Quem sempre cruzou as esquinas das ruas Dos Gusmões e General Couto de Magalhães, no bairro da Luz, em São Paulo, deve ter levado um susto no final do ano passado. Literalmente da noite para o dia, um grupo de amigos que integram a Companhia Mungunzá de Teatro transformou um terreno público abandonado em uma espécie de “sobrado cultural”. A forma simples e rápida que encontraram de fazer isso foi construir o imóvel com contêineres.
Ao todo, foram usados 11 retângulos de aço para a obra arquitetônica batizada de Teatro de Contêiner. Depois de pesquisar lugares que vendem e reformam as enormes caixas de metal, o grupo fechou negócio com uma empresa de São Vicente, no litoral sul paulista. “Tudo com o nosso dinheiro”, diz Pedro Augusto, diretor técnico e ator do grupo. Ele conta que ao longo dos oito anos de atuação, a Mungunzá sempre foi autossuficiente, e que, para criar o espaço, os integrantes da companhia não hesitaram em novamente somar forças. “Tivemos de suar para levantar o projeto”, completa.
Assim que viram o terreno vazio e abandonado, tiveram a ideia inicial de erguer ali um teatro. Antigo estacionamento de carros da Guarda Civil Metropolitana, o espaço pertence à prefeitura de São Paulo, a quem o grupo fez a solicitação. “Sempre tivemos vontade de ocupar um espaço público ocioso”, explica Pedro.
A prefeitura, ainda durante a gestão de Fernando Haddad, não efetivou a concessão, mas permitiu que o grupo fizesse uma ocupação no local pelo prazo experimental de dois meses. Por isso, explica o diretor técnico, usar contêineres foi a melhor saída para uma edificação provisória: “Como a construção tinha que ser rápida, buscamos essa concepção modular”. A alternativa deu origem a um espaço multifacetado. Tanto que o que foi pensado para ser apenas um teatro se tornou um espaço cultural com capacidade de acolher diversos tipos de atividade, como projeções de cinema, shows, contação de histórias e exposições.
De forma inusitada, diz Pedro, essa composição modular associou-se muito bem à linguagem da companhia: “Os nossos cenários são sempre guardados em caixas. Agora compramos uma grande ‘caixa’ para colocar nossas caixas”, brinca. Com a nova gestão, do tucano João Doria, o acordo de ocupação foi renovado e as negociações continuam para que o espaço seja regularizado por pelo menos três anos, como deseja a companhia.
Relacionamento
Se antes a relação da população local com os grandes módulos de metal era de estranhamento, agora é de pertencimento. O vínculo criado com quem passava pela calçada e tinha a curiosidade de perguntar do que aquilo se tratava deu origem até a uma horta hidropônica de PVC. A ideia, relata Pedro, foi de um morador das redondezas. Ele também sugeriu que cada buraco nos canos, com mudas de várias espécies, fosse destinado a um vizinho diferente para ser cuidado. “Isso é uma representação do que é um verdadeiro espaço público”, diz Pedro.
Outro episódio significativo desse relacionamento com os locais foi protagonizado por um morador de rua. “Quando uma pessoa em situação de rua chega aqui e pede uma vassoura para varrer uma parte da calçada porque vê que ela não está combinando com o espaço, vemos que estamos modificando alguma coisa”, diz Marcos Felipe, também integrante da Mungunzá.
Por estar na região da cracolândia, a trupe pretende fazer dali um local onde possa haver debates e transformações para toda a região, tendo em vista que o grupo está acostumado a discutir questões sociais. “A ideia é que aqui seja um espaço de mediação com e para todos os grupos dos arredores”, destaca Pedro. Em janeiro, por exemplo, os contêineres foram cenário de debates do coletivo A Craco Resiste, de direitos humanos, que promove ações para diminuir a violência contra os dependentes químicos dispersos na região. “De alguma forma, estamos levando essa onda para além dos nossos muros. Nosso sonho é que as pessoas se apropriem desse espaço”, conclui.
Até o dia 17 de abril, a Mungunzá faz apresentações do principal espetáculo de seu repertório, Luís Antônio – Gabriela, com texto e direção de Nelson Baskerville. O drama, que tem como personagem central uma transexual, também dialoga com o bairro: afinal, naquele perímetro, é comum a presença de travestis e transexuais.
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