Prisioneiros do desejo

Cena de "Ninfomaniaca - Parte 2" Ascot Elite
Cena de “Ninfomaniaca – Parte 2”
Ascot Elite

A saga sexual de Joe (Charlotte Gainsbourg) prossegue e fica mais chocante em Ninfomaníaca – Volume 2, que entra em cartaz este mês. Na primeira parte, aos 40 anos, depois de espancada e abandonada em uma madrugada fria, ela é resgatada por um estranho mais velho, o solteirão Seligman (Stellan Skarsgard), que parece gentil e compreensivo. Ele a conduz até seu apartamento, trata de seus ferimentos e a alimenta, enquanto ela conta sua vida incomum em tom de terapia, em que se auto-diagnostica ninfomaníaca. O relato prossegue no volume 2, em que o diálogo entre eles se aprofunda, enquanto o espectador acompanha suas experiências nada convencionais. Seligman, homem culto e observador do comportamento humano, ouve seus relatos e tenta ajudá-la a se compreender, como um ativo psicanalista.

Na longa conversa – os dois filmes somam mais de 4 horas de duração –, Joe se define como uma mulher escrava dos seus impulsos sexuais, que não consegue manter o ímpeto e se entrega a um ritual pouco usual para uma mulher. Sim, para uma mulher, porque a sua ninfomania é mais comum entre os homens do que se imagina. E essa é a lógica crítica e feminista que conduz o diretor dinamarquês Lars Von Trier nesse, que é seu melhor filme. Na primeira parte, a protagonista narra sua jornada erótica desde o nascimento, numa trajetória que começou como simples curiosidade juvenil estimulada por uma amiga e seguiu pelo caminho incontrolável do que se chama de taras obscuras da mente humana, condenável principal às mulheres.

Ao invés de apenas impressionar gratuitamente ao criar histórias pretensiosas, como Melancolia – uma indisfarçável releitura do estilo do diretor italiano Michelangelo Antonioni e seus filmes sobre a incomunicabilidade humana –, dessa vez, um maduro diretor está afiado e com um discurso inteligente sobre a hipocrisia das relações sociais. Sem dúvida, Lars Von Trier usa Ninfomaníaca não apenas para ousar tanto no tema como no desafio moral à censura, mas, também, para dar uma resposta a todos aqueles que o criticaram e levaram a seu banimento do Festival de Cannes, em 2011, quando ele teria brincado ao fazer referências elogiosas a Hitler – genocida por quem dizia sentir “empatia”.

O diretor se isola ainda mais no novo filme, com uma segurança inabalável, ao mesmo tempo em que se reafirma, ao provocar o público quando questiona até que ponto a promiscuidade sexual de uma mulher pode ser considerada doença, enquanto a masculina, em muitas sociedades, não só é tolerada e incentivada como também vista como virtude. Ao mesmo tempo, declara sua completa descrença e perda de fé no homem. Faz isso ao construir um final que pode parecer decepcionante para alguns, mas que amarra bem a ideia e dá um sentido de completude às duas partes de Ninfomaníaca. Os filmes se amaram e, desse modo, ganha certa grandiosidade.


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