desvanecem.

Numa frase escrita em uma das paredes da exposição, Chagall cita as 3 mais belas coisas do mundo: a Bíblia, a música de Mozart e o Amor. Sim, o amor cândido de seus casais sempre abraçados, em entendimento perfeito. Chagall amou Bella, sua esposa, com ela atravessou fronteiras, fugiu de guerras, armou cenários em palcos nos Estados Unidos, no México, até que em 1944, ela de repente se foi. As telas de Marc tornaram-se escuras, entraram em luto profundo. Bella se foi! Bella morreu. Marc está agora sozinho.

Mas o seu ofício de artista é a sua missão, é mais necessário do que tudo, ele há de continuar. Em 1945, Chagall realiza o cenário e os costumes do balé de Stravinsky, o Pássaro de Fogo em Nova York. Na década de 60 realizará o teto da Ópera de Paris, os cenários e costumes da Flauta Mágica em Nova York, e os do Ballet Daphnis e Chloé com a música de Ravel, os painéis para o Lincoln Center imensos, cujo nome dá a esta exposição seu titulo: O Triunfo da Música.

Descobrimos na exposição colagens e esculturas do artista, seus poemas também. “Pintei paredes claras/Pintei músicos, bailarinos em cena/De azul, de vermelho, de amarelo/Toquem, dancem, pulem/Vocês faziam o papel do Velho Rei/A mim, vocês me engoliam/Morríamos de rir” (em “De azul, de vermelho, de amarelo” 1930-1935. Poemas de Marc Chagll).Chagall explorou todas as facetas da arte, foi inspirado por todas as musas.

E surgem sereias, e voltam os anjos, os buquês de flores, os corpos de gente com cabeça de animal, os saltimbancos sem gravidade, o rei David, as trombetas dos céus, e os serafins, mensageiros do divino desejo de festejar a Vida, sempre.


Comments

Uma resposta para “Chagall, quem te viu e quem te vê”

  1. Sim. Palavra muito bonita candura. Rima com rapadura e, se for rica rima, com rapadura. Tu voudras manger de la rapadure ma petite? Voilá.

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