O violão camisa 10 de Bola Sete

bolaNinguém há de discordar que João Gilberto personificou a maior revolução do violão popular brasileiro, no século 20. De Juazeiro para o mundo, o patrono da Bossa Nova impôs tal informação com uma miríade de novas harmonias e dissonâncias arrebatadoras. Mas, assim como é justo atribuir protagonismo ao baiano, também é sensato reconstituir teias evolutivas e afirmar que João não atingiu tamanho status por alguma espécie de intervenção sobrenatural, ou um pacto com o tinhoso – como foi, por exemplo, mitificada a virtuose e inventividade de Robert Johnson para o nascimento do blues.

Até atingir tamanho grau de renovação e excelência no instrumento, João perseguiu acordes e batidas, por dez, 12 horas diárias, releu velhos sambas por mais de uma década, mas também procurou atalhos de informação em alguns dos mestres das seis cordas de nylon em nosso País. Até a chegada de João, já estávamos bem servidos de grandes violonistas. E eles somavam tradição e muita ousadia para modernizar a utilização do instrumento em defesa de nossa música popular. Entre os anos 1950 e 1960, para mencionar apenas uma década, quatro pontas-de-lança defenderam com máximo empenho o posto de revolucionários do violão verde e amarelo: Garoto, ídolo de João, Luiz Bonfá, Laurindo de Almeida e um jovem negro carioca, chamado Djalma de Andrade, que conquistaria o mundo, sob a alcunha de Bola Sete. E é sobre Bola, e um álbum divisor de sua carreira, Vince Guaraldi, Bola Sete and Friends, que falaremos hoje em Quintessência.

Lançado nos Estados Unidos, em 1963, como álbum de carreira de Guaraldi, seja pela divisão equânime de papeis, seja pela presença de temas de Bola Sete, é mais do que justo atribuir a autoria do álbum aos dois. Tanto, que o pianista americano, nascido na Califórnia, nome forte da cena do chamado West Coast Jazz, deu ao LP um título que evidência a feitura a quatro mãos (e que mãos!).

O violonista brasileiro Bola Sete em foto tirada na Califórnia, EUA, em 1972 (Fantasy Records)
O violonista brasileiro Bola Sete em foto tirada na Califórnia, EUA, em 1972 (Fantasy Records)

Bola Sete vivia nos Estados Unidos desde 1959, depois de impor uma carreira brasileira, que resultou em sete LP’s, dezenas de registros avulsos em 78rpm e uma série de shows pela América Latina . Em 1962, Bola integrou o combo de Dizzy Gillespie no festival de Monterey, na California, e chegou integrar registros em estúdio com o trompetista (leia post de Quintessencia sobre o álbum Dizzy Gillespie no Brasil com Trio Mocotó). Em novembro daquele mesmo ano, acompanhando a cantora Carmen Costa, Bola apresentou-se no lendário show da Bossa Nova, no Carnegie Hall, em Nova York. Quando recebeu o convite de Guaraldi para gravarem juntos um LP pelo lendário selo Fantasy, a Bossa Nova era obsessão crescente entre os jazzistas americanos. Basta lembrar que um dos ápices criativos da carreira do próprio pianista Cast Your Fate to The Wind: Jazz Impressions of Black Orpheus foi justamente inspirado pelas canções da trilha de Black Orpheus, filme do francês Marcel Camus, de 1959, que transpôs para o cinema a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, e teve a trilha sonora composta pelos versos do poetinha, a voz de Agostinho dos Santos, o piano e os arranjos de Tom Jobim e o violão sublime de Luiz Bonfá (ouça A Felicidade).   

Para o leitor mais atento às qualidades inatas dos músicos brasileiros, lógico, a incursão bossanovista de Guaraldi pode parecer algo incipiente. Seria injusto comparar a técnica do americano à sutileza de um Sergio Mendes, ou a virtuose de um Luis Carlos Vinhas, um Luizinho Eça, mas o que se ouve em Vince Guaraldi, Bola Sete and Friends é, sobretudo, um testemunho apaixonado de um músico aberto ao novo e fascinado com a música popular de nosso País. Fato ainda mais evidente, se pensarmos que o primeiro encontro musical entre Bola e Guaraldi aconteceu somente um dia antes de ambos entrarem em estúdio para o registro do LP. A alquimia que há entre o pianista e o violonista é incontestável. Salta aos ouvidos em cada segundo dos cinco extensos temas. O repertório: Days of Wine And Roses, clássico de Henry Mancini e Johnny Mercer, Star Song e Casaba, de Guaraldi, Mambossa, de Bola, e Moon Rays, do genial Horace Silver. Os tais amigos anunciados na capa: o baterista Jerry Granelli e o baixista Fred Marshall, músicos de Guaraldi.

E a alquimia ganhou tamanho reconhecimento do público e da crítica de jazz que, três anos mais tarde, em 1966, Guaraldi e Bola lançaram um segundo capítulo dessa bela parceria, também pela Fantasy, mas, desta vez, ao vivo: Vince Guaraldi and Bola Sete: Live at El Matador (o violonista participa da segunda parte do espetáculo).

Guaraldi tornou-se mundialmente famoso por compor trilhas para o desenho Snoopy (ouça a íntegra da trilha de A Boy Named Charlie Brown), e morreu em 1978, na California, vitimado por uma parada cardíaca. Em 1987, foi a vez de Bola sair de cena, aos 63 anos, em Greenbrae, em conseqüência de um câncer, na mesma California. O violonista morreu em 14 de fevereiro daquele ano. Momento triste que completa amanhã 27 anos, mas o legado da grande música de Bola segue atemporal.   

Ouça a íntegra de Vince Guaraldi, Bola Sete and Friends

MAIS:

Confira a discografia de Bola Sete

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Em 1963, Bola se apresentou com Guaraldi no programa Jazz Casual, de Ralph Gleason, com os mesmos músicos que registraram o LP reverenciado hoje em Quintessência.
Veja a impressionante releitura de Tour de Force, clássico de DizzGillpesie 


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