Zé Celso tem punibilidade extinta no caso da PUC

Foto: Luiza Sigulem/Brasileiros.
Foto: Luiza Sigulem/Brasileiros.

O juiz José Zoega Coelho, do Juizado Especial Criminal, extinguiu a punibilidade do diretor Zé Celso, em decorrência da prescrição, no caso onde ele e dois atores do Teatro Oficina eram acusados de “Crime contra o sentimento religioso”.

A ação era movida em função da apresentação da peça Acordes, realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), após uma acusação movida por representante do Ministério Público, a partir de um abaixo-assinado encaminhado pelo Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz.

Entenda o caso:
Teat(r)o Oficina entre moral, liberdade e bons costumes

Os atores Mariano Mattos Martins e Tony Reis, que também estavam no processo, foram absolvidos. “Como os elementos indiciários apontam no sentido do exercício de um a crítica à Igreja Católica, nisso não se pode ver ocorrência de ilícito penal. A liberdade de manifestação do pensamento, constitucionalmente assegurada, aqui socorre os Réus”, considerou o juiz.

A sentença ainda cabe recurso, mas de acordo com os advogados do atores da Oficina, o Ministério Público não costuma insistir em casos desse tipo.

Leia a íntegra da sentença: 

1 – Quanto ao Réu José Celso Martinez Correa: decorridos mais de dois anos desde a data dos fatos e considerando as penas máximas abstratamente cominadas, o prazo prescricional previsto no artigo 109, V, do Código Penal já transcorreu integralmente, sem superveniência de qualquer causa suspensiva ou interruptiva do referido prazo. Anoto que, in casu, tal prazo reduz-se pela metade, considerando o fato do agente ser maior de setenta anos nesta data (Código Penal, artigo 115). Ante o retro exposto, reconheço a prescrição da pretensão punitiva estatal e JULGO EXTINTA a punibilidade relativamente aos fatos objeto do termo circunstanciado, imputados a JOSE CELSO MARTINEZ CORREA o que faço com fundamento nos artigos 107, IV; 109, V, 110 e §§ e 115 todos do Código Penal.

2 – Quanto aos demais Réus, entendo ser o caso de absolvição sumária, nos moldes do artigo 397, III, do Código de Processo Penal. Com efeito, a denúncia imputa aos Réus a conduta de vilipendiar publicamente objeto de culto religioso, estes que seriam uma cruz de pedra que ornamenta a praça da cruz, no interior das dependências da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e ainda a figura do papa, representada por um boneco, durante determinada encenação teatral que ocorria naquela praça, naquela universidade.
No entanto, como destacado em defesa preliminar – cujos argumentos aqui se acolhem às inteiras, como razões de decidir – a conduta típica é bastante restrita, no tocante à elementar do tipo “objeto de culto religioso”. Objeto de culto é tão somente aquele inerente ao serviço do culto, ou seja, utilizado durante alguma celebração religiosa (missa, procissão etc).

Outros objetos, ainda que a eles se atribuam valor ou estima de fundo religioso, não estão abrangidos pela proteção penal, ora em comento, se também não forem próprio de qualquer ato inerente à liturgia – aos ritos e celebrações religiosos.

A cruz de pedra é símbolo religioso por excelência. Mas especificamente aquela cruz, situada em simples pátio central da edificação, não é objeto que se empregue em culto ou ritual religioso. Assim também não é objeto de culto a figura, simbólica, do Papa.

Deste modo, os fatos, tais como descritos na denúncia, não englobam
todas as elementares do tipo penal. Só por este fundamento, já não seriam típicos, donde a necessidade da absolvição sumária.

Mas ainda que assim não fosse, tenho que os elementos indiciários também não consubstanciam justa causa para o exercício da ação penal. Os elementos indiciários (notadamente as imagens da encenação teatral
disponíveis na internet) não apontam que qualquer dos atos apontados na denúncia com caracterizadores do vilipêndio à cruz tenha sido diretamente dirigido ao objeto. O que se vê é que os atos descritos na denúncia foram praticados no contexto da encenação, para a qual a presença ou não da cruz era de todo irrelevante.

Por outro lado, a análise da encenação, em seu inteiro teor e sentido, revela que, a toda evidência, o elemento subjetivo dos Réus não estava voltado contra os objetos referidos na denúncia (consciência e vontade de vilipendiá-los, cruz e figura simbólica do papa). A encenação tinha como cerne a crítica a conhecidos posicionamentos da igreja Católica que prevaleciam ao tempo da encenação e que eram notoriamente associados ao pontificado do Papa Bento XVI – posicionamentos que, hoje, ao que se nota, alteraram-se profundamente.

Como os elementos indiciários apontam no sentido do exercício de um a crítica à Igreja Católica, nisso não se pode ver ocorrência de ilícito penal. A liberdade de manifestação do pensamento, constitucionalmente assegurada, aqui socorre os Réus. Nenhuma igreja está imune à crítica, por qualquer meio ou forma de expressão, notadamente a teatral. Ademais, não é incomum a crítica a religiões, a igrejas e a fôrmas de manifestações do sentimento religioso.

Não se nega que a forma adotada para a crítica possa, em princípio, ser considerada ofensiva para alguns. Mas enquanto a tônica seja o exercício do direito de crítica, a encenação teatral não entra no campo do ilícito penal. Ante o retro exposto, julgo extinta a punibilidade do Réu JOSÉ CELSOMARTINEZ CORREA, nos termos do artigo 107, IV, do Código Penal (prescrição) e absolvo sumariamente MARIANO MATTOS MARTINS e ANTONIO CARLOS DA CONCEIÇÃO REIS, do delito do artigo 208, do Código Penal, que lhes foi imputado, o que faço com fundamento no artigo 397, III, do Código de Processo Penal.

Finalmente, quanto a ANA RUBIA DE OLIVEIRA MELO, nos termos da
manifestação do d. Representante do Ministério Público (fls. 85)
que acolho como razões de decidir, determino o arquivamento do inquérito policial, com a ressalva do disposto no artigo 18, do CPP.

P.R.I.

São Paulo, 08 de junho de 2015


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