Festival Internacional de Parkour, Gaza 2039

Coluna_header_ topo Auro Danny Lecher
Os preparativos para a festa de abertura do primeiro Festival Internacional de Parkour (FIP), amanhã em Gaza, estão a pleno vapor: 10 mil latas de spray de todas as cores para o grafite, toneladas de mantimentos, a parafernália eletrônica das bandas convidadas, mais centenas de outros itens, já estão no porta-aviões Moisés ben Maimom que, ancorado em águas rasas, azuis e mornas do Mediterrâneo, bombordo paralelo à avenida da praia, Al Rasheed, vem servindo como base para o Coletivo Voice of the Peace (CVP), responsável pela complexa produção do evento. Seu enorme convés vazio de aviões e de armas será palco para shows de música, dança e fogos de artifício.

O Brasil estará bem representado no evento: Igor dos Santos, 42 anos, é velho de idade, um pouco rechonchudo, mas jovem de cuca e leve de alma. Ele é um dos pioneiros do Parkour na América do Sul. Desde menino treinava nas quebradas da Vila Nova Madalena, zona sul de São Paulo, até os seus 16 anos e, depois, nas quebradas do presídio de Olimpia nos seguintes 16. Roubara um colar de ouro da vítima com uma arma de brinquedo. Na prisão ganhou notoriedade ao difundir a prática entre seus pares detentos, transbordando os muros ganhou adeptos entre os jovens de vários países da região. Nos últimos 10 anos vem se dedicando às articulações do CVP ao redor do mundo. “Fico muito feliz por fazer parte desta bela festa pela soberania da Autoridade Palestina e de Israel! E para nós, brasileiros, além de tudo, teremos uma surpresa com muito dendê na festa de amanhã!”. Triunfante e enigmático, pede licença à reportagem e corre até o grupo de grafiteiros, que precisava da sua ajuda para a resolução de alguma coisa muito importante, revoluteando ao longo do caminho, duas ou três piruetas compatíveis com a sua idade e sobrepeso.

Pela enorme repercussão no mundo inteiro, mobilizados pelas redes sociais para o primeiro festival, espera-se, além dos 150 ginastas-dançarinos (traceurs) da elite mundial do Parkour, mais de 1 milhão de visitantes que celebrarão a “maior revolução da arte pela paz!”, desabafa Mahmoud Zaim, 28 anos, um dos organizadores e traceur profissional que fez dos escombros de Shejaiya, seu bairro na zona leste de Gaza, cenografia de obstáculos para suas arrojadas acrobacias. Aponta seus finos dedos para os cacos do que havia sido, um dia, o predinho de sua família, do outro lado da avenida, e sem constrangimento pelas lágrimas ou tremor na voz, dedica seu esforço a seu tio, Ibrahim Zaim, que na guerra dos 50 dias, em 2014, saiu ileso de um bombardeio israelense, carregando o nenê Mahmoud, também ileso, no colo. Só sobraram os dois da família.

Guilad Óz, 29 anos, também traceur e membro do Coletivo, explica que os 5 milhões de euros que estão custeando o FIP foram arrecadados em apenas 3 meses pelo Youth Global Funding (organização de jovens – de todas as idades, salienta Guilad – dedicada a arrecadar fundos para eventos relacionados à cultura de paz) entre mais de 10 milhões de micro-doadores espalhados pelos cinco continentes. Guilad é neto de Amós Oz, Nobel de literatura de 2027 e importante pacifista israelense. Ambos,também, tristemente marcados pela mesma guerra que matou a família de Mahmoud, há 25 anos. Shmuel, filho de Amós e pai de Guilad, foi alvo de um foguete Qassam do Hamas que, ao burlar o sofisticado sistema de defesa anti-mísseis de Israel, destruiu a sinagoga onde ele rezava todo dia ao amanhecer. “Meu pai escreveu em seu diário, algumas horas antes de morrer, que assim como o homem que só pensa no dinheiro é um homem pobre, a inteligência humana aplicada à qualquer máquina de guerra é a burrice”. Definindo Guilad o espírito ideológico do Festival.

Enfim, quando o repórter fazia por merecer breve descanso, e prestes a abocanhar um atraente falafel – porque ninguém é de ferro -, reaparece subitamente, num Salto do Gato, manobra clássica do Parkour, nosso entrevistado Igor dos Santos, que num leve tom desolado nos confidencia: a surpresa brasileira do dia seguinte, na abertura do FIP, seria a apresentação dos velhos baianos, noventões e ainda em boa forma e fama, Caetano Veloso e Gilberto Gil, completando, um quarto de século depois, a turnê que a dupla havia feito na região, e que deu muito o que falar, naquele soturno ano de 2015. Mas, infelizmente, a assessoria de imprensa da dupla acabava de informar que a festa não estará completa. Gilberto Gil não conseguiu embarcar ontem à noite no voo que o levaria de Salvador a Tel Aviv.

Afônico, convalesce de uma forte gripe.

*Psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, psicoterapeuta e coordenador do Projeto Quixote   aurolescher@gmail.com


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