Quando o bandido ganha do mocinho

Peça 'Olheiros do Tráfico' na Casa da Gávea Rio de Janeiro (RJ) - Foto: Marcio RM
Peça ‘Olheiros do Tráfico’ na Casa da Gávea, Rio de Janeiro (RJ) – Foto: Marcio RM


Fomos acostumados, desde a infância, a ver bons contra maus, índios contra cowboys, mocinho enfrentar bandido. E acabamos ficando viciados em torcer pelo bom, pelo cowboy, pelo mocinho. E aí chega Breaking Bad e quebra essa lógica. É ai quando vemos dois espetáculos teatrais, Olheiros do Tráfico (no Rio) e Chuva Constante (em São Paulo), ambos protagonizados por apenas dois atores, ambos tratando do relacionamento de dois velhos amigos, ambos se relacionando dentro de um ambiente de violência, vemos confirmar a nova lógica: torcemos pelos bandidos.

Que todos nós sabemos como é, é verdade. Que todos nós fechamos os olhos, tampamos os ouvidos, é verdade. Que todos nós viramos o rosto, colocamos o travesseiro na cara, bancamos o avestruz, é verdade. Assim é a relação do povo do asfalto com as “comunidades”. Olheiros do Tráfico, texto e direção de Moisés Bittencourt com supervisão artística de Domingos Oliveira, retrata, com enorme fidelidade, o cotidiano de dois adolescentes que ficam de tocaia para os traficantes.

Em um estilo docudrama, no qual Sandro Barçal e Bruno Suzano dão vida à Crika e Tavim, dois adolescentes que, ainda que tenham os sonhos, medos, desejos e contradições próprios da idade, têm que posar de adultos, guerreiros, valentões. Assim devem ser e assim são exigidos pelo comandante-traficante Sabuka. Na verdade, o confinamento em condições desumanas reforça os laços de amizade. Torna Crika e Tavim irmãos, apesar de um ser da favela e outro da Zona Sul.

“Eu estou assistindo a um dos melhores espetáculos que já vi. Excelentes atores sobre todos os aspectos. É uma história difícil de contar, porque é uma história do tráfico. Da injustiça social que já foi contada dez mil vezes, mas acho que têm histórias que têm que ser contadas sempre”, afirma Domingos.

Assistir a Olheiros do Tráfico é constatar, primeiramente, o estupendo desempenho de Sandro e Bruno que conseguem a expressão corporal, a inflexão da voz, o jeito e o tempo de dois adolescentes largados na marginalidade. Assistir a Olheiros do Tráfico é como se estivéssemos vendo atos proibidos pelo buraco da fechadura. Assistir a Olheiros do Tráfico é um choque de realidade, um sacode legal. Assistir a Olheiros do Tráfico é um primeiro passo para sair da inércia.

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Malvino Salvador e Augusto Zacchi estão no espetáculo ‘Chuva Constante’ – Foto: Divulgação

Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi, Peter Parker e Harry Osborn, Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin. Gandalf e Saruman. Batman e Harvey Dent.  Não há inimigos que não possam virar amigos.  Com certeza, há amigos que podem virar inimigos. Esse é o eixo central de Chuva Constante, de Keith Huff, autor conhecido por escrever séries de sucesso como House of Cards e Mad Men.

Protagonizado por  Malvino Salvador (Danny), ator conhecido por papéis de sucesso nas novelas brasileiras, e Augusto Zacchi (Joey), ator do consagrado Grupo Tapa, , com direção de diretor Paulo de Moraes, líder da Armazém Companhia de Teatro,  o espetáculo mostra , sob a forma de  monólogos em ping-pong a deterioração da amizade, da vida  dos dois personagens.

Melhores amigos desde a infância, no mesmo bairro violento de Chicago,  ambos policiais se encontram em  oposto no exercício da lei e  brigam pelo amor da mesma mulher. A visão e a desarmonia provém essencialmente de um fosso ético e  moral: Danny é  corrupto, viciado, bate na mulher, transa com prostitutas. Joey é honesto,  respeita os códigos , é contido.

A chuva que não  cessa é a moldura para os valores,  histórias, amores que se dissolvem em cada episódio de confronto entre os dois amigos. Aos poucos,  ganha estatura  o respeito às normas e a vontade de fazer a qualquer preço se dilui. O amigo-exemplo, o mito que é Danny para Joey ganha novos contornos, como a rua depois do temporal: enlameada, suja, há de se esperar a bonança para tudo voltar a ficar limpo. Mais uma vez,  como nas histórias de super-heróis , o amigo que vira arqui-inimigo acaba derrotado.


Chuva Constante

FICHA TÉCNICA

Texto: Keith Huff

Tradução: Daniele Avila Small

Direção: Paulo de Moraes

Elenco: Malvino Salvador e Augusto Zacchi

Direção de Produção: Cinthya Graber e José Carlos Furtado Filho

Cenário e figurino: Paulo de Moraes

Iluminação: Maneco Quinderé

Trilha sonora: Ricco Viana

Projeto gráfico: Radiográfico

Relações Públicas/ Convidados: Liège Monteiro e Luiz Fernando Coutinho

Assessoria de imprensa: Liège Monteiro e Luiz Fernando Coutinho

Uma produção: Cinthya Graber, Luis Erlanger e Malvino Salvador


Serviço – Chuva Constante
Teatro Vivo – 
Av. Chucri Zaidan, nº 860, Morumbi – São Paulo/SP
(11) 97420.1520
De 13 de março a 31 de maio de 2015


Olheiros do Tráfico

FICHA TÉCNICA

Texto e direção: Moisés Bittencourt

Supervisão Artística: Domingos Oliveira

Elenco: Sandro Barçal (Crika) e Bruno Suzano (Tavim)

Trilha Sonora: Moisés Bittencourt

Sonoplastia: Daniel Costa

Iluminação: Frederico Eça

Programação Visual: Alexsander Fraga

Fotos: Gil Nunes

Produção Executiva: Ana Casalli

Assistente de Produção: Juh Galdino

Direção de Produção: Fernando Gomes, Fabrício Chianello e Fábio Amaral

Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias

Realização: Ymbu Entretenimento


Serviço – Olheiros do Tráfico
Teatro Glauce Rocha – Av. Rio Branco, 179 – Rio de Janeiro/RJ
(21) 2220.0259
Até  29 março de 2015


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