O Téo de Paulo Betti

Império
Horário Nobre
Paulo Betti como Téo Pereira, o blogueiro que quer acabar com a reputação de Cláudio Bolgari, papel de José Mayer

É sempre assim. Antes de se entregar a um personagem, Paulo Betti estuda muito. Foi assim com Lamarca, papel que viveu no filme homônimo de Sérgio Rezende, de 1994 – um dos personagens preferidos do ator. Betti conta que sabia quase nada sobre essa figura histórica, um dos líderes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), oposição armada da ditadura militar no País. Correu atrás. Agora, ele está na pele de Téo Pereira, um venenoso blogueiro sessentão e totalmente gay, no horário nobre da Globo, na novela Império, de Aguinaldo Silva.

Para entender o universo de seu personagem, não fez diferente. Pesquisou sites de fofoca, conversou com profissionais do meio e leu o livro Tratado Geral Sobre a Fofoca: Uma Análise da Desconfiança Humana, do psicanalista José Ângelo Gaiarsa. Agora, ele garante: “A fofoca é um fator importante na vida das pessoas porque 80% do que conversamos é fofoca. Os 20% são para os demais assuntos”. Mas é dele o “hummmm” sacana que já colou no personagem. A expressão nasceu de uma brincadeira com um assistente de estúdio de gravação.

Em quase 40 anos de carreira, Betti já esteve em mais de 15 novelas, dezenas de peças e filmes. É ator, mas também diretor e produtor. A primeira montagem para o teatro foi do best-seller Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, em 1983. Assina também a codireção, o roteiro e a produção de Cafundó, filme de 2005, ficção inspirada no ex-escravo João Camargo. Nascido na zona rural de Rafard, interior de São Paulo, em 10 de setembro de 1952, passou a infância e parte da juventude em Sorocaba, também no interior paulista, de onde saiu para estudar na Escola de Arte Dramática da USP. Tinha 20 anos. A carreira de ator começou três anos depois, quando se tornou um dos fundadores do teatro experimental Pessoal do Victor, dirigido por Celso Nunes.

Betti recebeu a reportagem da Brasileiros no Teatro Municipal Paulo Gracindo, onde foram exibidos os filmes da 6a edição do Paulínia Film Festival, em Paulínia, São Paulo, em julho. Ele estava lá para divulgar o filme Infância, de Domingos Oliveira, em que ele interpreta Henrique, o genro que aplica um golpe na sogra (papel de Fernanda Montenegro) – deve estrear nos cinemas no ano que vem. Além de melhor ator coadjuvante para Betti, Infância ganhou os prêmios de montagem, roteiro e Especial do Júri para Fernanda Montenegro.

Na conversa, ele falou de sua infância, do presente, de suas reuniões com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de seu contínuo apoio ao PT. A seguir, os melhores momentos desse encontro.
Téo, o personagem da TV

Ele tem um humor ácido, irônico, maldoso mesmo. Acha que todo mundo é gay como ele. Quando soube que faria esse papel, comecei a pensar nele. Nas primeiras sinopses, tinha umas palavras carregadas, tipo “queriiiiiiida”. Pensei: “Téo é desmunhecado, afetado, para fora”. Saquei que seria meio over. Um dia, encontrei um assistente de estúdio em uma livraria, estava sempre apressadinho, ele estava comprando um livro sobre Marlon Brando, que tinha belíssimas fotos. Era um livro caro, foi pago com três cheques pré-datados. Aí, falei: “Que compra cara! Para quem é o livro?”. Ele olhou para mim e disse: “É para um amigo”. E eu, na lata: “Amigo? Hummmmm” (risos). Todo mundo que estava ali caiu na gargalhada por causa do “hummmm” e da boquinha que fiz para completar a fala maliciosa. Foi daí que tirei essa expressão. Meus sobrinhos de Piracicaba ficaram cismados: “Oh, tio, essa coisa de personagem gay vai atrapalhar a vida da gente aqui”. Brinquei com eles: “Vou falar que vocês serviram de inspiração para compor o personagem. Hummm”.
Outras inspirações

Busquei muitas referências para compor o Téo. A fofoca, segundo o psicanalista José Ângelo Gaiarsa, é um fator importante na vida da gente. A maior parte das coisas que conversamos é fofoca. Aguinaldo Silva tem um blog, é um cara que se interessa pelo assunto. Mas eu tive de me informar. Conheci o Leo Dias, blogueiro do jornal carioca O Dia. Eu o visitei na redação para entender como as coisas funcionam por lá. Também fui ao blog do site EGO, que é da Globo, onde 40 profissionais estão focados nesse universo.

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Anos 1980
Paulo Betti, Marcos Kaloy e Marcos Frota (em pé, da esquerda para a direita); Lilia Cabral, Adilson Barros e Denise Del Vecchio (sentados); e Christiane Rando (à frente), na divulgação da peça Feliz Ano Velho, baseada no best-seller de Marcelo Rubens Paiva

O mundo da fofoca
Você sabia que subcelebridade gera muito mais acesso do que celebridade? Notícia sobre a filha da Madonna tem mais audiência do que a da própria Madonna e subcelebridade brasileira gera mais interesse do que subcelebridade estrangeira. Você sabia que existem agências especializadas em abastecer esses sites com fotos, que porteiro de hotel, motel e taxista passam informações para esses sites? Enfim, a vida alheia dá audiência, muita audiência por sinal. Eu discordo desse mundo, acho podre. Mas, ao mesmo tempo, é muito divertido. No momento estou muito interessado no assunto.

Teia de romance
Eu me dou bem com as minhas ex-mulheres. Tenho duas filhas com Eliane Giardini e um filho com Maria Ribeiro (que também está em Império, contracenando com Caio Blat, seu marido também na vida real). Maria e eu quase não nos encontramos em cena. Aliás, ela e Caio têm um filho de 4 anos, que me adora. Quando vai em casa, brincamos muito (Betti está casado com Mana Bernardes, designer e artista plástica). Na realidade, as pessoas querem saber se tem algo estranho nessa coincidência, se vai ter barraco entre mim, Maria e Caio. Somos amigos.

Beijos polêmicos
Em Amor à Vida, aquela novela que tinha o Félix (papel de Mateus Solano), a expectativa foi grande e ali se rompeu um tabu. A Globo queria saber como o público reagiria ao assistir a um beijo entre dois homens no horário nobre. Walcyr Carrasco tinha esse desafio e conseguiu que o tal beijo gay fosse ao ar pela primeira vez na emissora. Na última novela, Em Família, Manoel Carlos pensou no beijo entre duas mulheres (vividas por Giovanna Antonelli e Tainá Müller). Em Império, o beijo gay será entre os personagens de José Mayer, o badalado Cláudio Bolgari, e Klebber Toledo, o aprendiz de ator Leonardo.

Diversidade gay
Império traz uma novidade desse universo homossexual masculino. Em Fina Estampa, o Clô (vivido por Marcelo Serrado) era mordomo. O Félix trabalhava em um hospital ao lado do pai, e os dois tinham uns 30 anos. Em Império, tem o meu papel, que é um blogueiro de 60 anos indiscreto. O de José Mayer, também de 60, é o meu inverso, nem um pouco afetado. Ele é casado, tem dois filhos, aparenta ser feliz no casamento, mas mantém uma relação escondida com outro homem. E tem ainda o Aílton Graça vivendo Xana Summer, que é um travesti. São tipos diferentes. Aguinaldo Silva vai defender a tese do gay que não quer se abrir para a sociedade, a de que a pessoa pode ter o direito a uma vida dupla. Por que não? Vai ser polêmico.

Redes sociais
Quando publiquei na minha página do Facebook sobre a reunião que o Luciano Huck e a Angélica tinham promovido em apoio a Aécio Neves, não imaginei a repercussão que o comentário teria. Mas achei engraçado saber desse encontro, em que alguns artistas participaram. Publiquei o que estava pensando na hora, em tom de brincadeira. Só que bateu diferente para o Thiago Lacerda, que falou que eu estava patrulhando. Provavelmente, se eu for à casa da Lucélia Santos e lá estiver o Lula, neguinho também vai dar risada e falar sobre isso. Thiago Lacerda se ofendeu, postou isso no blog dele. A lição que aprendi: tomar mais cuidado com as redes sociais, uma terra de ninguém.

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História
Betti na pele de Lamarca, em filme de Sérgio Rezende

Parceria
Sérgio Rezende me deu papéis maravilhosos. É um cineasta que trabalha com temas relevantes. Fiz os dois maiores papéis de minha carreira com ele: Lamarca, no filme homônimo de 1994, e Barão de Mauá, em Mauá, o Imperador e o Rei, de 1999. Vivi ainda Zé Lucena, em Guerra de Canudos, de 1997.

O caso com FHC
Procurei Fernando Henrique Cardoso quando ele era presidente, na tentativa de levantar grana para Cafundó (filme codirigido por Clóvis Bueno, lançado em 2005) e algumas pessoas me acusaram de oportunista. Naquela época, todos os projetos culturais eram patrocinados por estatais, que submetiam as decisões à Secretaria de Comunicação Social. Não havia um edital do Ministério da Cultura, um absurdo. Falam que o PT está aparelhando o Estado, como se isso não fosse uma prática comum dos partidos que chegam ao poder. Estava explícito nas duas visitas que fiz ao FHC que eu batalhava dinheiro para o filme. É chato falar assim, mas fiquei indignado com o PT, que poderia ter apoiado o filme por meio dos governos estaduais de Mato Grosso e Rio Grande do Sul, que eram governados pelo partido. Eu me senti obrigado a procurar FHC. Cafundó, o ex-escravo que virou milagreiro e fundou uma igreja em Sorocaba, foi estudado por Florestan Fernandes, depois por FHC. É a questão do negro no Brasil.

A família
Minha mãe teve 15 filhos, sou o caçula. Quando nasci, ela tinha 45 anos. Desses 15 filhos, sete sobreviveram. Ela foi empregada doméstica, meu pai era esquizofrênico, mas um homem incrível, inteligente. Ele fazia biscates. Como era doente, vivia internado. Minha mãe segurou a onda. Foi ela quem me colocou em escola pública de qualidade. Eu morava com meus pais e avós em uma espécie de quilombo, que era a Vila Leão, em Sorocaba, no final dos anos 1950. Minha família de imigrantes italianos vivia em um bairro onde 95% das pessoas eram negras. Tive muita sorte.

Política
Voto no PT pela postura mais direcionada do partido aos programas sociais, que estão dando certo, apesar dos percalços. Voto também porque não quero, de maneira nenhuma, uma regressão ao modelo neoliberal do PSDB. Minhas críticas são as de todo mundo: o PT se afastou dos movimentos sociais, das bases, tem agora certo inebriamento com o poder, que o distancia da realidade. Ainda assim prefiro o PT. Dilma Rousseff tem uma história de luta, de coragem, não pode ser desrespeitada como vem sendo. Eu estava no estádio quando ela foi vaiada e, me desculpe o querido Gilberto Carvalho (ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência), era uma elite branca, sim. Aliás, elite de araque. Eles só sabiam gritar, xingar a Dilma e cantar contra os argentinos: “Pelé, mil gols, Maradona cheirador”. Uma pobreza. Um artista não precisa se posicionar politicamente. Mas, com a minha origem humilde, as oportunidades que tive, se eu não tivesse um posicionamento seria estranho. Aprendi muito com Betinho (Hebert de Souza), Augusto Boal, Leonardo Boff, Antonio Candido, Florestan Fernandes. É neles que penso. Deixar a peteca cair? Jamais!

Betti e Lula
O Lula tem o valor imenso de ter conseguido representar sua gente, sua origem humilde, em um país de conflitos imensos. Fez o melhor governo que tivemos até hoje. Não é que não enxergo os nossos problemas, mas também vejo as dificuldades. O Brasil melhorou muito com Lula, é inegável. Quantos milhões de brasileiros foram tirados da miséria absoluta. Não é pouca coisa.

O futuro
Estou escrevendo o monólogo teatral Autobiografia Autorizada, em que conto minha história de vida. Também vou dirigir o filme A Fera na Selva, baseado em peça do inglês Henry James, que encenei com Eliane Giardini há 30 anos. Agora, vamos fazer o filme. Será um mergulho emocional, rodaremos em Sorocaba. É a história de um homem que não consegue aproveitar o momento presente, sempre espera alguma coisa no futuro…


Comments

2 respostas para “O Téo de Paulo Betti”

  1. Avatar de ademir luis dambros
    ademir luis dambros

    Sempre admirei paulo betti e nessa entrevista ele coloca a sua opiniao em relaçao ao governo. Pois analisa os pros e contras , soluçoes e problemas que todo pais tem .

  2. Avatar de Suyene Correia
    Suyene Correia

    Parabéns, Amilton Pinheiro, pela ótima entrevista com o Paulo Betti!!

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