Abismo conjugal

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Tony (Emmanuelle Bercot) e Georgio (Vincent Cassel), casal que vive um romance dilacerante

“E a doença que era o amor de Swann havia se multiplicado tanto, estava tão estreitamente emaranhada a todos os seus hábitos que não se poderia arrancá-la dele sem destruí-lo quase por inteiro: como se diz em cirurgia, seu amor não era mais operável”. A frase de um dos romances mais famosos do século XX, Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, cai feito luva para o filme Meu Rei, dirigido pela francesa Maïwenn, que estreia nos cinemas no dia 22/9.

O longa-metragem conta a história do relacionamento de dez anos entre a advogada Tony (Emmanuelle Bercot) e o empresário Georgio (Vincent Cassel). Após se conhecerem em uma festa, os dois iniciam uma relação intensa, casam-se e têm um filho. Porém, aos poucos a união começa a ruir, muito devido à postura do personagem de Cassel que, egoísta e impulsivo, é bem melhor amante que companheiro. Tony, por sua vez, tenta ao máximo sair desse casamento, que se torna uma espécie de vício, no qual prazer e degradação andam juntos.

Esse sentimento destrutivo já se manifesta logo na primeira cena, quando Tony cai e quase morre em uma estação de esqui. Ela rompe o ligamento do joelho esquerdo e vai parar em uma clínica. Afastada de todos, rememora seu passado enquanto se recupera física e psicologicamente. Em determinado momento do filme, a terapeuta da instituição pede que Tony conte novamente o seu acidente e repita com calma a palavra “joelho” (genou), que em francês une os sons dos termos “eu” (je) e “nós” (nous). É justamente essa confusão entre o que é meu e o que pertence ao outro o mote central da narrativa, marcada por cenas intensas.

A volatilidade das paixões não é uma novidade no cinema francês. A temática aparece em clássicos como A Mulher do Lado e no recente Azul É a Cor Mais Quente. O que se destaca no filme de Maïwenn é a atuação impactante dos protagonistas. Em Meu Rei, Vincent Cassel dosa muito bem a linha tênue entre um comportamento atraente e agressivo. Seduzido por seu próprio carisma, Georgio acredita que pode fazer sua família feliz, mas acaba se destruindo e levando junto os outros ao seu redor, numa espiral de ausências e traições. Já Emmanuelle Bercot também constrói uma personagem complexa que mistura delicadeza e raiva, numa atuação que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes do ano passado. Ela se entrega à força da sua paixão até chegar ao limite, questionando sua própria identidade.

Nesse caos de sentimentos, o filme levanta a questão do quanto se sabe sobre aquele que dorme ao lado, como na cena em que Tony fala a Georgio: “Eu não te conheço de verdade”. Amor e vício em Meu Rei se tornam dois lados da mesma moeda, em um ensaio comovente sobre a vida a dois.

 


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