Star Wars, velhice e a gestão hospitalar

Foto: Reprodução/IMDb
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O estudo do envelhecimento por meio do cinema, além de divertido, permite sempre reflexões e ilações profícuas para a ciência. Principalmente na ficção científica, gênero que, alimentado pelas incertezas, projeções e hipóteses dos pesquisadores, costuma antecipar o futuro com alguma precisão.  Em sua sétima edição, “O Despertar da Força”, a série “Star Wars” evidencia algumas questões relativas ao envelhecimento motivadas pelo avanço da narrativa em 30 anos.

Até mesmo fora da tela, o tempo tornou-se assunto devido ao reaparecimento da atriz Carrie Fisher (Princesa Leia), que completa 60 anos em outubro deste ano. “Parem de discutir se envelheci bem ou não”, desabafou ela diante de tantos comentários sobre sua aparência. Na tela, embora a frase mais arrepiante para os adoradores da série seja “Chewie, estamos em casa”, o ressurgimento de um Harrison Ford, bem mais velho, suscita um comentário do interlocutor-personagem: “Como você envelheceu?” E ele devolve: “Com você ocorreu coisa bem pior”.

É assim que “Star Wars”, sutilmente, ao avançar três décadas, toca na questão chave da representação da pessoa idosa. Ou, para usar as palavras de Philip Roth, coloca aqueles “armados de tempo” contra os “desarmados” dessa munição traduzida em força. O diretor J.J.Abrams abre o ringue para os, de novo usando Roth, “já-eras” contra os “ainda-nãos”.[1] Aos poucos, o roteiro revela como aqueles que têm a young-power precisam de uma ajudazinha dos “já-eras”.

Mesmo o velho R2-D2 é ressuscitado, embora a estrela seja o inovador BB-8. Aliás BB-8, apesar de um modelo de robô de brinquedo, faz o papel (isso mesmo, no sentido de interpretar) de um robô companheiro – o modelo do segmento da robótica mais desenvolvido no momento para cuidar ou acompanhar idosos [leia post anterior sobre o Google]. A função de BB-8 é de acompanhante, inclusive, guardando segredos da intimidade dos humanos. Não existe melhor representação do que a robótica social ou a gerontecnologia pretendem criar para atender às necessidades de cuidados de longa duração.

Neste ponto, “Star Wars”nos remete a uma questão da ciência: como será o idoso do futuro? Me fez lembrar outra de Roth. Seu clássico personagem alter ego Nathan Zuckerman, lá pelas tantas, é questionado como é ter 70 anos. E responde: “Pensem no ano 4.000. Em todas as suas dimensões, todos os seus aspectos. O ano 4.000. Pensem com calma. [Após um minuto de silêncio solene].Ter 70 anos é isso.” Por mais que se busque antecipar esse feito, o ser humano ficará devendo ao futuro assim como os autores de ficção científica. Podem avançar e acertar aqui e ali, se aproximar, mas estarão sempre em débito. Como em outro trecho no qual Zuckermandiz a seu caseiro: “Pode me ligar a cobrar”. E ouve: “Nathan, há vinte anos que ninguém liga mais a cobrar”.

Seja no filme ou no romance de Roth, a questão do duelo entre idosos e jovens ou como seremos com 70, 80, 90, 100 anos é uma moderna representação da esfinge. Este é o desafio para o nosso bem-estar no futuro: em meio a um mundo em constante mutação, prever como seremos e como será o ambiente em nossa volta. Galático, desértico? No filme, os “já-eras” mesmo bem idosos guardam a sabedoria. A personagem MazKanata, de óculos grossos, solta esta: “Eu vivi o suficiente para ver os mesmos olhos em pessoas diferentes. Eu vejo os seus olhos. Eu conheço eles”. Se é assim, como cuidaremos dessa população envelhecida?Como desfrutaremos social e economicamente de sua potência, de sua experiência?

Certa vez, ouvi do doutor Francisco Balestrin, presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) que nossos hospitais estavam “perdidos” com o número de pacientes com mais de 90 anos que só crescia em toda a rede. No setor público, é melhor nem cansar o leitor com repetidas informações diante da crise nacional na Saúde, a exemplo do Estado do Rio de Janeiro – na catastrófica gestão de Cabral-Pezão. Os alertas da ficção científica ou de um romancista como Roth deveriam servir para buscarmos soluções para o setor de saúde encarar o envelhecimento da população.

O Brasil deu um passo importante com a abertura de mercado para o capital estrangeiro, viveremos uma revolução no setor hospitalar privado ainda este ano, embora o país ignore completamente quem será o idoso do futuro e como a tecnologia pode ajudar a cuidar dele. A questão é que a maioria da população depende exclusivamente do SUS. Essa realidade empresta um papel fundamental ao Estado.

A pesquisa acadêmica tem dado a sua contribuição. Há muitos trabalhos de qualidade no país e no mundo. Na área da economia da longevidade, uma tese interessante foi publicada por Christiane Louis ditGuerin, da EcoledesHautesEtudes em Santé Publique, de Paris, sob o título “O engajamento de um hospital universitário geriátrico na Economia da Longevidade: desafios e perspectivas”.[2]Ela parte da seguinte questão: Como o engajamento de um hospital universitário geriátrico na economia da longevidade constitui uma oportunidade para desenvolver um novo modo de funcionamento para atender os idosos?

O trabalho é um bom guia para os hospitais brasileiros, públicos e privados, que estão em face dessa transformação com a entrada de investidores estrangeiros. Antes de mais nada, é preciso dizer que a França, ou toda a Europa, está na mesma encruzilhada brasileira descrita por Balestrin. No entanto, por lá, alguns políticos mais comprometidos empreendem um esforço com resultados já palpáveis [houve avanço considerável no governo Jean-Marc Ayrault]. Por meio da estratégia da economia da longevidade (chamada lá de silveréconomie), financia-se, subsidia-se e estimula-se a pesquisa e o desenvolvimento (P&D).

Guerin mostra o empenho do Hospital Charles Foix, um dos maiores da Ile-de-France, público e deficitário (11 milhões de euros em 2014), em adotar medidas de inovação tecnológica, pesquisa, qualificação de recursos humanos para incorporar ao seu cotidiano produtos e serviços voltados ao bom envelhecimento, à autonomia da pessoa idosa, dentro de um projeto nacional de política pública que pretende mudar o paradigma do envelhecimento e, como ela diz, “escapar do marasmo econômico”. O Charles Foix deixou assim de ser um consumidor passivo desses diversos produtos e serviços e assumiu a condição de “ator”. Como?

Simplesmente “invadindo a tela”. Entrou no mundo considerado, até então, apenas pela ficção científica. Abriu-se para a experimentação de computadores voltados aos pacientes idosos, robôs em fase de experimentação, serviços da gerontecnologia em busca de “melhoria substancial” – de custo e de atendimento. O foco principal são os pacientes com Alzheimer, que testaram um computador (e tablete) adaptado para idosos com perda de autonomia. O hospital trabalha em parceria com a Université Pierre et Marie Curie para difusão de conhecimento sobre a pessoa idosa.

No Brasil, diriam alguns, nossos hospitais também têm institutos de pesquisa. No entanto, no setor público, o sucateamento é notório. No setor privado, ainda estamos restritos a projetos boutique – para poucos num país de 200 milhões de brasileiros. A longevidade, porém, é cada vez mais democrática, a despeito da desigualdade social, e é necessário que o setor de Saúde perceba com urgência que é o protagonista na construção de um futuro onde o envelhecimento digno possa estar ao alcance de todos.

 

[1] ROTH, Philip “Fantasma sai de cena”, Companhia das Letras, 2008, p. 248 e p. 43-44.

[2]L’engagement d’un hôpital universitaire gériatrique dans lasilver économie: enjeux et perspectives, tesis de Phd École de Hautes Étudesen Santè Públique (EHESP),  Paris, 2014.


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