O mundo está assombrado com a ameaça de uma pandemia do vírus zika, a presidente da República vai à mídia fazer um pronunciamento e você sai à janela para fazer barulho.
Você não suporta a imagem daquela mulher. Está convencido de que ela é a responsável por todos os seus aborrecimentos e preocupações, inclusive por aqueles cuja gestão cabe ao Estado, ao Município ou até mesmo ao campo da iniciativa privada.
Há um bocado de irracionalidade nesse comportamento, certo?
Acontece que sua mente foi sequestrada por uma lógica perversa alimentada pela imprensa tradicional, segundo a qual o Brasil só vai evoluir no concerto geral das nações quando abandonar toda pretensão de um capitalismo socialmente responsável.
O que há por trás dessa obsessão das grandes empresas de mídia contra a ideologia representada pela aliança que governa o País desde 2003 não é a sucessão de escândalos que alguns de seus integrantes protagonizam. Se a questão fosse corrupção, o criminoso assalto à merenda das crianças nas escolas paulistas estaria bombando no noticiário, certo?
O que a imprensa hegemônica quer é um governo privatista, que faça girar a economia com a oferta de bens públicos no mercado. Para isso, precisa não apenas manter a atual chefe do governo sitiada numa crise política alimentada a manchetes, mas principalmente reduzir as chances de seu mentor, o ex-presidente Lula da Silva, voltar ao Planalto.
Essa é a única agenda que interessa.
Se você lê jornais e revistas semanais de informação, está supostamente habilitado a interpretar a linguagem jornalística. Ou não?
Consegue perceber, por exemplo, que existe o mundo real, onde nos relacionamos e construímos cultura. Mas esse mundo real, quando distante do indivíduo, tem que ser observado através do ecossistema da comunicação, onde a realidade é redefinida.
Está acompanhando?
Quando a imprensa oferece como abordagem dessa realidade o propósito da compreensão, ela busca versões diversificadas dos fatos. Quando seu interesse é induzir uma interpretação específica, ela impõe uma versão predominante e, para simular certa isenção, coloca lá no pé da página ou na rebarba da reportagem o tal do “outro lado”.
Acontece que a realidade tem muitos “lados”, porque o mundo contemporâneo é muito complexo.
A mídia tradicional do Brasil, assim como as grandes empresas do setor na América Latina, se caracteriza por um excessivo protagonismo, o que transforma a maioria dos veículos em panfletos políticos.
Mas esse processo só funciona se contar com a adesão dos midiotas.
É por isso que você se sente importante quando lê aquele jovem alucinado que virou colunista da Folha, aquele antigo astrólogo que está esperando o novo dilúvio, e tantas figuras patéticas que vociferam diariamente sua pregação fascista contra a diversidade política: eles falam para você, que não consegue pensar coletivamente.
Os governos petistas falharam em consolidar o fenômeno da mobilidade social com um projeto de educação política e emporcalharam o processo democrático com as práticas criminosas para financiamento de campanhas eleitorais.
Mas o que está em curso extrapola a política: é a corrosão do caráter das classes médias urbanas, provocada pela perda do horizonte político coletivo.
Esse é o produto principal dessa cruzada da mídia tradicional.
Para ler: A corrosão do caráter, de Richard Sennett.
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