Fotos Yann Vadaru
Apesar do grande número de novas cantoras em carreira solo, ainda é raro encontrar, entre as jovens bandas que compõem o fértil cenário musical do País, grupos formados apenas por mulheres. Bandas com uma maioria ou totalidade de membros homens prevalecem. Não cabe aqui investigar os motivos dessa constatação, mas o fato é que, nesse contexto, um grupo como o Pato Preto logo salta aos olhos. Composto por seis jovens paulistanas com idades entre 23 e 27 anos, formado despretensiosamente em 2011 para se apresentar em um sarau, o Pato Preto foi caminhando aos poucos, e começa agora a se apresentar em pequenas casas de show de São Paulo. O grupo planeja ainda lançar um clipe e, em breve, gravar um EP.
Mas se o fato de serem só mulheres chama a atenção, é a originalidade – seja nas canções de autoria própria, seja na performance de palco ou no diálogo explícito com outros campos artísticos, do teatro à literatura – que torna a banda realmente interessante. Com sonoridade acústica, o Pato Preto conta com violão, percussão, baixo, trompete, piano e acordeon na formação, instrumentos que muitas vezes se revezam nas mãos das integrantes Ana Luiza Saad, Ana Kehl de Moraes, Laura Rosenbaum, Lia Elazari Biserra, Sofia Botelho e Paloma Mecozzi. A Brasileiros conversou por e-mail com a banda para saber um pouco mais sobre o projeto. Só uma das perguntas ficou sem resposta, sobre a origem do nome Pato Preto: “Cada uma tem uma versão própria… Vamos deixar no ar”. Leia abaixo a entrevista:
Brasileiros – Quando e como surgiu a banda?
Pato Preto – Tínhamos muitos amigos em comum. E algumas de nós já eram amigas há muitos anos. A Papi (Paloma) e a Lia se conhecem desde infância. A Ana e a Sofia eram amigas da época do colégio. Frequentávamos muito a Casa Brasamora, onde morava a Lia e os namorados de algumas das meninas na época. A casa sempre teve muita movimentação de músicos e artistas e era de praxe ficarmos até o final de todas as festas, tocando violão e cantando. Todas curtiam cantar. E deu vontade de montar uma banda. De meninas. De vozes. Fizemos uma canção e apresentamos em um dos saraus da Brasamora, na primavera de 2011 (sarau organizado pelos moradores da casa que acontece a cada entrada de estação). Foi bom, deu tesão de continuar. E a coisa foi rolando.
Brasileiros – As composições são feitas individualmente ou coletivamente? Há também versões de canções de outros artistas? Quer dizer, como é essa escolha de repertório?
P.P – No início as composições eram feitas pela Lia. Mas com o tempo as meninas foram se soltando e hoje tem composição de todas no repertório. Por não haver uma “band líder”, é claro que há muita briga na hora de criar uma música, mexer em arranjos vocais e andamentos. Mas no final a gente se entende de uma maneira quase inexplicável – e, cada vez mais, estão aparecendo músicas criadas coletivamente. Surgiram também algumas parcerias com poetas. Musicamos trabalhos já existentes de nomes como ArrudA, Ana Cristina César, Lorena Martins, Roberto Piva. Em nossos longos dois anos de existência chegamos a cantar em shows apenas quatro canções de outros compositores, Verdura (Paulo Leminski e Caetano Veloso), Vampiro (Jorge Mautner), Bororo (Gustavo Galo) e Mortal Loucura (Zé Miguel Wisnik). Além de músicas dos nossos queridos parceiros da banda O Maquinista, em show conjunto.
Brasileiros – Ter apenas mulheres foi uma coincidência ou uma escolha?
P.P – Foi uma mistura dos dois. A gente já ficava cantando juntas nessas festas. E a coisa foi acontecendo. E foi legal o fato de não sermos musicistas, sermos mulheres e, mesmo assim, estarmos fazendo música. Mas às vezes pensamos em chamar mais gente, pessoas que pensem mais a música, e não optamos por homens, apesar de conhecermos muito mais homens que sejam músicos.
Brasileiros – Tem a ver com uma opção estética? Artística? Ou até mesmo um pouco política, digamos assim (num ambiente onde são raras as bandas formadas só por mulheres, enquanto existem milhares formadas apenas por homens)?
P.P – No início, a gente era próxima de um coletivo de ação de mulheres, o Ghawazee (que a Papi fazia parte, mas hoje o grupo não existe mais, temporariamente). Aquilo de perceber que as mulheres estavam querendo criar juntas mexia com a gente também. Uma independência artística, um jeito de criar intuitivo e lunar, que nos parecia feminino. No início era uma questão mesmo: uma banda só de mulheres.
Brasileiros – Quando se assiste a um show, fica claro que o trabalho da banda vai além apenas do campo musical, trazendo referências de teatro, literatura, poesia etc. Falem um pouco sobre essas referências extramusicais.
P.P – Por trabalharmos em áreas distintas, na hora de fazermos um show isso aparece. Por não termos uma formação musical, a bagagem poética e teatral e artística em geral é muito importante. A gente acredita que esse é o grande lance da banda e isso – junto com o fato de sermos em seis vocais – faz de nós uma banda diferente. Uma não banda.
Brasileiros – Em quais áreas trabalham?
P.P – Tem de um tudo na banda – arquiteta, pedagoga, psicóloga, bacharel em letras, fotógrafa, atriz – menos musicista. E é isso que faz o Pato Preto ser o Pato Preto.
Brasileiros – E as referências musicais propriamente ditas…
P.P – Bom, por pensarmos muito nas vozes, temos como referência alguns nomes importantes da música dos anos 80, entre eles o Itamar Assumpção e as Orquídeas, Arrigo Barnabé, Alzira Espíndola, Maria Bethânia. Algumas coisas que estão sendo produzidas atualmente fora do Brasil também têm nos impressionado positivamente, como as meninas do Perotá Chingó, Cocorosie e Fiona Apple. Aqui, artistas próximos também nos servem de referência, como a cantora Luz Marina, Céu e Tulipa Ruiz.
Brasileiros – Existe um diálogo entre a banda e outros grupos da mesma geração de vocês?
P.P – Sim, acho que isso acontece naturalmente. Estamos produzindo na mesma época que as outras bandas. E aproximações são feitas. O Maquinista, que toca com a gente de vez em quando, tem uma formação muito mais rock que a nossa, mas a junção dá uma coisa legal. Além deles, a Trupe Chá de Boldo também está presente na nossa criação e incentivo para continuar, sendo alguns dos integrantes os maiores incentivadores do nosso primeiro show na Casa Brasamora. Felizmente temos uma convivência com diversos artistas da nossa geração, e estamos sempre trocando e dialogando. É muito rica essa troca.
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