Esta coluna não costuma se prestar a isso, mas como as circunstâncias impõem sua força, aí vão duas dicas. Nossa contribuição para o Natal e o Ano-Novo.
Natal:
Passeávamos de carro, eu e Nina, num fim de tarde de domingo. Paramos no trânsito que se forma todo ano, nesta época, ao lado da Árvore de Natal no Parque do Ibirapuera. Muita gente passa por ali, virou tradição.
Um picolé de groselha e outro de coco queimado. “Pai, por que ela ficou tão pequena?”, por causa da crise, respondi, que faz as pessoas reverem o valor que elas dão às coisas. (Quanto vale o Rio Doce?) Uma árvore menor não significa menos emoção.
Embalei num discurso antiganância enquanto imaginava aquela árvore numa versão Bonsai. Vimos um mendigo alisando o hambúrguer de uma foto, na banca de jornal. Enquanto ela fazia suas piruetas, pensei sobre a necessidade de sermos mais econômicos quanto à amplitude que a palavra amor deve assumir. Como amar o próximo assim como amamos a nós mesmos? Devemos respeito a todos, mas não amamos todos. Desde Freud sabemos que esta equação não fecha. Pelo contrário, se nos curvamos ao clamor da tarefa, abrimos uma ferida que pode se tornar incurável: a culpa por não sentirmos aquilo que deveríamos sentir.
Portanto, a primeira dica (para o Natal): se deixarmos o amor no seu devido lugar de intimidade e para poucos (muito variável), amantes, familiares, amigos, ficaremos mais realistas e vários quilos mais leve.
À luz do pôr do sol, ainda brincamos de fugir das pisadas, um do outro, sobre as nossas compridas sombras. Ela ganhou: 9 X 7. Voltamos felizes para casa.
Ano-Novo:
Eu e José Roberto Aguilar, mestre das cores, formas e ideias, por quem a palavra amor (categoria “amigos”) expressa de forma justa meu sentimento, anti-herói dos anti-heróis paga um picolé. O meu de abacate o dele de coco (não queimado).
Olhos no oceano Atlântico, pés na areia da praia, formulamos um pensamento que será nossa segunda dica (para o Ano-Novo): Devemos esquecer a obrigação boba, culturalmente fabricada, da conquista da felicidade o tempo todo. E o ano que vem também. Como se ela fosse um produto a ser adquirido nas prateleiras das lojas e supermercados.
Isto não é possível. Juntando nossas dores pessoais com aquelas que o mundo vem carregando, já temos razões suficientes para reivindicar nosso direito à tristeza, apesar de todo patrulhamento e apelo publicitário (não vejo foto de gente, no facebook, com cara de triste, a compartilhar qualquer ambiguidade ou conflito inerente à condição humana).
A felicidade, como a saúde, é invisível. É suavemente calma e, caprichosa, se esmera na arte de se ocultar. O encanto está nos cantos, nos detalhes, nos processos mais do que nos produtos. Felicidade é, em boa medida, torná-la visível.
Ainda falamos de faunos, botos e sereias, entre os seres imaginários. Aedes aegypti, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, entre os vetores patogênicos.
Pensar a felicidade como a melhor composição possível entre as coisas de fora e as coisas de dentro já é, parece, um bom início.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo.
*Psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, psicoterapeuta e coordenador do Projeto Quixote aurolescher@gmail.com
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