Todorov, um leitor do mundo

Todorov alertava para os riscos do excesso teórico
Todorov alertava para os riscos do excesso teórico

O interessante no método da crítica estruturalista é descobrir os modelos que servem de base para as narrativas literárias e a partir dessa premissa abrangente analisar as especificidades de cada obra. Como bem resume a crítica Leyla-Perrone Moisés, o estruturalismo cria “um movimento circular: das obras particulares extrai-se o modelo, que será em seguida aplicado a obras particulares”. O modelo é, portanto, flexível, revelando não apenas o que há de repetido mas também o que há de novo.

Tzvetan Todorov, búlgaro nascido em 1939 e radicado em Paris em 1963, sempre esteve atento a essas questões. Modesto, colocava-se acima de tudo como um leitor fascinado pela linguagem. Tinha plena noção dos limites do estruturalismo e de qualquer movimento teórico. Dizia que “o mistério das letras tem isso de atraente: torna-se mais espesso à medida que se tenta dissipá-lo”. Em A Literatura em Perigo, de 2007, alertou para os riscos de que o excesso teórico, muitas vezes hermético, pudesse tirar dos alunos de literatura o prazer pela leitura. Isso, diga-se, sem nunca desconsiderar a importância da teoria.

Inspirado nos estudos semiólógicos de Saussure, o estruturalismo na literatura surgiu do encontro de Roman Jakobson, mestre maior do formalismo russo, e Claude Lévi-Strauss, o grande antropólogo francês. Juntos eles fizeram a análise de Les Chats, poema de Baudelaire, dando início a essa corrente que reuniria, no início dos anos 1960, Todorov, Roland Barthes, Michel Foucault, Julia Kristeva e outros.

A carreira de Todorov começou com a tradução de textos do formalismo russo e se desenvolveu à medida em que aplicava essas ideias, datadas dos anos 1920, à linguística de sua época. Sob a orientação de Barthes, apresentou como tese uma análise estrutural de Ligações Perigosas, o romance epistolar de Laclos. Ao contrário do mestre Jakobson, interessava-se mais pelas narrativas em prosa, em detrimento da poesia.

Em um dos seus textos mais interessantes, debruça-se sobre narrativas fantásticas de Edgar Alan Poe, Henry James e Gerard de Nerval e cria um sistema de subgêneros que engloba também conceitos como o “estranho” e o “maravilhoso”. Da mesma forma, esmiúça as regras do gênero detetivesco em Tipologia do Romance Policial. Também estudou obras imemoriais, como a Odisséia e as aventuras de cavalaria.

No livro A Beleza Salvará o Mundo, de 2006, traça uma biografia crítica de três nomes que fizeram de suas vidas uma narrativa tão fascinante quanto a de seus escritos: Oscar Wilde, Rainer Maria Rilke e Marina Tsvetaeva. Ao analisar o mergulho no abismo desses três artistas geniais, Todorov nos oferece uma reflexão sobre a arte de viver. O mesmo faria com A Vida em Comum, de 1995, em que trata de questões como a pulsão de morte e as regras de coexistência.

A verdade é que, a partir da literatura e de seu trabalho como leitor agudo e apaixonado, tornou-se, cada vez mais, um leitor do mundo. Em livros como O Homem Desenraizado, O Medo dos Bárbaros e Os Inimigos Íntimos da Democracia, por exemplo, ampliou seu leque de interesses. Crítico veemente de toda espécie de totalitarismo e xenofobia, antecipou a crise dos refugiados, ao declarar, em 2010: “Este medo aos imigrantes, ao outro, aos bárbaros, será nosso grande primeiro conflito no século XXI”.

Era um intelectual completo, que incide e influi decisivamente na sociedade contemporânea.


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