A morte do minotauro

Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Desta monstruosidade nasceu o Minotauro, o híbrido com o corpo de homem e cabeça de touro, em volta do qual Dédalo construiu o labirinto, a casa monstruosa para um ser monstruoso…

ao morrer

o Minotauro chora

como uma criança

por fim se enrosca

como um feto

e se aquieta

no definitivo

da morte.

Paulo Leminski, como costuma acontecer com os poetas, estará sempre disposto a nos salvar. A salvação, seja lá do jeito que for, se for, terá que contar com as duas matérias-primas a partir das quais se desenvolve o espírito humano: essências e metamorfoses.

Os espíritos estão armados. O monstro devorador de humanos está exaltado. Bípede, ele anda pelas trilhas do labirinto. Encontra uma criança. Não sabe o que fazer. Conhece apenas os heróis, todos adultos. Ele vai estraçalhar o frágil corpinho? 

O gorila Harambe, do zoológico de Cincinnati, nos EUA, foi assassinado pela segunda vez por funcionários do estabelecimento, após um menino de 4 anos cair em sua jaula, no último sábado. Um tiro certeiro na cabeça do animal. A sua primeira morte foi quando capturado nas savanas da África teve que trocar sua mátria por um cativeiro. Um gorila-morto-vivo para satisfazer o voyeurismo dos humanos. O zoológico é um espelho.

Dois dias antes, em São Paulo, morria Ítalo com um tiro certeiro na cabeça. Um menino de 10 anos que roubara um carro e fugia da polícia. Fugia também do Minotauro. O monstro devorador de humanos.

Conheci alguns Ítalos nesses 20 anos de Projeto Quixote. Todos com menos de 13 anos. Todos brincando com a adrenalina de adultos. Todos roubavam carros automáticos para jogarem o jogo perigoso. Pichavam pendurados no topo do prédio. Alguns caíram desequilibrados, outros, assassinados.

Um dia encontrei um Ítalo nas ruas da cracolândia. Eu era educador terapêutico, E.T. para os íntimos, ele, um menino de 10 anos que vivia nas ruas do centro da cidade, sempre acompanhado por Bobi, seu fiel escudeiro vira-lata. Após o tempo necessário para considerarmos amigos, e com pitadas de Sherlock Holmes, unia os sinais de fumaça que ele deixava, fui seguindo o rastro e tecendo meu fio de Ariadne para não sucumbirmos nos descaminhos da volta. Eu também tenho medo do Minotauro e de seu labirinto. Ele tinha vindo de Cantão do Mato na Bahia, fazia 2 anos, para procurar seu pai que, encontrado, o abandonou pela segunda vez. Aos 8 anos viu sua mãe sendo destroçada com golpes de machado pelo companheiro enfurecido de ciúmes. Esse Ítalo salvou seus irmãos menores levando-os para a casa da tia. Voltou e o fato estava consumado. Ainda ninou a cabeça da mãe.

Comemos juntos o pão que o Diabo amassou, mas conseguimos voltar.

Ele é um herói sequelado. As machadadas esquartejaram para sempre a sua linguagem. Ainda assim um herói, como Paulo Leminski e Teseu, sempre prontos a nos salvar.

Ou matamos o monstro devorador de humanos ou perdemos o fio da meada.

E aí, em algum Cantão do Mato, ele nos mata.


Comments

Uma resposta para “A morte do minotauro”

  1. Avatar de Jales Clemente
    Jales Clemente

    Quem é o baiano?

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