Luiz Bonfá: nobre, como madeira de lei

Se estivesse vivo, o carioca Luiz Bonfá completaria hoje 91 anos. Depois de um longo período alternando estadias nos Estados Unidos e no Brasil, em 1975, Bonfá voltou a morar definitivamente na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, onde morreu em 12 de janeiro de 2001, aos 78 anos, vitimado por um câncer de próstata. Ao partir, silenciou os acordes de um dos mais expressivos violões do País. Bonfá ajudou a modernizar o instrumento e foi um dos artistas que melhor definiu o som inaugural da bossa nova.  

Autodidata, começou a se dedicar ao instrumento aos 12 anos. Aos 16, executando peça do espanhol Francisco Tárrega, venceu um concurso para jovens talentos promovido pela extinta Rádio Tupi. Pouco depois, integrou o quarteto vocal Quitandinha Serenaders (ouça o compacto em 78rpm que contém Quando Você Foi Se Embora e Xô, Xô, Passarinho, ambas de José C. Burle). Apresentado por outro gênio do violão, o amigo paulistano Garoto (ouça Tristezas de Um Violão), Bonfá passou a integrar o elenco de artistas que trabalhavam para a Rádio Nacional. Em 1956, depois de ter canções suas gravadas por Dick Farney, foi convidado por Vinicius de Moraes para, ao lado de Tom Jobim, que dava início a uma série de grandes parcerias com o Poetinha, compor a trilha sonora da peça Orfeu da Conceição. Mas foi com a trilha do filme Black Orpheus (no Brasil, a obra ganhou a tradução literal Orfeu Negro), dirigido em 1959 pelo cineasta francês Marcel Camus, que o trio Bonfá, Jobim e Agostinho dos Santos (que cantou algumas faixas da trilha) ganhou projeção nos Estados Unidos. Baseado na versão teatral de Vinicius para a clássica tragédia da mitologia grega, o filme fez aguçar a curiosidade sobre o Brasil em milhões de pessoas ao redor do mundo. Ao vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e a Palma de Ouro no Festival de Cannes, Black Orpheus fez ainda mais sucesso. A mesma sorte teve a trilha do filme, que revelou preciosidades, como A Felicidade (Vinicius e Tom) e Manhã de Carnaval (Bonfá e Antonio Maria), que já teve centenas de regravações – algumas, de artistas famosos, como o saxofonista Dexter Gordon, o guitarrista John McLaughlin, a cantora Joan Baez e o vibrafonista Cal Tjader (veja vídeo de Tjader tocando ao vivo Manhã de Carnaval e Samba de Orfeu). Vale lembrar: depois de Garota de Ipanema, Manhã de Carnaval é a música brasileira mais conhecida no exterior e está, inclusive, classificada no Guiness Book of Records como uma das 10 músicas mais executadas ao redor do mundo.   

Alternando estadias entre Brasil e Estados Unidos, Bonfá assinou em 1962 a trilha de um clássico do Cinema Novo, o filme Os Cafajestes, de Ruy Guerra. Em 1963, antecedendo o estrondoso sucesso mundial do álbum Getz/Gilberto (ouça a íntegra), estopim do grande culto à bossa nova, numa jogada de oportunismo, Stan Getz convidou Bonfá e Tom, que também tocou violão, para lançarem juntos o álbum Jazz Samba Encore! pelo cultuado selo americano Verve Records (ouça a versão de O Morro não Tem Vez).

Pouco depois, o violinista se aproximou de Frank Sinatra, com quem chegou a tocar, assim como o maestro Quincy Jones. Por recomendação de Jobim e de Bonfá, em 1967 o jovem instrumentista e arranjador Eumir Deodato, líder do supergrupo de samba-jazz Os Catedráticos, foi levado aos Estados Unidos para ajudar, como assistente do maestro Claus Ogermann, a compor parte dos arranjos do álbum Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim (veja vídeo de Tom e Sinatra se apresentando na TV americana em novembro de 1967).

O sucesso alcançado nos EUA por Bonfá, possibilitou a ele lançar uma série de importantes discos: Braziliana (1965), que conta com a participação de sua mulher Maria Toledo; The Brazilian Scene (1965); Gentle Rain (1966); Bonfá (1968); Black Orpheus Impressions (1968); The New Face of Bonfá (1970), Sanctuary (1971); e a obra-prima Introspection (1972), no qual Bonfá explicita sua excelência de violonista e grande esteta cruzando bases e solos de violões com cordas de aço, nylon e de 12 cordas.

Jacarandá, o álbum celebrado hoje em Quintessência é de 1973 e fecha um ciclo na carreira do violonista, as vésperas de sua volta ao Brasil. Lançado pela gravadora americana Ranwood, Jacarandá teve arranjos e orquestração a cargo do pupilo Deodato. Dos dez temas, oito são de autoria de Bonfá. A banda reunida por Deodato era um verdadeiro dream team da música instrumental: John Tropea (guitarra), Airto Moreira (percussão), Idris Muhammad e Richard O’Connell (bateria), Ray Barreto (conga), Phil Bordner (flauta), John Wood  (piano acústico/elétrico), Sonny Boyer (sax tenor), Mark Dury (contrabaixo acústico), Stanley Clarke (contrabaixo elétrico); Maria Toledo e Sonia Burnier (vozes) – uma curiosidade: Sonia é sobrinha de Bonfá e irmã de Octávio Burnier, também sobrinho do violonista, que ao lado de Cláudio Cartier formou a dupla Burnier e Cartier (ouça Relembrando Ed Kleiger). Além dos 12 nomes mencionados acima, Deodato ainda elencou mais de 30 outros músicos para executar os ambiciosos arranjos que escreveu para o disco.     

Dito tudo isso sobre Bonfá e Jacarandá, caros leitores, recomendo que ouçam o álbum do começo ao fim, e apreciem a riqueza de texturas e paisagens sonoras dessa obra singular. Confira a íntegra de Jacarandá

Antes de me despedir outras duas preciosidades: 

Bonfá apresentando os temas Menina Flor, Batucada e A Day In The Life of a Fool, no programa de TV do cantor Mike Douglas, em 1966

Elvis Presley interpretando Almost in Love, de Bonfá (a propósito, a única música brasileira cantada pelo Rei do Rock) 

Viva Luiz Bonfá! Boas audições e até a próxima Quintessência!

 


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