A igrejinha da Pampulha e o vira-lata

Detalhe do painel, sem o lobo que costuma acompanhar a imagem do santo – Foto: Reprodução
Detalhe do painel, com vira-lata em vez do lobo que costuma acompanhar a imagem do santo – Foto: Reprodução

Um vira-lata apareceu do nada e parou bem diante do altar. Era um sábado, dia 11 de abril de 1959. O bispo dom João Resende Costa rezava a primeira missa na igrejinha da Pampulha, em Belo Horizonte, obra-prima do conjunto arquitetônico que acaba de ganhar da Unesco o título de patrimônio mundial da humanidade.

“Era um cachorro amarelo, com uma ferida no dorso. Imóvel, ao meu lado, ergueu a cabeça, como se observasse o ambiente”, conta o então presidente Juscelino Kubitschek, o JK, no livro Por que Construí Brasília. “Em seguida, talvez tocado pela música do órgão que se fazia ouvir, assentou-se no chão, com a cabeça sobre as patas dianteiras.”

Todo mundo ficou impressionado. Afinal, um cão parecido, retratado por Candido Portinari junto com São Francisco de Assis, tinha provocado a ira do arcebispo dom Antonio Cabral 17 anos antes, quando a igreja ficou pronta. “Um cachorro atrás do altar, senhor prefeito. Isto é um escárnio à religião!”, reclamou o arcebispo durante visita à Pampulha.

O prefeito em questão era JK, que tentou sensibilizar o arcebispo para a concepção vanguardista de Portinari: em vez do tradicional lobo associado à imagem do santo, o artista colocara um cachorro humilde, bem brasileiro. Não deu certo. Dom Cabral encerrou a visita de forma brusca, avisando que a igrejinha não seria sagrada. Nenhum padre rezaria missa nela.

Só 17 anos depois, quando JK estava no penúltimo ano de seu mandato presidencial, as relações de poder na Igreja de Belo Horizonte mudaram e surgiu a oportunidade de resolver o problema da Pampulha. Sem perda de tempo, JK convocou o bispo dom Resende Costa ao Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

Conversa vai, conversa vem, o bispo não viu problema em sagrar o pequeno templo da Pampulha, até porque ele seria doado à Arquidiocese de Belo Horizonte. Combinaram que o próprio bispo rezaria a primeira missa. O que ninguém esperava é que um vira-lata em carne e osso aparecesse na cerimônia, assistisse a um pedaço da missa e depois saísse sem fazer barulho, da mesma forma que tinha entrado.

O altar da igrejinha da Pampulha, com o painel da discórdia atrás do altar –  Foto: Reprodução
O altar da igrejinha da Pampulha, com o painel da discórdia atrás do altar – Foto: Reprodução

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