Os legistas e a engrenagem da tortura

Os atestados de óbito de Marcos, Ana Maria e Iuri davam falsas versões - Foto: Reprodução
Os atestados de óbito de Marcos, Ana Maria e Iuri davam falsas versões – Foto: Reprodução

Ana Maria Navinovic Corrêa, Marcos Nonato da Fonseca e Iuri Xavier Pereira caíram em uma emboscada quando saíram do restaurante Varella, na Mooca, em São Paulo, na tarde de 14 de junho de 1972. Mal pisaram na calçada, receberam tiros por todos os lados. Só o ativista político Antônio Carlos Bicalho Lana, que os esperava na rua, conseguiu escapar.

Na época, a versão divulgada pela polícia política foi de “tiroteio seguido de morte”. Ana Maria, Marcos e Iuri, no entanto, não estavam armados. Foram executados. Na semana passada, a procuradora da República Ana Letícia Absy denunciou por falsidade ideológica um dos médicos que assinaram a necropsia dos três ativistas políticos.

“As provas colhidas são contundentes e demonstram que Abeylard de Queiroz Orsini falsificou os laudos necroscópicos em comento, com consciência da falsidade”, afirmou a procuradora na denúncia. O outro médico responsável pelos laudos falsos era Isaac Abramovitch, que morreu em 2012 e já tinha sido denunciado à Justiça por episódios similares.

Quarenta e quatro anos depois da emboscada que provocou a morte dos três militantes, a procuradora ressaltou que os legistas atuavam para encobrir ações criminosas do Doi-Codi: “O delito encontra-se agravado pelo objetivo de assegurar a ocultação e a impunidade dos crimes de homicídio praticados por Carlos Alberto Brilhante Ustra e seus subordinados”.

Pelo menos 22 legistas integraram a engrenagem da tortura em todo o Brasil, de acordo com a Comissão Nacional da Verdade. Lotados no Instituto Médico Legal de São Paulo, Orsini e Abramovitch integravam a equipe do legista Harry Shibata, aquele que atestou o “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho.

Harry Shibata, com agentes da repressão, é o terceiro da esquerda para a direita - Foto: Reprodução
O médico Harry Shibata, com agentes da repressão, é o terceiro da esquerda para a direita – Foto: Reprodução

Pelos serviços prestados ao aparelho repressivo, Shibata chegou a ser condecorado com a Medalha do Pacificador, concedida pelo Exército, em 1977. Orsini não tinha papel tão relevante na engrenagem da tortura, mas estima-se que tenha assinado pelo menos 11 laudos destinados a acobertar crimes da ditadura.

Em 2004, a licença profissional de Orsini foi cassada pelo Conselho Federal de Medicina, mas ele conseguiu reverter a decisão na Justiça. Aliás, as muitas denúncias contra os médicos que falsificaram laudos para encobrir crimes da ditadura jamais deslancham na Justiça. Um dos argumentos usados pelos juízes para arquivar os processos é a Lei de Anistia, interpretação com a qual não concorda a procuradora Ana Letícia Absy. A denúncia oferecida por ela contra o legista Abeylard de Queiroz Orsini pode ser acessada neste link.

 

 


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