Há duas coisas importantes de se compreender para conhecer o teatro da Broadway. A primeira é entender o que é off Broadway. Off Broadway são os espetáculos que se desenvolvem fora da área geográfica, mas que , sobretudo, criam novas linguagens, experimentações, permitem que Astros do cinema possam escolher textos de maior densidade. Algumas dessas peças acabam se transformando em sucesso estrondoso e por ocupar o prime da Broadway. Assim foi com o Urynal, o Musical e agora com Fun Home.
O Tony é o Oscar da Broadway. Mas diferentemente do prêmio para cinema, é uma prêmio técnico, que segue determinados critérios, semelhantes ao nossos desfiles de escolas de samba, com um amplo júri formado por jornalistas especializados e técnicos. E por isso, algumas vezes o prêmio não reflete o gosto e o sucesso popular. Assim, foi com Chicago que não ganhou qualquer Tony.
Fun Home preenche os dois requisitos: um sucesso off Broadway do Public Theater que levou o Tony de melhor musical de 2015. Baseada no livro graphic-novel da cartunista Alison Bechdel que conta as suas memórias desde criança, a descoberta sobre a sua homossexualidade,até chegar ao suicídio de seu pai, gay não assumido. Bilheteria aberta só para junho de 2016.
Um musical sofisticado que se dá ao luxo de apresentar um drama familiar aparentemente comum com um libreto que coloca o dedo na ferida e ainda gira. Grande exemplo são as canções em que a protagonista se descobre lésbica e aquela em que a mãe despeja toda a sua mágoa com o marido que ela sempre soube homossexual.
A cronologia apresenta as cenas em desordem, mas tem a personagem principal adulta que representa a autora como um apresentador , que vai comentando e ligando os fatos. Desde a sua infância, a sua recusa em usar vestidos, até as “maluquices”do pai, cuja concentração está em transformar a casa em um antiquário. Daí, serem conhecidos como os moradores da Fun Home.
O apelido Fun Home é o significante que encarna o verdadeiro sentido da ação e do que a peça quer dizer: é engraçado valorizar velharias mas é cruel esconder a atualidade. É nesse binômio delicado que o musical ganha força. A moldura que esconde o que está atrás do quadro é aparentemente interessante. Mas há que se raspar e se descobrir a pintura original.
Assim, para manter o jogo de revelar, crescer e desaparecer de acordo com a conveniência das personas, os cenários brotam do chão, crescem, surgem, giram e desaparecem. Isso além de funcionar como um ponto a acentuar na compreensão dialoga perfeitamente com o palco em arena.
Bruce, o pai , interpretado por Michael Cerveris faz um comovente pai que tenta sobreviver entre a tentação pela paixão que o move e a vida familiar que não o comove. Sua interpretação valeu o Tony. É de trazer lágrimas mesmo às almas mais empedernidas.
A verdade a que que o drama nos remete é pensar sobre qual é a minha verdadeira identidade? Como foi minha história lá atrás com meus pais? O primeiro amor é capaz de me livrar e me recolocar no mundo? Minha mãe foi mais uma mulher que teve medo de se liberar?
Ao refletir sobre isso tudo enquanto vemos um grupo de atores absolutamente talentosos, só pensamos em como, em nossa vida pessoal, não vamos reproduzir o que acontece com o personagem principal, o pai. Ao final ao saber a filha gay, incapaz de assumir a sua vida, se joga embaixo de um caminhão. É na verdade, um exercicio engraçado, como sobreviver e sermos a nossa essência.
Deixe um comentário