Chorar no Caneco

Poucos traumas se equiparam àquele de ver o time de seu país perder uma final de Copa para o país anfitrião. A situação piora muito se a infeliz testemunha for repórter. Cumprirá a enlouquecedora tarefa de escrever – com a maior objetividade possível – sobre o portentoso evento. Depois disso, sairá pelas ruas em festa, aguentando a alegria alheia e sem um único recanto para chorar suas pitangas. Foi o que me aconteceu na França em 1998. Aquela francesada gritando: “Nós ganhamos! Nós ganhamos!”. Como se isso fosse maneira de comemorar. Completando o martírio, nossa equipe de reportagem ainda teve de cumprir a pauta sobre o mal súbito que acometeu Ronaldo Fenômeno, com peregrinações ao hospital que o tratou e à concentração canarinho. Decidi naquele momento que não queria mais cobrir Copas do Mundo.

Compreendi, humilhado, que não entendo de futebol. Vejo o jogo como torcedor e não como jornalista imparcial. E quando digo “torcedor”, entenda-se “fanático”. Prova: antes da partida trágica, garantia a quem teve a má sorte de me encontrar, que o Brasil já era campeão. A jornalista Kátia Zero, que morara em Nova York e era minha amiga, estava muito preocupada no pré-apito. Foi confortada com minhas tiradas: “Não vim aqui para ver o Brasil perder!” ou “Não há coisa mais ridícula do que imaginar a França campeã!”. Para o colega Alberto Helena Jr., usei uma boa tirada, dita anteriormente, pelo colunista Roberto Benevides: “A França é o Paraguai da Europa. Passou 114 minutos sem fazer um gol. E quando finalmente fez, foi graças a um zagueiro”. Com uma repórter tailandesa, que torcia pela Holanda, apostei uma garrafa de champagne, a ser saboreada por ela, vestida com a camisa dourada dos canarinhos, no bar do Hotel Ritz.

Dois dias depois da catástrofe, eu estava no bar Hemingway pagando uma fortuna por um champagne que desceu como fel. Envergava a camisa azul com um galo no peito. Naqueles dias pós-débâcle, meu estado de espírito indicava claramente desejos de morte, sem direito à ressurreição. A magnífica dona do hotelzinho onde me hospedei foi de uma bondade infinita. Convocou nove amigas, todas donas de hotéis parisienses, para juntas me carregarem para as festas da Queda da Bastilha. Nem mesmo essa paparicação de beldades balzaquianas foi capaz de me levantar o astral.

Na volta à Nova York – onde a Copa parecia jamais ter ocorrido – liguei para Hélio Campos Mello, o diretor de redação da publicação onde labutávamos, e implorei para nunca mais me enviar a uma Copa do Mundo. Como não faltavam repórteres dispostos a partir para esse sacrifício, tive meu pedido atendido. Como só vejo o futebol com zelo religioso, o melhor mesmo é assistir ao torneio em isolamento. E não há local mais apropriado para isso do que minha casa em Nova York. Se o Brasil perder, no dia seguinte a vida seguirá sem recordações. Neste 2010, estarei protegido pelo descaso da maioria dos americanos pelo soccer. Mas até lá, vou palpitar nestas páginas virtuais – como bom torcedor – sobre nossas aventuras na África. Eu não resisto.


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