É hora de falar em eleições, presidenta

A presidenta afastada Dilma Rousseff participa de ato em Recife - Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
A presidenta afastada Dilma Rousseff participa de ato em Recife – Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Leio na imprensa que a presidenta Dilma cogita fazer uma consulta popular, perguntando aos brasileiros se desejam eleições presidenciais antes de 2018. Ela aproveitaria sua fala diante dos senadores – marcada pelo ritual do impeachment para final de agosto – para prometer que, reconduzida a Presidência, chamará imediatamente um referendo sobre eleições antecipadas.

Leio também que gente importante nos movimentos populares – como João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST – é contra a ideia, porque acredita que falar em eleições enfraquece a defesa do mandato da presidente.

A situação é complicada, cada uma das posições tem prós e contras respeitáveis, mas eu não tenho dúvida que aqueles que defendem a convocação de eleições antecipadas estão corretos, por diferentes razões.

Antes de mais nada, defender a democracia social e política brasileira é mais importante do que apegar-se ao mandato da presidente. Ela não deveria ter sido afastada, mas foi. Temer está no poder, e o projeto de uma sociedade plural e inclusiva corre risco. O Brasil que defende esse projeto não pode ficar paralisado pela esperança de que Dilma volte nos braços do Senado. As chances de que isso aconteça são ínfimas. Assim como é vão esperar que a população se erga em defesa de uma presidente que se tornou tão impopular. Se a proposta de eleições antecipadas tem mais chance de atrair gente ao debate e às ruas, deveria ser lançada imediatamente.

Também me parece óbvio que a solução da crise brasileira requer mais democracia, não menos. 142 milhões de eleitores podem decidir sobre o futuro de Dilma melhor do que 81 senadores. Todos viram como Eduardo Cunha obteve maioria na Câmara para votar a abertura do impeachment. Alguém acha que a votação que irá encerrá-lo no Senado será substancialmente diferente? Acenar com as urnas num ambiente assim viciado é mais do que oportuno. Pode ser eticamente indispensável.

É claro que a chance de Dilma obter os 26 votos de que precisa para sobreviver no Senado são pequenas em qualquer cenário, mas a proposta de consulta popular e eleições lhe dá ao menos uma plataforma política que vá além dela mesma – e ao pedaço do país insatisfeito com o golpe uma palavra de ordem que faça sentido. Gritar simplesmente “Fora Temer” é cada dia mais inútil.

Embora o interino conduza um governo sem méritos e faça tudo que os críticos de Dilma condenavam – ele gasta mais do que orçamento permite, ele nomeia desqualificados por critérios políticos, ele retira do Congresso projetos anticorrupção – goza de boa-vontade infinita entre os formadores de opinião. Malgrado suas limitações pessoais e a ficha suja, Temer é o cara. Ele se tornou indispensável ao projeto conservador de “normalização” econômica e social do Brasil. Não vai se criar contra ele a onda que se criou contra Dilma nem que ele espanque uma mulher e devore uma criança.

Esta semana, ao propor um microplano de Saúde para tirar pobres do SUS – e criar um novo mercado para as operadoras – o ministro Ricardo Barros ajudou a explicitar os contornos do projeto que levou Temer ao poder. Trata-se de reduzir o tamanho do Estado em áreas essenciais, abrindo espaços aos agentes privados e expondo brasileiros vulneráveis às ambições do mercado. A ideia de uma sociedade mais igualitária, capaz de oferecer a todas as crianças serviços e oportunidades semelhantes, vai sendo trocada pela meritocracia dos 20%, aqueles que podem pagar e usufruir, os donos permanentes do país.

Essa recaída privatizante e concentradora não ocorre por uma questão de eficiência ou mesmo de ideologia. A causa é mais mundana. O maior doador individual da campanha política de Barros como deputado federal foi Elon Gomes de Almeida, sócio de um grupo que atua na área de Saúde, o Aliança. Essa é a motivação subterrânea das privatizações no temerato, da energia à educação.

Eduardo Cunha mostrou na quinta-feira que existem diferentes tipos de renúncia. A dele, com direito a lágrimas de crocodilo aprisionado, tem o intuito de evitar a cassação e o julgamento em Curitiba. É mera questão de sobrevivência pessoal. Se Dilma prometesse uma consulta popular e eleições, seria outra espécie de renúncia.

Ela deixaria para trás um mandato legítimo, mas destruído pela trama que levou ao impeachment, e daria oportunidade aos eleitores brasileiros de votar. Com isso, poderiam se livrar nas urnas de um projeto político elitista e desonesto, imposto ao país sem votos e sem pudores, por gente que não consegue vencer eleições há 12 anos, mas ainda assim deseja moldar o Brasil a seus interesses inconfessáveis. A renúncia de Cunha é o fim. A renúncia de Dilma seria um novo começo – senão para ela, para o Brasil dos 80%. 

 


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