Morrer nada mais é do que uma forma de dormir. Morreu hoje Bárbara Heliodora Carneiro de Mendonça. Foi dormir e encontrar os personagens que habitavam, desde que era muito menina seus sonhos: Hamlet, Othelo, Macbeth.
Nascida Heliodora, mas lhe dão no batizado o nome da santa guerreira. Assim, do personagem da moça bem nascida ela acaba por encarnar uma personagem próxima à heroína e poetisa dos tempos da Inconfidência Mineira.
Heroína de si mesma e guerreira incansável em busca do texto brilhante e de atuações magistrais, Bárbara Heliodora, mais do que a temida crítica, foi um exemplo para jovens focas. Mulher, casou-se duas vezes, estudou fora do Brasil, torcedora fanática do Fluminense, não tinha qualquer temor em manter suas ideias.
E por conta desse destemor, é que aos 9 anos tomei conhecimento da existência de Bárbara Heliodora. Assistíamos a um programa de tv, quando minha mãe observou, “como pode a grande jornalista e maior especialista brasileira em Shakespeare se tornar diretora do Serviço Nacional de Teatro em plena Ditadura?” Mas há mais coisas entre o céu e a terra que possamos imaginar.
E, sem medo de ser feliz, diz Bárbara sobre sua prodigiosa memória e o teatro:” Mas para o teatro desenvolvi memória seletiva. Hoje em dia anulo automaticamente as coisas ruins que vejo”.
Chegava plácida, vestida classicamente, colar de pérolas, carregando a bolsa ao longo do corpo, sapatos sempre fechados, sem qualquer expressão no rosto. Assim conseguia a magistral atuação que apavorava atores, atrizes, autores e diretores. Mas o pânico e o desespero ficavam mesmo por contato dos assessores de imprensa que queriam medir a sua eficiência pelo tom da crítica de Bárbara.
Algumas vezes, fizemos uns poucos debates juntas. Mas o que falar quando estava presente a professora doutora, autora de livros fundamentais, maior especialista no maior de todos os dramaturgos? Resolvi passar a chamá-la de Dame Bárbara, como o título oferecido pela Rainha da Inglaterra às mulheres de grande projeção.
Dame Bárbara, como a santa mandava seus raios certeiros, fazia chover, inventava uma ventania que espantou definitivamente do teatro brasileiro muita coisa ruim. Agora, só podemos dizer Eparrei Bárbara! Vá dormir!
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