Juliette: Apenas para os fortes

Poderíamos dizer: tirem as crianças da sala. Ou ainda: o último a sair apague a luz. Tirando a parte das crianças, afinal, Juliette, em encenação no Espaço Sátyros, é um texto do velho e bom Marques de Sade e  de resto nos acende várias luzes. São vinte e dois atores em cena, com um figurino  de estilo sadomasoquista, de extremo bom –gosto (dificílimo nesse tipo de coisa), com os membros sexuais expostos que trazem para a plateia todo o tipo de fantasia, sem qualquer forma de censura,  que nos esclarece do que são capazes as pessoas para obter o prazer absoluto.

A peça começa ainda na antessala quando dois atores encapuzados anunciam o que vai ser visto. Ai, entra-se numa forma de arena quadrada, totalmente escurecida. E se inicia a narrativa da trajetória de Juliette, uma das personagens mais emblemáticas daquilo que se conceitua hoje como herança do Marques de Sade.

Para os Sátyros, Juliette, considerada uma obra fulcral dentro da trajetória de Sade, pode dialogar perfeitamente com o momento atual brasileiro, onde a crise das instituições e da moral nos leva a um confronto com contornos ainda a serem definidos.

Com a direção de Rodolfo Garcia Vasquez ,  os corpos se movem, formam desenhos, objetos, simulam todo o tipo de ato sexual, mas a plasticidade é o que impressiona. Todos  possuem total domínio da expressão corporal, do gestual hardcore de bacanais, masturbação, todo tipo de penetração.

Percebe-se claramente que o trabalho foi árduo para se chegar a esse resultado. E Diego Ribeiro, ator da peça nos diz “Quanto ao trabalho de corpo, Juliette é uma personagem eletrizante, ela é pura tensão, não poderíamos não trabalhar com movimento. E a escolha de trabalhar o corpo como cenário, além de elemento, surgiu como proposta durante as improvisações e virou estética. A preparação é muito de ator para ator, antes dos espetáculos temos nossos rituais de grupo. Como é uma peça de clima, voz e corpo, a preparação é de grupo, também.

E tem preparo antes também:

“Alguns minutos para começar a peça, todos os tipos de sons são emitidos e os passos de dança mais controversos. Somos muito entrosados, e criamos uma partitura que é só nossa. Foi um processo de muito entrega, e a relação do corpo é muito mais “estou aqui, presente, para viver isso” do que “somos atletas”. Conhecemos cada pedaço do corpo do colega de cena e não temos medo disso, o que é fundamental. “

É impressionante o despojamento dos atores. Ainda que não estejam em nu total, nus estão os seus órgão sexuais, nus são os seus gestos, nus estão na entrega  de sua atuação.

“A relação com o nu é muito normal, e foi tratada assim desde o início. É corpo e pode ser tudo, mutável, para isso o elenco sempre foi muito disponível. Rodolfo sempre nos deixou muito à vontade pra acontecer todo o processo e foi prazeroso demais. Todos, sem exceção, assumem uma transformação pessoal nesse projeto. Ficar nu para um público se torna muito simples quando está confiante do porquê dessa nudez, e nisso estamos ciente. Preocupamo-nos muito de não existir exposição desnecessária, e lidamos com o bruto, com o visceral…o despir foi natural.” 

É a vida de uma libertina, mas sobretudo  é o exercício do desejo de uma mulher, que não tem qualquer pudor, medo ou impasse na hora de se impor como dona de seu próprio destino, corpo ou vontade. E a peça traduz isso de forma  bastante eficiente. É criativa a abordagem todo o tempo: nos objetos que se incorporam ao figurino, na trilha sonora.

E a cena -quase -que -final  em que todos os atores simulam uma corrida, sem sair do lugar, para se mostrar a morte é antológica.  Denota a correta ocupação do espaço cênico, a correta integração entre luz, cenário e música, e como primeiro plano a expressão corporal como fala dentro do teatro.

Há que se ir ver, conferir. E temos que também nos desnudar para aplaudir freneticamente o espetáculo que os Satyros tem a coragem e competência de nos apresentar.

Serviço – Juliette
Estação Satyros – Praça Roosevelt, 134 , Consolação – São Paulo
Temporada: quinta a domingo às 21h, até 30 de junho
Ingresso: R$ 40,00 e R$ 20,00 (meia entrada)
Classificação: 18 anos
Informações e reservas: 3258.6345 / 3231.1954


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