Desde sempre as cidades portuárias fascinam o imaginário humano. Metáforas da vida. Como não lembrar das grandes travessias desde Homero, as conquistas de um novo mundo de séculos passados, até as tristes e recentes viagens dos refugiados que hoje procuram um lugar seguro, fugindo de guerras, governos. A terra deixada pela promessa ou esperança de uma nova vida. O porto, local de idas e vindas, amores fortuitos, ruas escuras, luz de lampião, armazéns cheios de cheiros e vozes. Não à toa em várias localidades brasileiras – e também no exterior – as áreas portuárias estão sendo tomadas, revitalizadas pela vida cultural. Foi dentro desse espírito que o produtor cultural Iatã Cannabrava (durante dez anos à frente do Paraty em Foco, também numa cidade portuária) e sua sócia, a santista Thamyres Matarozzi, lançaram as bases para um novo festival de fotografia: O Valongo Festival Internacional da Imagem. Durante quatro dias, de 12 a 16 de outubro, a 80 quilômetros da cidade de São Paulo, num vai-e-vem de subir e descer a Serra do Mar, a imagem se tornou protagonista de palestras e exposições.
Em uma época marcada pelo encontro de linguagens, pela queda cada vez mais frequente de fronteiras do pensamento, o festival se abriu para a interface, ou relação, entre fotografia, cinema, literatura, vídeo e quem mais quiser se aproximar da imagem. O início foi promissor. O ponto alto, sem dúvida, foram as palestras, organizadas em parceria com a revista Zum do Instituto Moreira Salles. Foram muito interessantes a dinâmica e a organização de Thyago Nogueira, editor da Zum, e o formato criado, logo no início, com uma breve apresentação de trabalhos dos fotógrafos que apresentaram novos projetos. As exposições ficaram sob a coordenação do espanhol Horacio Fernández, professor e historiador, também diretor artístico do PHotoEspaña e autor do livro Latin America Photobook: “O porto é o destino das viagens, o lugar de encontro das pessoas e das mercadorias, ponto final da aventura, amanhecer da nova vida do migrante”, declara para o texto do catálogo do festival. Sob essa ideia criou sua curadoria, que, no entanto, tem alguns problemas, como a má distribuição das obras no espaço. Sem dúvida, os ensaios impactantes de Alejandro Chaskielberg sobre o porto japonês Otsuchi; a interessante Transputamierda, do colombiano Federico Rios Escobar, sobre as trilhas das Farc; e a retomada de filmes da Primeira Guerra Mundial, projetados com uma linda trilha sonora e com todas as imperfeições impostas pelo tempo, foram os destaques.
Mas o mais significativo do festival foi a possibilidade de se criar um centro de estudo da imagem, tão necessário quando todos acreditam entender e decodificar esse tipo de linguagem pelo simples fato de a estarem vendo, esquecendo da necessidade de se apropriar dos códigos de significação para poder interpretá-la. Fala-se muito, mas reflete-se pouco – até porque falar de imagem tornou-se moda. Numa sociedade em que a informação é lançada no espaço virtual sem que as pessoas se importem com a credibilidade da fonte, criar em Santos o Centro de Pesquisas das Narrativas Visuais de Valongo se torna imperativo. “A ideia do festival não nasce isolada, e sim de um sobrevoo mais ambicioso sobre a região. O evento faz parte do projeto Valongo, que pretende estimular atividades culturais permanentes no bairro e, mais adiante, criar uma universidade na região”, explicam os organizadores.
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