Coluna_header_ topo Auro Danny Lecher
Ao invés de infligir estes castigos horríveis, seria melhor prover a todos algum meio de     sobrevivência, de tal maneira que ninguém estaria se submetendo à terrível necessidade de se tornar primeiro um ladrão e depois um cadáver.        

                                                             Thomas More, Utopia (1516)

De todos os direitos, o primeiro é o de existir. Portanto, a primeira lei social é aquela que garante a todos os membros da sociedade, os meios para existir; todas as demais leis estão subordinadas a essa lei social.

                                                           Maxmilien Robespierre, 1792

 

Foto: Reprodução/ocorvo.pt
Foto: Reprodução/ocorvo.pt

Prepare-se.

Primeiro uma revelação: trata-se aqui da última crônica de uma trilogia dedicada à criatura Dom Quixote e seu criador Miguel de Cervantes (Uma Ilha Para Sancho Pança, Miguel de Cervantes Saavedra e esta Honoris Causa).

Depois uma lição: mestre Humberto Werneck ensinou-me que uma das recompensas do cronista é ver seu leitorado crescendo. Saiba portanto, leitor e leitora, que você faz parte de um seleto grupo que já conta com outras dez ou doze pessoas. Mas vamos lá, o importante é a qualidade etcetera e tal.

Além disso, é a primeira vez na minha carreira de colunista da Brasileiros, que escrevo diretamente para cada um de vocês, olho no olho. Já construimos alguma intimidade. Não queria, portanto, que passasse em branco esta nova fase da nossa recente relação.

Também aqui se verá um festival de citações, como você já percebeu. Todas muito honrosas.

Rogelio Miñana é um cervantista importante (sim, especialista em Cervantes), professor da Universidade de Drexel, Philadelphia, e um dos meus quixotescos amigos. Ele consegue unir a literatura com a vida. Ao longo dos últimos dez anos vem garimpando experiências sociais e culturais, em vários países do mundo, que se inspiram na figura de Dom Quixote, disseminando aquela saudável dúvida que não cala: A arte imita a vida ou a vida imita a arte? O professor Miñana é um exímio caçador de Quixotes. Ele identifica o alvo, vai se aproximando, suave catequese, e quando você se dá conta, pronto, já faz parte da sua irmandade. O quixotismo tem alta virulência, infecta rapidamente e pode se transformar numa epidemia. Santa epidemia! Já me comprometi com o professor, em sua próxima visita ao Brasil, promoverei um encontro entre ele e um espécime raro que, certamente, merecerá lugar de destaque em sua coleção: Dom Eduardo Matarazzo Suplicy de la Mancha.

Com uma ideia tão simples quanto radical, um carisma com consistência humana e moral e um fôlego invejável de maratonista, Dom Eduardo vai tecendo uma rede de sustentação ao redor da Renda Básica de Cidadania, tornada lei em 8 de janeiro de 2004, e segue caminhando e cantando e seguindo a canção…e um dia, mais cedo ou mais tarde, cada brasileiro poderá receber um benefício monetário, de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do país e as possibilidades orçamentárias. Quem dita o ritmo da implementação da lei é o Poder Executivo. (Por isso ficamos todos tristes enquanto a Presidenta não recebe Dom Eduardo para dar início aos trabalhos). Ele prescreve “Uma renda mensal que pode começar a partir de um valor, digamos, de R$ 70,00 por mês, que nos próximos anos será R$ 100,00, R$ 300,00, R$ 700,00, mais e mais com o progresso da cidade e do Brasil, como o direito de todos participarem, pelo menos parcialmente, do desenvolvimento da nação”.

Tenho a impressão que é aquilo que o Bolsa Família gostaria de ser quando crescer. A honra de compartilhar a riqueza que você ajudou a construir como cidadão. Parece-me um belo instrumento a favor da dignidade e justiça.

A persistência e o rigor técnico são características frequentes entre sonhadores profissionais, também presentes em Dom Eduardo, que em janeiro de 2016 será laureado com o título de Doctor Honoris Causa da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, protagonizando a comemoração dos 500 anos da publicação da primeira edição de Utopia, de Thomas More, em Louvain em 1516. Exatamente 100 anos antes do nascimento de Dom Quixote.

Bravo!

*Psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, psicoterapeuta e coordenador do Projeto Quixote   aurolescher@gmail.com


Comments

4 respostas para “Honoris causa”

  1. Avatar de Yvone Furtado
    Yvone Furtado

    Parabéns Auro! Texto sensível e muito bem escrito!!!

  2. Concordo com vocês, quixotescos, somente a dignidade de todos dá a um povo a possibilidade de ser chamado uma nação. #recebedilma.

  3. Avatar de Adriana Komives
    Adriana Komives

    Se não houverem utopias, os homens não saberão mais por que caminho andar. Utopias são pequenas lanternas que emanam um facho de luz, permitindo-nos avançar com pequenos passos pelos caminhos caóticos da evolução humana. Se Dom Eduardo é um deles, que entre para a irmandade Quixotesca! Seja bem-vindo!

  4. Avatar de Isaac lescher
    Isaac lescher

    Parabéns auro . muito inteligente o artigo.

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