Àqueles que desconhecem a dimensão da importância do carioca Eumir Deodato, alguns fatos: ele havia acabado de completar 18 anos quando um certo Antônio Carlos Jobim encomendou seus préstimos para orquestrar canções; precoce e solícito, também ajudou a formar outro grande arranjador, o pianista Cesar Camargo Mariano; antes de lançar Prelude (tema de hoje em Quintessência) a convite do manda-chuva da CTI, Creed Taylor (daí o nome do selo: as iniciais acrescidas do “incorported”), Deodato já havia escrito arranjos para dois de seus ídolos, o guitarrista Wes Montgomery e Frank “The Voice” Sinatra.
Mas Eumir Deodato de Almeida, nome de batismo do menino prodígio, é muito mais do que isso. De “Catedrático” do samba-jazz, liderando o grupo de nome acadêmico (ouça Ataque!), à “Embaixador do Funk”, epíteto atribuído a ele nos EUA, Deodato é dos talentos mais completos a surgir naquele inspirado Brasil do início dos anos 1960. Como compositor, arranjador, produtor e músico ele conquistou o mundo. Vendeu mais de 25 milhões de álbuns e tornou-se artista dos mais requisitados na indústria fonográfica mundial. Até mesmo a cantora Bjork, de seara musical completamente adversa, requisitou préstimos de arranjador de Deodato nos álbuns Post, Telegram e Homogenic.
O primeiro capítulo dessa consolidação global foi escrito com Prelude. Como o título sugere, o LP foi só a preliminar de uma carreira internacional impecável. Impulsionado pelo arranjo de Deodato para Also Sprach Zarathustra, Prelude vendeu milhões de cópias e chegou ao terceiro posto da parada Pop, da Billboard. O segredo? A apropriação ímpar e funky do tema de Richard Strauss (ouça a releitura de J.T, Meirelles) a partir da versão de Karl Bohm e Orquestra Filarmônica de Berlim, que está presente na trilha sonora de 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick.
Produzido por Creed Taylor e gravado entre os dias 12 e 14 de setembro de 1972, no lendário estúdio do produtor Rudy Van Gelder, engenheiro de som do LP, Prelude foi lançado no início de 1973. Se o produtor e o engenheiro de som eram dos mais insuspeitos, o que dizer do time de músicos reunidos para as sessões de estúdio? Tome fôlego, caro leitor: Ron Carter e Stanley Clarke (contrabaixo); Ray Barreto (congas); Billy Cobham (bateria); Hubert Laws. Phil Bodner, Romeo Penque e George Marge (flautas); Jay Berliner e John Tropea (guitarras); Airto Moreira (percussão, leia post de Quintessência sobre o álbum Fingers); Charles McCracken, Seymour Barab e Harvey Shapiro (cellos); Peter Gordon e Jim Buffington (french horn); Garnett Brown, George Starkey, Paul Faulise e Wayne Andre (trombones); John Frosk, Mark Markowitz, Marvin Stamm e Joe Shepley (trompetes); Emanuel Vardi e Al Brown (violas); Elliot Rossoff, Emanuel Green, Gene Orloff, Harry Lookosfsy, Paul Gershman, Max Ellen e David Nadien (violinos).
Quanto a Deodato, coube a ele pilotar dois instrumentos, com a usual maestria: piano acústico e piano elétrico, no caso, o lendário Fender Rhodes. Os arranjos também são todos dele. E impressionam pela destreza em transformar tradições sem cometer heresias. Como a mesma reverência presente na releitura de Strauss, Deodato também subverteu compositor dos mais influentes para a Bossa Nova, Claude Debussy, em Prelude To Afternoon of a Faun. E fez o mesmo com o standard da canção americana Baubles, Bangles and Beads, de George Forrest e Robert Wright (ouça a releitura de Frank Sinatra e Tom Jobim), dupla que também deu ao o mundo o clássico Strangers in Paradise.
E o que dizer das composições do próprio Deodato? Carly & Carole (ouça a versão do maestro Erlon Chaves), Spirit of Summer (tema que foi surrupiado na trilha do filme O Exorcista) e September 13 (escrita em parceria com o baterista Billy Cobham no segundo dia de registros, daí o nome) são irresistíveis, à primeira audição – a despeito dos outros temas, mais afeitos a arranjos eruditos, exigirem dedicação maior do ouvinte, na velha e saudável lógica do álbum que cresce a cada nova escuta.
Prelude foi seguido por outra obra-prima, Deodato 2, e abriu caminho para uma série de álbuns americanos, todos impregnados da sofisticada arte de criação e reinterpretação de Eumir Deodato. Àqueles que desconhecem sua discografia – sobretudo os álbuns feitos anteriormente por ele, no Brasil –, bom conselho é: corra já atrás deles!
Boas audições e até a próxima Quintessência!
MAIS
Veja registro de Deodato e orquestra em apresentação na TV italiana RAI
Comentários
4 respostas para “Prelúdio para a consolidação mundial de Eumir Deodato”
Boa noite, Marcelo. Gostaria de corrigir uma pequena errata – desta vez, minha. Prelude foi lançado originalmente nos EUA em janeiro de 1973, e não em fevereiro, como eu havia dito anteriormente. Essa informação você pode confirmar no mesmo link do blog do Arnaldo DeSouteiro, postado em meu comentário anterior e já devidamente corrigido pelo próprio Arnaldo. Um abraço.
Obrigado, Alexandre. Forte abraço.
Considero “Prelude”, sem dúvida alguma, como uma obra prima. Realmente, tem que ter muita ousadia refazer um clássico do século 19 composto por Richard Strauss e transformá-lo em uma versão Funk-Latin-Jazz e ainda conseguir vender 5 milhões de cópias do compacto dessa música que tem nada menos que nove minutos de duração. Sua matéria está show de bola, Marcelo. Aproveito o ensejo para deixar um link do especialista Arnaldo DeSouteiro, principal responsável pela supervisão/produção dos últimos relançamento do álbum em CD, além de resenhar o encarte dos mesmos. Eis o link sobre os 40 anos de Prelude: jazzstation-oblogdearnaldodesouteiros.blogspot.com.br/2013/09/40-years-of-deodatos-prelude.html
Caro Alexandre,
Agradeço a gentileza dos comentários e o prestígio de sua leitura. Com alguma frequência, acesso o blog do Arnaldo, verdadeiro professor desses gêneros musicais brasileiríssimos que tanto amamos. Não havia ainda conferido o texto sobre Prelude. Obrigado por compartilhar!
Forte abraço.