“Gosto das contradições”, diz a romancista argentina Selva Almada

Foto: Reprodução/Facebook
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A história da adolescente Leni e do Reverendo Pearson, seu pai, que percorre a Argentina em busca de sinais de Deus. Esse é o mote sobre o qual a escritora Selva Almada se debruçou para escrever seu primeiro romance, O vento que arrasa, lançado em 2012 e publicado agora pela Editora Cosac Naify no Brasil. Nesta  última quarta-feira (19), a autora e o tradutor do romance para o português Samuel Titan conversaram sobre a obra em encontro realizado no Instituto Cervantes, em São Paulo.

Titan iniciou o diálogo com uma referência à crítica literária Beatriz Sarlo, cujos apontamentos a respeito da novela foram extremamente positivos.  Parafraseando Beatriz, o tradutor questionou:  “De onde saiu esse livro surpreendente?”.  A escritora contou que não pensou nessa história originalmente como um romance, mas como um conto, gênero com que estava habituada a trabalhar. “A história pedia mais espaço do que um conto. Então, comecei a escrever o romance, anotei todas as ideias em pedaços de papéis, que foram ordenados, e cada um desses pedaços virou um capítulo”. Para Almada, a ambientação do enredo no chaco argentino contribuiu para o seu desenrolar: “Meus primeiros personagens eram mais urbanos, depois eu me dei conta da rica geografia que existia ali”, disse.

Titan observou que a ação da novela se passa em pouco mais de 24 horas e que é composta por quatro personagens  – além da adolescente e do pastor, há o mecânico Gringo Bauer e seu filho Tapioca – o que ele classificou como uma condensação. Questionada sobre características teatrais ou mesmo cinematográficas em O vento que arrasa, Selva disse que não pensou nesses aspectos para construir a história: “Não tenho uma estrutura muito reflexiva nesse sentido. De repente aparece um personagem e vou atrás. Não pensei em dar essas direções”.

Um dos elementos marcantes na obra é a presença da religião. A escritora ressalta que o Reverendo Pearson não é um pastor que vende a ideia de Deus para ludibriar as pessoas e arrecadar dinheiro, mas um homem que verdadeiramente crê: “Queria contar a relação entre um padre e sua filha, depois apareceu o aspecto religioso”. Ao que acrescentou:  “Não gosto de novelas em que escritores apresentam um personagem bom e outro mau. Gosto das contradições, de vários tons de matizes, de claros e escuros”.

Titan indagou a respeito das comparações com os escritores William Faulkner e Juan Carlos Onetti.  Leitora desses autores, Almada afirmou que a influência pode surgir na obra de maneira mais indireta: “Um escritor é antes de tudo um leitor. Acredito que isso pode aparecer, mas não é intencional”.  Almada disse ainda que aprecia quando a caracterizam como uma escritora de província e notou a diversidade da literatura argentina: “Quanto mais heterogênea e variada for a literatura de um país, mais rica ela será”.

No final do encontro, Almada leu o capítulo 16, que começa com um cão chamado Bayo: “O chaco proporciona a oportunidade para animais serem animais. As grandes cidades, como Buenos Aires, tratam os animais como filhos. Pensei: Por que não escrever um capítulo sobre um cachorro?”.  O tradutor apontou a semelhança do cão Bayo com uma personagem icônica da literatura brasileira: a cachorra Baleia, presente no romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos.


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